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Abordagens Prévias à Designação Formal do Conceito de Narrativa

Modelos Narrativos a um Meta-Sistema Narrativo

1. Cronologia das Abordagens em Narrativa

1.1. Dos Primeiros aos mais Atuais Sistemas em Análise Narrativa

1.1.1 Abordagens Prévias à Designação Formal do Conceito de Narrativa

Propp (1928/1970) – estando ainda longe de usar a terminologia atual - lançou os fundamentos da recente narratologia, propondo uma morfologia para os contos de fada, ou contos maravilhosos, como os denominava; a morfologia

67 ou os elementos morfológicos da ação seriam: as partes do texto, as relações entre elas e entre cada uma delas e o conjunto. A ação das personagens (o “o quê”, uma vez que, para o autor, o “como” e o “quem” são partes acessórias do conto) representaria a parte principal da designada morfologia do texto – ou partes do texto. O significado da ação das personagens, enquanto elemento morfológico do texto, é a função das personagens no enredo (Vieira, 2001). O modelo de Propp apresenta trinta e uma funções para o elemento morfológico da ação. Estas funções (ou significados das ações) estão sequencialmente organizadas e são protagonizadas por sete personagens, que vão do agressor ao herói, que têm diferentes esferas de ação. O modelo de Propp foi reconsiderado por vários autores, no sentido de o reduzir naquele número de funções ou então de as tornar disponíveis em vez de mandatórias. O objetivo seria o de flexibilizar o modelo, reduzindo-o para torná-lo mais abrangente ao uso noutras narrativas textuais.

Lévi-Strauss24 (1958/2008) fez uma reconfiguração do modelo de Propp, uma vez que desenvolveu elementos de tipo geral da estrutura do texto – a designada teoria do texto, resultante do estudo das estruturas elementares dos graus de parentesco no casamento ou nas relações, estruturas regularmente observadas em resultado da análise que o autor fez da narrativa mítica. Os mitos estão organizados em significados, designados como mitemas e perpassam por todas as culturas25. Consequentemente, o valor da história está no seu contexto, enquanto significado, e não tanto como sintaxe narrativa ou gramática textual; é, por isto, que Lévi-Strauss foi um crítico acérrimo de autores como Propp (1928/1970) e de outros que estudaram as histórias numa lógica gramatical ou psicológica, como os psicanalistas e os autores que se

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Não iremos desenvolver os elementos estruturais propostos pelo autor, uma vez que se trata de uma abordagem mais saliente nas perspetivas etnográficas; nesta abordagem, como em cada uma das restantes que apresentamos, importou sobretudo salientar o contributo que mais se ajusta ao nosso trabalho ou à apresentação que fazemos das diferentes dimensões do estudo da narrativa.

25 Lévi-Strauss acreditava que a música e os mitos tinham paralelo com a linguística: para a música a unidade mínima de análise seriam os “sonemas” (notas musicais) que se organizariam numa frase musical; para os mitos a palavra - vista como “mitema”, à semelhança dos fonemas - seria a unidade mínima de sentido, a unidade mínima de organização dos mitos seria, assim, o significado.

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interessam pela sintaxe (Jung, 1945/1971 e Bremond, 1966, respetivamente) em vez do léxico. Presumivelmente terá sido com Lévi-Strauss que ganhou especial relevo o estudo do conteúdo da narrativa. Em síntese, para o autor a abordagem estruturalista fundamenta-se na procura dos elementos invariantes (Rocha, 2009).

Similarmente, Bremond (1966) reformula Propp propondo um outro modelo, o modelo triádico, que se assume como passível de ser usado em qualquer tipo de texto narrativo. É com Bremond que ocorre a generalização de uma abordagem estrutural a qualquer tipo de texto narrativo; esta generalização foi possível com uma maior flexibilização dos elementos estruturais o que permitiu uma adequação a diferentes tipos de texto. O modelo triádico de Bremond (1966) também perspetiva uma linha estrutural: (a) começo - antes, (b) desenvolvimento - durante e (c) término - depois do evento, e é organizado sequencial e temporalmente. É um modelo que reduz drasticamente os elementos da ação e estende a sua aplicação a todas as narrativas, introduzindo, pela primeira vez, o conceito de estrutura dos enunciados narrativos. O autor organiza os acontecimentos da história cronologicamente numa trilogia com começo (antes), desenvolvimento (durante) e término (depois), organizada segundo uma lógica de relação antecedente e consequente. Diríamos, igualmente, que parece ser neste autor que reside o primórdio da célebre e duradoira instrução, ainda hoje tão usada em contexto escolar, para eliciar a produção (oral ou escrita) de narrativas com o “conte/escreva uma história com princípio, meio e fim” ou, mais recentemente, “escreva uma história com introdução, desenvolvimento e conclusão”. Para Vieira (2001) «Os trabalhos de Propp e Bremond nos dão uma primeira visão do que poderíamos chamar de unidade mínima da narrativa: a proposição narrativa» (p. 601).

Contemporâneos de Bremond (1966/1973), dando igualmente ênfase a uma abordagem estrutural, optaram por modelos de organização narrativa em que as sequências se compunham numa ordem configuracional. É o caso de Jung (1945/1971). Contudo, quer Bremond, quer Jung denominavam, ainda, a narração (contos maravilhosos e sonhos, respetivamente) como drama e não

69 como narrativa. A terminologia da época, entretanto, evoluiu para a denominação de narrativa, designação hoje unanimemente aceite, apesar de alguns autores (e.g., Mateas & Sengers, 1999) diferenciaram, por exemplo, os conceitos de história e de narrativa.26

Retomemos Jung (1945/1971) que a propósito dos sonhos, enquanto dramas equivalentes aos dramas estudados por Aristóteles, estuda a narrativa não numa perspetiva de sequência temporal (de ações com significado que se sucedem temporalmente, levadas a cabo por num conjunto de personagens que representam um campo de ação ou uma tipologia em si mesmas), mas, antes, numa perspetiva configuracional27. É nesta perspetiva que se torna saliente a contextualização da ação e das personagens. Jung, com a sua análise dos sonhos como dramas equiparados a narrativas, influenciou decisivamente os trabalhos de Labov e Walestzky (1967). Com estes autores temos, talvez, o primeiro verdadeiro modelo configuracional, numa perspetiva estrutural, aplicado na análise de enunciados textuais que, agora sim, foram explicitamente designados por narrativas.

1.1.2. Abordagens Posteriores à Designação Formal do Conceito de