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Abordagens Posteriores à Designação Formal do Conceito de Narrativa

Modelos Narrativos a um Meta-Sistema Narrativo

1. Cronologia das Abordagens em Narrativa

1.1. Dos Primeiros aos mais Atuais Sistemas em Análise Narrativa

1.1.2. Abordagens Posteriores à Designação Formal do Conceito de Narrativa

Labov e Waletzky (1967), a partir do estudo de narrativas orais, de adultos e crianças oriundos de diversas culturas, propuseram a sua análise a partir de duas funções que atribuíram à narrativa – a função de referência (espaço, tempo, personagens e acontecimentos) e a função de avaliação (sequência das ações). Deste modo, uma narrativa completa seria formada por cinco secções ou elementos estruturais: (i) orientação – espaço, tempo e caracterização das personagens; (ii) complicação – início da narrativa

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No dizer destes autores «Narrative can mean a tightly woven story communicated by a strong authorial voice to an audience» (Mateas & Sengers, 1999, p. 8). Como se a narrativa fosse o ato de contar a história, a história é o conjunto de acontecimentos que posteriormente serão narrados, o que faz da narrativa a história passada. Ao longo do nosso trabalho o conceito de história e de narrativa são usados indistintamente.

27 No sentido da composição ou da disposição de um conjunto de elementos numa certa ordem ou numa certa “figura”.

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propriamente dito marcado por uma ação; (iii) avaliação ou ação - a ação de início é transformada pela avaliação que é feita da situação desencadeando reações, uma nova ação ou mudança do “estado” dos acontecimentos; (iv) resolução – nova ação resultante de reações à avaliação das personagens e que é marcada por indicar resolução em relação à primeira ação de complicação e (v) moral – indica o final da história marcado pelas suas consequências. Em jeito de síntese, salientamos que Labov e Walestzky (1967) foram pioneiros ao denominar o enunciado textual como narrativa, propuseram um sistema para análise dos elementos estruturais, que ultrapassou a simples sequência cronológica de ações com significado, e, finalmente, introduziram a variável cultura, por terem estudado narrativas, de adultos e crianças, oriundas de diferentes culturas28. Em suma, os autores estudaram o que há de comum e de diferente nas narrativas, abrindo o modelo a outras formas discursivas e contextos culturais diversos. Situa-se nesta altura da cronologia, o estudo da narratologia, marcado por abordagens mais flexíveis aplicadas a vários tipos de texto narrativo. Referenciada à obra de Labov e Waletsky (1967) a origem da disciplina chamada narratologia, importa mencionar que a expressão narratologia foi criada por Todorov (1970/1981), que, de algum modo, retoma Bremond (1966). Todorov (1970/1981) desenvolveu e explicitou o conceito de narrativa mínima, conceito que requer que a história tenha dois estados distintos - de entre cinco - que decorrem do (i) equilíbrio inicial, passando pela (ii) força que gera o desequilíbrio, (iii) o desequilíbrio, (iv) a força que o retoma e (v) o equilíbrio final. O modelo apresenta, assim, três proposições intermédias: gerar desequilíbrio, desequilíbrio e gerar equilíbrio; entre o equilíbrio inicial e o equilíbrio final. Em síntese, Todorov (1970/1981) centrou-se no estudo da sequência narrativa, dando-lhe a designação de gramática narrativa, enquanto perspetiva mais centrada na ação.

Posteriores a Labov e Waletsky (1967), e provenientes da psicologia cognitiva, temos as abordagens propostas por van Dijk (1972), Mandler e Johnson (1977), Thorndyke (1977) e Stein e Glenn (1979) que apresentam

28 Daí que esta perspetiva de estudo da narração, de Labov e Walestzky, seja apelidada de teoria sociolinguista.

71 modelos muito centrados na ação e nos seus episódios múltiplos 29. Estes modelos apresentam a ação de forma mais detalhada na história, uma vez que analisam episódios múltiplos. São, por isso, modelos que desenvolveram de forma mais aprofundada e complexa a ação. E, por isso, diríamos que a centralidade, nestes modelos, se coloca ao nível da ação da história.

Peterson e McCabe (1983), numa perspetiva mais generalista de análise, revisitam os modelos da gramática da história ou da ação denominando-os de modelos da análise episódica da narrativa. Peterson e McCabe (1983) designam a ação como análise episódica e dividem-na em motivo, tentativa e consequência. As autoras apelidam os estados internos das personagens como meta por traduzirem motivações que levam ao desenvolvimento de uma meta, desenvolvimento esse que pode ser bem ou mal sucedido. Apresentam, ainda, uma classificação para o desenvolvimento da coerência narrativa composta por quatro fases: a primeira fase começa por eventos não sistematizados com lapsos de acontecimentos importantes, passando-se depois pelas narrativas cronologicamente organizadas, às quais se seguem as que são organizadas pelo ponto alto (ascensão até um problema que denota um estado interno a partir do qual a ação se desenrola até uma meta) acabando em narrativas clássicas nas quais a informação é organizada com cuidado e o problema acaba resolvido.

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Por não ser nosso objetivo desenvolver estes modelos vamos expor, muito sucintamente, algumas características dos modelos daqueles autores que são modelos da gramática da história, o mesmo é dizer que são modelos que se centraram numa análise mais detalhada da ação. Por exemplo, Van Dijk (1975) fala-nos de uma teoria geral da ação que orienta a estrutura do discurso narrativo. A análise da estrutura das ações da narrativa, enquanto enredo da narrativa ou da história, também é apelidada pelo autor como macroestrutura e pode ser operacionalizada como «(…) being in a state i, x intentionally brings about a state j under the purpose k» (p.277). Já em Mandler e Johnson (1977), a narrativa é formada por episódios que são antecedidos de um acontecimento ou contexto inicial, sendo que cada um deles tem um princípio, meio e fim. Neste modelo, o episódio único, ou episódios múltiplos organizam-se em árvore formando a estrutura da narrativa. Thorndyke (1977) propõe uma gramática da história, a um nível macroproposicional (ou estrutural), que envolve quatro componentes: (i) exposição - personagens, lugar e tempo, (ii) tema - objetivo, (iii) intriga - episódio(s) e (iv) resolução - evento ou estado: objetivo intermédio, tentativa(s) e resolução do episódio. Finalmente, Stein e Glenn (1979) propõem uma abordagem no domínio da gramática da história na qual a história é analisada nos seus múltiplos episódios, sendo que cada um tem a sua estrutura, cuja organização torna a história qualitativamente melhor e mais completa.

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Goodman (1981) caracteriza a temporalidade como sequencialidade, ou seja, os termos são sinónimos; por isso, a temporalidade já é uma sequencialidade independentemente da cronologia de apresentação dos acontecimentos. A própria enunciação dá-nos a indicação clara da ordenação dos acontecimentos (o que aconteceu antes e o que aconteceu depois) sem que haja uma necessidade expressa de serem explicitamente e rigidamente organizados pelo texto na sua cronologia. Claro que Goodman (1981) conta com o papel ativo do leitor para que, a partir das sequências dadas pela narração, aquele possa estabelecer a cronologia dos acontecimentos independentemente da forma como eles são ordenados no texto. A isto se chamou “descronologização” da narrativa que, para alguns autores, mais não é do que uma distinção, e sinonímia para outros, entre sequencialização e temporalidade. Como a segunda deduz a primeira não se requer que a história cumpra a sequenciação rigidamente, pois o leitor consegue apreendê-la através da temporalidade da enunciação.

Adam (1985) de algum modo, recupera Bremond (1966) ao retomar a ideia de unidade mínima, segue a linha dos modelos que valorizam a temporalidade, e revê Todorov (1970/1981) ao valorizar a mudança entre estado inicial e final. Na abordagem que faz, o autor olha a proposição como um predicado que se relaciona com um conjunto de papéis, isto é, sendo o predicado uma ação, a proposição será a relação que essa ação tem com um determinado número de papéis ou de argumentos narrativos. Deste modo, para o autor, uma proposição está organizada num significado mínimo que resulta da relação de uma ação de personagens numa intriga, numa motivação ou argumento. Da organização das múltiplas proposições narrativas resulta o texto narrativo. Assinale-se que as sequências das proposições, entendendo-se uma sequência como o desenrolar da ação, são organizadas numa ordem cronológica. A temporalidade é essencial nestas modalidades da narrativa. O autor elege os conceitos de micro e macroproposição narrativa, sendo que estes conceitos são hoje comumente usados e habitualmente informam sobre a estrutura da história (macro) e sobre a sua coesão (micro).

73 Por fim, temos Trabasso e van den Broek (1985), que propuseram um modelo analítico que «provide a structural representation of a story as a causal network of statement and their relations» (Broek, 1989, p. 287). Nele, uma história é composta por um conjunto de proposições que se organizam em episódios e estes em categorias de acordo com a sua função na narrativa. Podemos encontrar funções ligadas à localização, ao início de acontecimentos, aos objetivos, às ações e aos resultados, bem ou mal sucedidos. Assim, dentro das proposições de um mesmo episódio podemos encontrar três tipos de categorias: categorias ligadas ao objetivo, à ação e à resolução. Estas proposições organizam-se numa rede causal da história e estas relações ou inferências causais podem estabelecer-se dentro ou entre episódios de acordo com relações de “autonomia” ou interdependência entre eles. Por vezes, uma resolução mal sucedida estabelece relações causais entre resoluções de diferentes episódios, sendo também possível encontrar relações causais entre objetivos (que se reformulam à medida que vão ou não sendo atingidos) e entre ações bem-sucedidas, assim como entre ações e resultados bem- sucedidos. Em suma, trata-se de um modelo que propõe o estudo da qualidade e da quantidade das relações causais de uma história estabelecendo, dentro dela, uma hierarquia ou uma rede de causalidade, uma vez que usando-se critérios de análise lógicos e causais, consegue-se identificar a relação que uma proposição tem com outras e, assim, a sua importância relativa no texto.

Em síntese, os diferentes modelos que acabamos de resumir, desenvolvem-se entre duas linhas: uma que valoriza mais a ação e, portanto, a aprofunda e outra que valoriza mais os aspetos que contextualizam a ação.