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CAPÍTULO II ELEIÇÕES E PARTICIPAÇÃO POPULAR

2.3 O papel dos partidos políticos no processo eleitoral

2.3.2 A natureza jurídica dos partidos políticos

Na trajetória constitucional dos partidos políticos, afirma-se, sem dúvida, que eles foram inicialmente proscritos, com a primeira menção a eles aparecendo apenas na Constituição de 1934. A referência, entretanto, foi pontual, relacionada à perda de cargo pelo funcionário público, caso ele usasse de sua autoridade para beneficiar um partido político. Depois disso, a Constituição de 1937 não tratou do tema e “[...] formalmente, a Constituição de 1946 foi a primeira a preocupar-se realmente com o fenômeno partidário,”317ensejando a consagração da democracia pelos partidos. Sartori,318

316 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Sete vezes democracia. São Paulo: Convívio, 1977, p. 25. aliás,

317 JEHÁ. Pedro Rubez. Os partidos políticos em cenário eleitoral. In: CAGGIANO, Monica Herman S.

(Coord.). Direito eleitoral em debate: estudos em homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 105. De se destacar a observação de Poletti, no sentido de que a falta de menção aos partidos políticos nas primeiras constituições também é notada na constituição americana e na francesa, tanto a do século XIX como a de 1946. Mesmo na Inglaterra, onde surgiram, por não haver Constituição escrita, eles não são disciplinados por lei. Foi a Constituição da Itália, no ano de 1846, a primeira na Europa a abordar o instituto. Cf. POLETTI, Ronaldo. O partido político na Constituição. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, v. 24, n. 93, p. 106, jan./mar. 1987.

318 Na obra publicada em 1976, o autor afirma: “Ainda hoje, na maioria dos países, os partidos

continuam, juridicamente, associações privadas sem reconhecimento constitucional. Entre as poucas exceções notáveis estão a Lei Fundamental de Bonn e a Constituição Francesa de 1958”. SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p 34.

assevera que o partido político só ganhou definição legal depois da Segunda Guerra Mundial.

O partido político já foi considerado pessoa jurídica de direito público. O Código Eleitoral, em seu art. 132, assim dispunha: “Os partidos políticos são pessoas de direito público interno.” Eram, pois, instituições com função definida, sujeitos de direitos e deveres, e caminhavam paralelamente ao Estado.319 Salienta Ferreira Filho: “Tal posição ajusta-se ao papel dos partidos. [...] É aliás, a única que não entra em conflito com a realidade subjacente. De fato, o partido deve ser considerado como uma instituição.”320

A CF/88 deixou livre a criação de partidos, os quais passaram a ter a natureza de pessoa jurídica de direito privado, tornando-se uma associação que possui o monopólio da candidatura. Destarte, o monopólio da candidatura, que é uma função pública, foi entregue em mãos a uma instituição privada com financiamento, o que parece paradoxal.

As normas do art. 17 da Constituição Federal, com exceção de seu § 3º (acesso dos partidos políticos ao fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão), são de natureza programática e prescindem de regulamentação, tendo aplicabilidade imediata. Dentre essas normas, inclui-se a do § 2º, que estipula: “Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.” Fica determinado pela Carta Magna, nesse sentido, que a aquisição de personalidade jurídica pelos partidos obedece aos dispositivos do Código Civil e da lei dos registros públicos – Lei 6.015/73, sendo que o registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral confere aos partidos políticos capacidade jurídica.

Com isso, a Constituição de 1988 trouxe mudanças ao tema que se coadunam ao seu capítulo 1, em especial seu inciso XVII, segundo o qual “[...] é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. Os partidos políticos

319 E, se ainda o fosse, talvez fizesse sentido hoje a defesa do financiamento público das campanhas

políticas.

320 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os partidos políticos nas constituições democráticas: o

estatuto constitucional dos partidos políticos no Brasil, na Itália, na Alemanha e na França. Revista

podem se associar livremente, dentro dos balizamentos propostos em lei, como o número de fundadores, por exemplo. São associações autônomas, que dependem apenas da vontade de seus interessados, para que possam surgir.

Conclui-se que os partidos políticos são pessoas de direito privado, sujeitos à lei civil e ao registro no cartório civil.321

Assentado está pelo TSE que a Lei Orgânica dos Partidos Políticos foi recepcionada pela Constituição Federal naquilo que não haja confronto. Assim, a recepção foi parcial, já que o art. 2º da referida lei tratava da natureza jurídica de direito público interno dos partidos, o que afronta a orientação da Carta de 1988.

Essas associações privadas defendem interesses particulares atinentes a seus membros, mas também exercem funções benéficas para o Estado. Não são órgãos estatais, nem agem em nome do Estado, sendo considerados órgãos auxiliares do Estado. Acentua o eminente Fávila Ribeiro que “[...] não pode o partido ser considerado como órgão estatal, por ser um sujeito, próprio de direitos e obrigações, em decorrência de sua personificação jurídica. Age em seu próprio nome no exercício de atividades públicas”.322

A Constituição de 1988 sedimentou essa posição. De fato, os partidos políticos não são pessoas jurídicas de direito público, nem associações civis comuns. Representam um meio institucional de cumprimento de princípios constitucionais e devem ser preservados no sistema representativo pela expressão da vontade popular, traduzida no sufrágio. A propósito, Canotilho elucida, sobre os partidos políticos, que

[...] a sua função de mediação política – organização e influência na formação do governo – conduz a reconhecer-se-lhes uma qualidade jurídico-constitucional que distingue as associações partidárias das simples associações privadas. Como elementos funcionais de uma ordem constitucional, os partidos situam-se no ponto nevrálgico em

321 A escolha do constituinte pátrio seguiu o modelo português, explica Bastos. E reforça: “[...] não

subsistirem dúvidas quanto a serem os partidos políticos dotados de personalidade jurídica e sua natureza ser de direito privado, uma vez que são constituídos na forma da lei civil.” BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004.

que convergem o poder do Estado juridicamente sancionado e o poder da sociedade politicamente legitimado.323

Por conseguinte, os partidos políticos são associações organizadas pela sociedade em sede democrática para a propagação de ideias, que serão concretizadas pela ação política. Visam a alcançar o poder, para, em princípio, colocar em prática seu plano de governo pela atuação de seus candidatos eleitos, e não exercem poder público. O Estado não tem a reserva do controle da vida partidária.

Vale dizer que eles são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral, na tentativa de coibir o abuso do poder econômico, o que prejudica gravemente o processo eleitoral.

A Constituição Federal de 1988, além de alterar a natureza política dos partidos políticos, afirmou a plena autonomia dessas pessoas jurídicas de direito privado, assegurando-lhes auto-organização e imunidade nas questões interna corporis.