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2. MULTILETRAMENTOS, MULTISSEMIOSE E NOVOS LETRAMENTOS NO

2.2. A multissemiose dos textos contemporâneos

Conforme afirmamos anteriormente, a multimodalidade é, para a pedagogia dos multiletramentos, um dos conceitos fundamentais, por ter se tornado característica dos textos e Designs contemporâneos. Dionísio e Vasconcelos (2013, p. 21) mostram que este termo tem sido usado para nomear textos que possuem “combinação de recursos de escrita (fonte, tipografia), som (palavras faladas, músicas), imagens (desenhos, fotos reais), gestos, movimentos, expressões faciais etc.”. O conceito parte da linguística sistêmico-funcional (LSF) para estender a outras semioses o conceito de modo, que na LSF de Halliday era apenas oral e escrito. Porém, é justamente nessa extensão que pode haver equívocos, pois não necessariamente o que se aplica ao oral e ao escrito, aplica-se a outras semioses.

No entanto, na linha de pensamento da LSF, estabelecem-se importantes autores do Grupo de Nova Londres: Cope e Kalantzis (2009b), com diversos trabalhos, dentre eles destaque para A Grammar of Multimodality, em que propõem uma gramática da multimodalidade, assim como a chamada “semiótica social”de Kress (2003; 2006; 2010) e de Kress e Van Leeuwen (1996; 2001)

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Uma das representações de Cope e Kalantzis (2006) que demonstra como a multimodalidade é vista nesta perspectiva é a que trazemos a seguir na figura 12, já traduzida e adaptada por Rojo (2013, p. 24):

Figura 12. Modos de significação, segundo Cope e Kalantzis (2006). Fonte: Rojo, 2013, p. 24.

Como é possível observar, os autores dividem os diversos modos de significação em Designs linguístico, sonoro, espacial, gestual e visual, nos quais há a identificação dos elementos que o compõe. No Design linguístico, por exemplo, devido aos autores serem da área de estudos da linguagem, há uma detalhada lista de elementos, como “vocabulário e metáfora”, “modalidade”, “transitividade”, “nominalização de processos” etc. No entanto, nos outros Designs é perceptível a falta de conhecimentos específicos de outras áreas, o que leva à generalização e confusão de conceitos. Por exemplo, no Design Sonoro, os elementos que o constituem são “música” e “efeitos sonoros”, isto é, elementos vagos, genéricos e que nada tem a contribuir para a análise de uma canção. No Design Espacial, “ecossistema e significação geográfica” e “significação arquitetônica” também são elementos amplos e pouco esclarecedores. Não há uma definição exata do que os autores entendem por “espaço”. O ciberespaço poderia, por exemplo, ter esses elementos?

No Design Gestual outros elementos genéricos aparecem, como “corpo físico”. Além disso, há “sentimentos e afetos”, o que não é muito adequado, pois não somente no gestual expressamos sentimentos, mas também no linguístico, visual e sonoro. Por fim, no

Design Visual, novamente fica evidente o desconhecimento em outras áreas, como artes e design gráfico, já que genericamente se atribui “cores”, “perspectiva”, “vetores”, “figura e

fundo” etc.

Portanto, fica claro, assim como afirma Rojo (2013), que estas categorias de análise levam a uma fragmentação, formalização e descontextualização, como se cada semiose estivesse ligada a apenas um efeito de sentido, não sendo, de fato, aplicável aos enunciados contemporâneos. Ou ainda em suas palavras, explicando Lemke (1998 apud ROJO, 2013, p. 26) “não podemos analisar semioses topológicas a partir de categorias criadas para analisar semioses tipológicas”, o que parece ser realmente verdadeiro, como demonstra a análise da autora dos elementos multissemióticos de um videoclipe. Mais ligado ao conceito de “semiose” do que de “modo”, a autora utiliza o termo multissemiose no lugar de

multimodal, que ao invés de considerar que a linguagem possui muitas modalidades, leva em

conta as diversas semioses que a compõem, termo este que preferimos utilizar neste trabalho, por nos aproximarmos mais desta perspectiva teórica.

Ainda segundo Rojo (2013), outras semióticas que parecem entender melhor a produção de sentidos em diversas semioses, que não as do Grupo de Nova Londres e de Kress, como já citados acima, são a de Santaella (2001), baseada na perspectiva teórica dos estudos de Peirce, pertinente para o estudo de imagens e a de Wisnik (1989), mais voltada para a música. Em Santaella (2001), por exemplo, a linguagem e o pensamento são divididos em três principais matrizes: sonora, visual e verbal. A partir dessas três grandes divisões, há as linguagens híbridas que, segundo a autora, são: linguagens sonoras; sonoro-verbais; sonoro-visuais; visuais; visuais-sonoras; visuais-verbais; verbais; verbo-sonoras; verbo- visuais e verbo-visuais-sonoras.

Citando a semiótica de Santaella, e também de Wisnik (1989), Rojo (2013, p. 23) afirma que “por mais críticas que se possa ter a uma ou a outra abordagem, elas se aproximam mais da produção, recepção e circulação das linguagens que da extensão de uma gramática elaborada para a língua a outros modos de significação”. Mas, para autora, estas abordagens ainda se preocupam mais com a forma do que realmente com a significação destas linguagens em contexto situado. Portanto, para Rojo (2013), que também corresponde ao posicionamento deste trabalho, a melhor proposta de análise para os enunciados contemporâneos e

multissemióticos, está nos conceitos e categorias da teoria dos gêneros de Bakhtin (2000[1952-53/1979]).

Segundo Rojo (2013), hoje, as esferas de comunicação utilizam diferentes mídias e selecionam diversos recursos semióticos, o que tem efeito sobre as formas de composição e

estilo dos enunciados, portanto, são pertinentes na teoria do gênero, se acrescentarmos as

mídias e tecnologias nas situações de comunicação, e levarmos em conta as diferentes modalidades da forma composicional, e não somente unidades linguísticas, mas também semióticas no estilo, o que resulta no diagrama proposto por Rojo (2013, p. 30), que propõe uma ampliação da teoria bakhtiniana, conforme pode ser visto na figura 13:

Figura 13. Ampliação da teoria bakhtiniana para a multissemiose. Fonte: Rojo, 2013, p. 30.

Assim, o que se pretende com esta teoria é uma análise mais situada da multissemiose, não deixando de considerar as mídias e tecnologias que a constituíriam em sua

situação de comunicação, bem como sua funcionalidade, enquanto forma composicional e estilo dentro de um determinado gênero, ou como preferem Cope e Kalantzis, de um Design.

Isto é, ao invés de tentar entender isoladamente como os diferentes modos funcionam, preferimos entender como a multimodalidade, para nós, multissemiose, funciona em diversos enunciados e gêneros como mais uma forma de construir significação, não estando separada de outros elementos de sentido. Desta maneira, entendemos que o trabalho

com a multissemiose na escola e nos materiais didáticos não deve vir de maneira isolada, mas sim como forma de entendimento do funcionamento de gêneros. Muito menos a multissemiose nos servirá como instrumento de análise de materiais gráficos, mas sim como um dos elementos constitutivos dos multiletramentos, analisado nos materiais, embora em uma perspectiva um pouco diferente da apresentada pelo Grupo de Nova Londres.

É preciso situar também que, escolhemos a perspectiva de Rojo (2013) por acreditarmos que os OEDs são também gêneros, assim como o livro didático (ROJO, BUNZEN, 2005). Não é nossa intenção e nem nos cabe neste trabalho discutir amplamente esta questão, mas partimos do mesmo argumento para os livros didáticos: eles apresentam uma forma composicional própria (e muito característica de cada coleção para cada tipo de mídia), estilo e tema (há temas que são repetidamente tratados por OEDs diversos). Além disso, há uma voz autoral didática, semelhante aos livros didáticos, que conduz o percurso didático-pedagógico do OED, não sendo apenas a junção de elementos isolados.

Tendo esclarecido esses pontos que nos interessam neste trabalho, seguimos explicando outra perspectiva dos letramentos das práticas contemporâneas: os novos letramentos.