• Nenhum resultado encontrado

3. METODOLOGIA

3.1. A pesquisa documental e a Linguística Aplicada

Esta pesquisa é uma pesquisa documental, situada na área de investigação da Linguística Aplicada (LA). Como afirma Celani (1998), a LA foi entendida primeiramente

como um campo multi/pluri/interdisciplinar, em que diversos domínios do saber se integravam para entender um mesmo objeto de pesquisa. Porém, hoje, a visão mais consensual acerca da LA, defendida por diversos autores como Moita Lopes (1998) e Signorini (1998) é a de um campo transdisciplinar, que nas palavras de Celani (1998, p. 132) “envolve mais do que a justaposição de ramos do saber”, mas também a coexistência desses ramos. Como também argumenta Rojo (2006), a LA não deve apenas permitir a coexistência de diferentes áreas do saber, mas é preciso sempre ressignificar seu objeto de estudo para a área teórica da LA, o que a faz se constituir como um campo específico de estudo e não apenas a junção de vários campos.

Já quanto à pesquisa documental, ela tradicionalmente considera como seu objeto de pesquisa “trabalhos teóricos, relatos de idéias, comentários, ensaios, manuais, regulamentos, súmulas, arquivos históricos, arquivos de jornais” (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008, p. 55), entre outros. Os livros didáticos, embora não citados pelos autores, também já são objetos relevantes de pesquisa documental, com vasta literatura da área e pesquisas realizadas. No entanto, hoje, para além de documentos impressos, com o avanço das novas tecnologias e da Web 2.0, websites e conteúdo digitais diversos, como postagens de redes sociais e blogs, por exemplo, têm se tornado também objetos de pesquisas documentais muito relevantes.

Nossa análise é documental, pois não realiza reflexão sobre práticas em campo de pesquisa, como o uso do livro didático e conteúdos digitais em sala de aula, processos de ensino-aprendizagem, ou prática do professor, que também seriam muito relevantes. Escolhemos fazer um recorte apenas documental, a fim de investigar mais detalhadamente o material, analisando a abordagem do livro didático para seus OEDs e como eles funcionam, mostrando quais pressupostos técnicos e pedagógicos são valorizados pelas políticas públicas educacionais, o que se tornaria inviável, em questão de tempo, se também observassemos outros aspectos da prática de ensino.

Em uma pesquisa, todo objeto pode ser visto por múltiplos olhares e perspectivas teóricas, e não seria diferente para os materiais que analisamos. Os OEDs são conteúdos didáticos digitais e assim, poderíamos analisá-los sob uma perspectiva de design gráfico e editoral, analisando como cores, sons e outros elementos gráficos contribuem para seu projeto gráfico-editorial. Ainda poderiamos analisá-los sob a ótica de teorias da computação, enquanto software, observando sua funcionalidade, usabilidade, interatividade, entre outros. Mas eles também são conteúdos educacionais, portanto, poderiam ser analisados por teorias educacionais, ao ser investigada qual a concepção de aprendizagem que os embasa. Ainda

poderiam ser analisados sob a perspectiva do design instrucional, uma área que se preocupa em como desenhar e projetar uma atividade apropriada para um determinado tópico de ensino. Circunscrevendo ainda mais nosso objeto, como o foco de interesse são objetos de Língua Portuguesa, eles poderiam ser analisados quanto às suas atividades por diferentes perspectivas teóricas linguísticas ou literárias, conforme fosse necessário para cada tipo de atividade.

No entanto, analisar um OED por apenas uma perspectiva teórica nos permitiria ver apenas uma faceta desses objetos, não os entendendo de forma mais complexa. É por isso que, por ser uma pesquisa do campo da LA, no qual é possível dar conta da reflexão de objetos complexos que vão além da perspectiva disciplinar, selecionamos um conjunto de conceitos e princípios teóricos que nos ajudassem a responder, ao menos provisoriamente, nossas perguntas de pesquisa.

Embora OEDs não sejam OAs, a reflexão de Araújo (2010), a partir da LA, é totalmente pertinente para essa questão. A autora afirma que os objetos de aprendizagem possuem três ordens: 1) epistemológica, pois é necessário entender a perspectiva de língua; 2) pedagógica, pois é preciso atentar para a perspectiva de ensino e 3) tecnológica, pois não pode ser apenas uma transposição do papel para a tela, devendo apresentar boa usabilidade (fácil utilização para o usuário) e interatividade (caráter multilinear/hipertextual). Além disso, podemos acrescentar que os OEDs, como são produzidos pelas editoras, para livros didáticos, possuem projetos gráfico-editoriais próprios, de acordo com cada coleção, fazendo parte da estruturação do discurso didático (MARSARO, 2013), o que não pode ser desconsiderado. Por isso, a partir dessas considerações, sugerimos a análise dos objetos a partir de três facetas, como pode ser visto na figur 15: projeto gráfico-editorial, interface digital e proposta

pedagógica (no caso, de língua portuguesa).

Embora pareçam semelhantes, decidimos entender projeto gráfico-editorial e interface digital como facetas diferentes (embora relacionadas), pois mais do que uma interface própria de cada tipo de mídia, ela está atrelada a um layout específico de uma coleção, que considera não só aspectos gráficos semelhantes ao livro, como também especificações do PNLD, conforme o Edital. Assim, o projeto gráfico-editorial considera o

layout do objeto, com a descrição das cores, imagens, sons, botões e logos da editora

utilizados. Enquanto a interface digital, a partir do layout, considera a usabilidade (NIELSEN, 1993; NASCIMENTO, 2005), isto é, a facilidade de utilização do objeto, a partir dos recursos oferecidos, por exemplo, se as músicas de fundo podem ser desligadas ou atrapalham a concentração do aluno-usuário; e a interatividade (SILVA, 1998), ou seja, se o percurso do objeto é linear ou multilinear, podendo o aluno fazer suas próprias escolhas.

Por fim, não separada destas duas anteriores, há a proposta pedagógica, que avalia a perspectiva de pedagogia e currículo, como mimesis, synthesis ou reflexividade (COPE, KALANTZIS, 2012), a novidade no objeto de ensino, a partir do novo ethos (LANKSHEAR, KNOBEL, 2007) e, em alguns casos pertinentes, a perspectiva de língua adotada, como forma de expressão do pensamento, instrumento de comunicação ou interação (KOCH, 2002 apud ARAÚJO, 2013). A saber, na perspectiva de expressão do pensamento, são valorizadas as regras do bem falar e do bem escrever, vendo a língua como produto lógico do pensamento, em que basta ao leitor/ouvinte apreender o significado das intenções do produtor. Assim, é comum no ensino sob essa perspectiva, perguntas como “O que o autor quis dizer?”. Já na perspectiva como instrumento de comunicação, a língua é vista como uma combinação de estruturas gramaticais, que bastam ser decodificadas pelo leitor ou ouvinte. Dessa maneira, são comuns exercícios behavioristas que valorizam a repetição de regras da gramática ou de estruturas morfossintáticas para aprendê-las. Por fim, na perspectiva como forma de interação, a língua é vista de forma dialógica, como lugar de negociação de sentidos que são construídos sócio-historicamente. Nessa perspectiva, o aluno faz a “reflexão e análise de fenômenos linguístico-textuais-discursivos” (ARAÚJO, 2013, p. 195).

A partir dessas facetas, é possível analisar um OED com diferentes perspectivas teóricas, como uma lente que interpreta cada uma delas. Em nosso caso, para nossos objetivos, escolhemos o respaldo analítico dos multiletramentos e novos letramentos, pois entendemos que novas práticas (multi)letradas são facilitadas por cada uma de suas facetas, afinal, o projeto gráfico-editorial e a interface digital deveriam permitir o uso de novas técnicas do ambiente digital, assim como a proposta pedagógica deveria favorecer atividades que ensinem habilidades multimidiáticas, multissemióticas e do novo ethos.

Figura 15. Facetas que compõe os Objetos Educacionais Digitais (OEDs): uma proposta de análise para língua portuguesa.

A seguir, trataremos de como foi selecionado o corpus desta pesquisa e, mais adiante, como foi feita a geração de dados18.