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Portuguesa no 1º ciclo do Ensino Básico

2. A Narrativa nos Programas do 1º ciclo do Ensino Básico

Uma história bem formada convoca a cooperação de um conjunto de processos psicológicos complexos (e.g., percetivos, cognitivos, emocionais, interpessoais…) ligados a competências linguísticas e a tonalidades culturais em que o indivíduo está imerso e que, no seu conjunto, se implicam na construção de histórias (Manita, 2000). Todavia, a análise de histórias bem formadas, tem de considerar o “intervalo cultural” e educacional em que as mesmas se movimentam. Com vista a considerar o ponto de vista da “cultura” escolar portuguesa (que enquadra o 1º ciclo do ensino básico) fez-se uma síntese descritiva do que o programa propõe para o ensino da narrativa, nos quatro primeiros anos de escolaridade (consultar anexo 1). A abordagem que propusemos na análise da estrutura da narrativa, ou modelo hipotético, teve em conta o que a educação formal estipula para o ensino da mesma.

2.1. Síntese Descritiva

A descrição considera os três blocos do programa de língua portuguesa - os blocos um, dois e três - e deles foram extraídos todos os conteúdos, direta ou indiretamente, relacionados com o ensino da narrativa, na modalidade oral e escrita.

Para o bloco um – relativo à comunicação oral – são propostas, para o primeiro ano de escolaridade, atividades de relato e/ou descrição de acontecimentos, desenhos, locais, visitas, (…) bem como o contar e elaborar histórias individuais ou em grupo, também vividas ou inventadas; completar histórias, identificar intervenientes e recolher produções (e.g., contos) do

95 património literário oral. Estas orientações são idênticas para o segundo ano de escolaridade, acrescentando-se apenas a especificação de construir histórias a partir de ilustrações. O terceiro ano mantém as indicações e, em vez de sugerir a construção a partir de ilustrações, sugere a reconstrução de histórias com base na transformação das personagens acrescentando, na rubrica de “criar o gosto pela recolha de produção do património literário oral”, a participação em jogos de reprodução da literatura oral (como a reprodução de contos) e a comparação de versões diferentes dos mesmos contos. Para o quarto ano de escolaridade, as indicações são idênticas especificando-se a forma do resumo no “contar histórias” surgindo a rubrica relativa ao “imaginar uma história (…) e compará-la com o texto original” (Ministério da Educação - Departamento de Educação Básica, 2004, p 144). Especifica-se, ainda, a referência no espaço e no tempo das ações e intervenientes.

No que se refere ao bloco dois – relativo à comunicação escrita - temos indicações e tarefas que envolvem a produção de histórias ou narrativas e que complementam, na forma de registo escrito ou leitura, as previstas pelo bloco anterior. Para o primeiro ano de escolaridade, estão previstas atividades de ouvir ler histórias progressivamente mais complexas, manifestar interesse por ação ou personagens das mesmas, levantar hipóteses sobre conteúdos de livros ou textos e testá-los com o original. Por outro lado, temos a participação em registos de experiências vividas e imaginadas, a produção e leitura de textos escritos que podem ser relacionados com a produção oral do aluno, o aperfeiçoamento desta produção em grupo e leitura de textos de pares, relacionando-os com vivências escolares e extra-escolares. As atividades de leitura devem ser adequadas à idade e competência leitora, devem ser recriadas em várias linguagens e identificar personagens e ações. Para o segundo ano de escolaridade, as indicações mantêm-se, especificando-se atividades relativas à reconstrução de textos em desordem e à apreensão do sentido dos mesmos, eliminando as frases fora do contexto (frase pirata). Segue-se, ainda, a regularidade nas atividades de leitura e um desenvolvimento da vertente de apreciação individual e recriação de personagens e ações. Para o terceiro ano, diversificam-se as motivações para a tarefa e investe-se na organização das produções por organizadores

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relacionados com o tipo produtivo ou com a temática. Por outro lado, diversifica-se e insiste-se na prática da leitura e produção escrita. Surge, pela primeira vez de forma explícita, o “ler e interpretar textos narrativos e poéticos”, especifica-se o estabelecimento da sequência de acontecimentos, a localização da ação no espaço e no tempo e a leitura dialogada, atividades que podem culminar na construção de livros de histórias com textos do alunos ou de outras proveniências. No que se refere ao quarto ano, as propostas mantêm-se e a leitura, e atividades a ela adstritas (e.g., reconto, relacionar, ler…), bem como a escrita, estendem-se aos livros; especificam-se atividades de jogo junto de elementos que compõem o texto (e.g., título, desenlace…).

Passando para o último bloco – relativo ao funcionamento da língua e sua análise e reflexão – observamos de forma explícita e idêntica para o terceiro e quarto anos de escolaridade, a referência à competência em distinguir os diferentes tipos de texto e o exercício e uso de sinais de pontuação e auxiliares de escrita.

Façamos uma síntese na tabela seguinte.

Tabela 1. Elementos da narrativa e complexidade narrativa, por anos de escolaridade.

A narrativa – do 1º ao 4º ano de escolaridade

Apesar de se considerar um ponto de vista de menor para maior complexidade, espera-se que o aluno seja competente a narrar logo no 1º ano de escolaridade. Ou seja, de modo progressivo na forma, mas completa na estrutura, espera-se que o aluno conte, oiça ler, leia, participe na escrita, escreva histórias da sua experiência, da comunidade, contos, textos.., até aos livros nos diversos formatos e modalidades textuais. Solicitam-se, em todos os anos, atividades de (re)conto de histórias.

Elementos diretos (e indiretos pelas atividades), da narrativa, salientados - 1º ao 4º ano de escolaridade

- Identificar a ação (descrever acontecimentos) e intervenientes. Descrição de acontecimentos, locais…. Completar histórias.

- Sequência textual (reconstrução de textos em desordem).

- Comparação de histórias. Reconstrução de histórias (com base na transformação das personagens…).

- História em forma de resumo. Referência ao espaço e ao tempo. Atividades específicas de elementos (e.g., título, desenlace…).

97 Considerando os aspetos associados ao ensino da narrativa escrita perguntamos: De acordo com o programa de língua portuguesa, para o 1º ciclo do ensino básico, o que exige a escrita de uma história bem formada, ao nível da sua coerência? Que elementos da estrutura narrativa considera o programa de língua portuguesa?

2.2. Observação Analítica

Pela observação do programa, verifica-se que os elementos da estrutura do texto narrativo se pressupõem adquiridos para as atividades sugeridas no bloco relativo à comunicação oral (bloco um), em qualquer dos anos de escolaridade. No terceiro ano, promove-se a capacidade de transformação da história previamente existente (pela alteração de um elemento que se reflete na alteração dos restantes; por exemplo, alterar a personagem principal da história), ou seja, introduz-se a manipulação de histórias. Já no bloco relativo à produção de histórias, na modalidade escrita (bloco dois), os dois primeiros anos de escolaridade centram-se mais na leitura e, progressivamente, na escrita. E, assim, a história na comunicação escrita ocorre sobretudo por via da leitura no primeiro ano e já em formato escrito no segundo ano. No terceiro ano, a prática da escrita de histórias é diversificada (quanto ao conteúdo e quanto à estrutura, onde estão previstos diversos elementos estruturais, incorporados no sistema de análise da estrutura narrativa que abaixo propomos) e aturadamente treinada. Simultaneamente, o bloco relativo ao funcionamento da língua e sua análise e reflexão também prevê para o terceiro e quarto ano a distinção entre os diferentes tipos de texto, entre os quais se encontra o texto narrativo. Concluindo, o texto narrativo escrito, como um todo coerente a que poderíamos chamar “todo narrativo”, é ensinado desde o primeiro ano, embora os seus elementos constituintes, ao nível da sua estrutura, tenham sido mais isolada ou fragmentadamente intervencionados em todos os anos de escolaridade. O terceiro ano, não trazendo propriamente nenhuma novidade à estrutura, trabalha a organização do texto narrativo num todo coerente; intitulando-o, indiferentemente, como texto narrativo ou como

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história. É no terceiro ano de escolaridade que se insere a estratégia de comparação intertextual, ou seja, é neste ano que se ensina o aluno a distinguir diferentes tipos de textos narrativos e a comparar diferentes versões de um texto. Até ao terceiro ano de escolaridade, o modelo ou protótipo do texto narrativo escrito é fornecido ao aluno não tanto por via de uma comparação entre textos, mas antes pelo contacto que lhe é proporcionado, por via da leitura e, logo no segundo ano, por via da escrita em trabalhos organizados de acordo com uma perspetiva intratextual. Em termos concretos, o programa especifica os elementos estruturais e ensina a sequenciação dos mesmos, tais como: personagens, caraterização (identificação e reconstrução), resumo, desenlace, espaço (com mais informação progressiva), tempo e descrição (que implica a forma como se relacionam ou se motivam ou geram outros acontecimentos) de acontecimentos. Em suma, o programa espera uma narrativa bem formada nos alunos do 1º ano de escolaridade, o que vai ao encontro do mencionado por Clemente (1990) quanto à competência para narrar; e espera para os alunos do 3º ano de escolaridade, em congruência com as observações de Fey, Catts, Proctor-Williams, Tomblin e Zhang (2004), uma estrutura narrativa de excelência.

É através de Bloome, Katz, e Champion (2003) que se percebe a relevância do que a escola propõe para o ensino do texto narrativo. De facto, a escola pauta os critérios para que um texto seja considerado como estruturalmente bem formado, conforme os autores supramencionados sublinham:

There is often a tension between these two perspectives, narratives as text and narratives as performance. The production of a well-formed narrative text may not necessarily be accompanied by an engaging or effective performance, and vice versa. But more importantly, there is a tension in how narratives are evaluated in school. (…) Children need to orient their narrative production toward the criteria employed in school, which are derived from the perspective of narrative as text; at the same time, they negotiate social relationships with peers and the teacher, making narrative performance salient even at the expense of well- formed narrative text (Bloome, Katz, & Champion, 2003, p. 207-208).

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3. Protótipo da Estrutura Narrativa: o Quadrado Narrativo