• Nenhum resultado encontrado

Portuguesa no 1º ciclo do Ensino Básico

1. Da Competência para Narrar ao Desenvolvimento Narrativo

1.2. Desenvolvimento Narrativo

Apresentaremos o modelo de desenvolvimento narrativo proposto por Stadler e Ward (2005), que decorre de uma investigação piloto desenvolvida junto de crianças com idade compreendida entre os três e os cinco anos. Analisando as produções discursivas das crianças, em situação de conto (uma imagem como estímulo) ou de reconto (um livro de imagens sem texto), os autores identificaram cinco níveis de desenvolvimento narrativo: nomear (labeling), listar (listing), relacionar (connecting), sequenciar (sequencing) e narrar (narrating). A estes níveis foram acrescentadas as estratégias que podem ser usadas pelos docentes, em contexto de sala de aula, como facilitadores da transição entre níveis.

O nomear caracteriza-se pela utilização de nomes como marcadores da história, nomes aos quais se juntam formas sintáticas repetidas para expressarem um conjunto de ideias ou pensamentos aglomerados sem qualquer ligação entre si. A facilitação da transição para o nível seguinte dá-se pela estimulação do uso de verbos (o que levará à descrição de ações) e da convergência para um tema central.

O listar caracteriza-se pela indicação de um conjunto de ações desencadeadas pelas personagens à volta de um tema central. A fim de facilitar a transição para o nível seguinte, o educador deve procurar que as ações listadas se relacionem com as personagens referidas, ao que ajuda o

91 uso dos pronomes e dos conectores verbais, por facilitarem a ligação entre orações.

O relacionar requer que as ações estejam já relacionadas com as personagens e se agreguem num tema central. A transição deste nível para o próximo, ocorre com a estimulação do desenvolvimento da ação ou do enredo até se atingir um ponto alto na história, enredo esse organizado em função de uma sequencialidade temporal (quando) e de uma causalidade (porque).

O sequenciar remete-nos para histórias que respondem a um “quando” (sequência temporal) e a um “porque” (causalidade das ações). Assim, a utilização da temporalidade e da causa efeito requer o uso de uma linguagem mais complexa, nomeadamente o “mas” e o “porque”. Neste nível desenvolvimental, a transição entre níveis pauta-se pela continuidade na complexidade da linguagem e na sua extensão, a fim de que o enredo possa dar conta de múltiplos episódios que manifestem a reversibilidade de pensamento e levem a audiência a antecipar o final da história. Para o ensino da competência narrativa, aconselha-se o uso de histórias provenientes de várias culturas de modo a que o formato típico da cultura nativa do contador seja mais facilmente apreendido. Na opinião dos autores (Berman & Slobin, 1994) os leitores (ouvintes) e contadores frequentes de histórias estão mais preparados para elaborar narrativas bem formadas de acordo com os parâmetros da sua cultura. Nos níveis até aqui descritos, as crianças (re)contam sobretudo experiências pessoais, tarefa mais fácil que o reconto de histórias literárias que exigem uma maior mobilidade cognitiva no uso das categorias de tempo e causalidade.

Finalmente, temos o nível do narrar que se refere a uma narrativa ou história englobando todos os elementos anteriormente mencionados, uma vez que a criança tem de se organizar em função de uma planificação com vista a atingir objetivos ou uma meta. O narrar apenas foi observado em crianças entre os 41 e os 68 meses, sensivelmente a idade de finalização da educação pré- escolar.

Conclui-se que a atividade de narrar/contar histórias ocorre muito precocemente no ser humano. Estudos translinguísticos e transculturais sobre

92

o desenvolvimento narrativo não têm avultado, mas o trabalho de Berman e Slobin (1994) é uma referência incontornável. Trata-se, efetivamente, de um dos estudos mais marcantes pelo grande impacte que teve na investigação e no conhecimento. Este estudo, envolvendo crianças de cinco comunidades linguísticas (Turcas, Inglesas, Espanholas, Hebraicas e Alemãs) destaca que as narrativas são comuns a diferentes culturas, apresentando similitudes, mas também divergências de cultura para cultura. Do ponto de vista das “comunalidades”, Berman e Slobin (1994) observaram que por volta dos 3 anos de idade, as crianças não incluem informações relativas ao tempo ou sequência nas suas histórias contadas a partir de livros de imagens sem palavras. Ainda nesta altura, e de acordo com outros estudos (e.g., Lofranco, Peña, & Bedore, 2006), as crianças contam histórias pequenas, sem complexidade sintática, usando poucas palavras e compondo histórias com uma estrutura incompleta. Por volta dos 5 anos de idade (Berman & Slobin, 1994), as crianças já acrescentam mais informação sobre as personagens (e.g., a caracterização) e sobre o que estas fazem (e.g., acontecimentos), ou seja, referem acontecimentos da história protagonizados pelas personagens. Adicionalmente, usam expressões temporais, que conectam e ou sequenciam os acontecimentos entre si, tais como: agora, depois, primeiro e ainda. Revelam, igualmente, capacidade para compreender e usar a simultaneidade, apesar de a expressarem de modo diferente, de acordo com as línguas maternas. Para Fey, Catts, Proctor-Williams, Tomblin e Zhang (2004), as crianças do segundo grau tendem a apresentar um efeito de teto nas medidas relativas à estrutura episódica na performance narrativa. Aos nove anos39, as crianças usam o dispositivo linguístico para introduzir ou iniciar a história, fornecendo um background (o equivalente ao resumo para introduzir o leitor ou ouvinte) para a história que contam, para além de incluírem mais informação sobre o espaço (e.g., a sua descrição) e parecendo ter uma representação

39 Esta é a idade com que normalmente os alunos do 1º ciclo estão a frequentar o 3º ano de escolaridade no sistema de ensino português. Como veremos adiante, é no programa de língua portuguesa deste ano de escolaridade que se concentra uma proposta mais ampla para o ensino da narrativa, embora o ensino da narrativa esteja consagrado nos programas desde o 1º ano de escolaridade, com uma programação que se complexifica ao longo do ciclo.

93 sólida da estrutura da história no que se refere ao princípio, meio e fim. Para Clemente (1990), as crianças começam a revelar capacidade para produzir narrativas estruturalmente completas por volta dos cinco/seis anos de idade, mas apenas conseguem organizar hierarquicamente episódios, por volta dos onze/doze anos, para as narrativas orais e para as narrativas escritas.

Os modelos apresentados evidenciam transições entre níveis de desenvolvimento (Berman & Slobin, 1994; Stadler & Ward, 2005); estas transições assumem-se como suporte consubstanciado num conjunto de estratégias facilitadoras da progressão ou do desenvolvimento da competência para narrar. Trata-se de estratégias passíveis de se enquadrarem na dinâmica e nas atividades de sala de aula. Estas estratégias utilizam catalisadores variados (imagens, sequências de imagens, livros de imagens sem texto, bonecos/fantoches, artigos em miniatura, memórias de experiências vividas, lego ou outros materiais de construção, cenários de jogo sócio dramático, desenhos, pinturas, carimbos, etc.) que suportam o uso de determinado conjunto de competências linguísticas. Poderíamos estabelecer um paralelo entre estas estratégias de transição entre níveis de desenvolvimento narrativo e aquilo a que Vygotsky (1934/2008) designou como zona de desenvolvimento proximal, uma vez que as estratégias de transição promovem competências emergentes. Stadler e Ward (2005) concluem que uma mesma criança é capaz de, em diferentes atividades de narração, expressar dois a três níveis diferentes de desenvolvimento narrativo e, com suporte, move-se para níveis superiores de desempenho.

De acordo com Bruner (2003), a linguagem humana tem três características essenciais – distância, arbitrariedade e gramática de casos –, que são alicerces para a competência narrativa. Adicionalmente, requer-se um conjunto de competências que envolve o planeamento, a produção da história às quais acresce a revisão do texto no caso da modalidade escrita. Segundo Stadler e Ward (2005), contar histórias exige maior complexidade de linguagem face à usada no dia-a-dia, por apelar ao passado e por implicar descrição de acontecimentos para o ouvinte.

94

Westby (1991) refere que uma história bem contada reclama a capacidade de estabelecer relações de causa efeito, relações temporais e um nível de aquisição de conhecimento da mente dos outros, ou seja, a capacidade de perceber que os outros podem pensar ou sentir de modo diverso.

2. A Narrativa nos Programas do 1º ciclo do Ensino