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CAPÍTULO I – O PAPEL DO DIREITO ELEITORAL NA CONSOLIDAÇÃO

1.2 Tratamento legal brasileiro

1.2.7 LC 135/10 – Lei da Ficha Limpa

que integrará a Justiça Eleitoral, o INSS e o Instituto de Identificação. Com a biometria plenamente realizada, qualquer eleitor poderá votar em qualquer lugar do território nacional.

A Lei da Ficha Limpa transformou-se em tema recorrente no país, desde 2008, por ter conseguido reunir o significante número de cidadãos necessário para a aprovação do projeto de lei e pelo impacto causado no cenário eleitoral brasileiro.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização não- governamental voltada para o combate da corrupção eleitoral no Brasil, foi o responsável pela criação do projeto da Ficha Limpa e um dos principais organizadores dessa campanha.

Seus esforços foram bem-sucedidos. Conseguiram reunir 1,3 milhão de assinaturas para aprovar um projeto de lei de iniciativa popular cujo objetivo era exercer maior controle sobre a idoneidade dos candidatos.

115 O site do TSE disponibiliza o estágio em que esse cadastramento se encontra. Disponível em:

Com isso, o projeto de iniciativa popular (PLP nº 518/2009) resultou na Lei Complementar nº 135/10 (Ficha Limpa), alterando a Lei Complementar nº 64/90 (Lei das Condições de Inelegibilidade), o que representou não apenas uma vitória pela moralidade eleitoral, mas também uma grande conquista da democracia, porquanto o instituto da iniciativa popular, que torna possível à população apresentar projetos de lei, é pouco utilizado no Brasil.116

O projeto de lei colheu as assinaturas por meio de um abaixo-assinado divulgado em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal. Em 05 de maio de 2010, foi aprovado pela Câmara Federal, seguido da aprovação do Senado, em 19 de maio do mesmo ano, convertendo-se na Lei Complementar acima mencionada.

117

O texto constitucional prevê, em seu art. 61, § 2º, o instituto da iniciativa popular no ordenamento brasileiro e estabelece que ele poderá ser exercido “[...] pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

A fundamentação do projeto se baseou no art. 14, § 9º, da Constituição Federal. Esse dispositivo afirma que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular, possibilitando que Lei Complementar estabeleça casos de inelegibilidade que visem à lisura do pleito eleitoral, garantindo a probidade das eleições e impedindo o abuso da máquina administrativa e do poder econômico.

A proposta original do PLP nº 518/2009 previa, como condição suficiente para impedir que o candidato concorresse a um cargo nas eleições, a condenação em primeira instância ou, conforme o crime, a denúncia recebida por órgão colegiado. O texto foi

116 Em cenário brasileiro, apenas quatro leis tiveram origem em projetos que partiram da iniciativa

popular: Lei nº 8.930/94 (Lei dos crimes hediondos), Lei nº 9.840/99 (contra a corrupção eleitoral), Lei nº 11.124/05 (que trata do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social) e a Lei Complementar sob análise.

117 Ver o trâmite no site da Câmara dos Deputados. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=452953>. Acesso em: 10 out. 2010.

alterado, prevalecendo a modificação do Substitutivo feito pelo deputado José Eduardo Cardozo (PT/SP), o qual exigiu condenação por órgão colegiado.118

Debate surgiu em relação à aplicação dessa Lei Complementar para as eleições de 2010.119

Além dessa polêmica, o professor Fernando Almeida discorre sobre a polêmica em torno da constitucionalidade da lei.

A tese de aplicabilidade foi corretamente afastada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que levou em conta os princípios da anuidade eleitoral, da irretroatividade das leis e da segurança jurídica para sustentar sua decisão de que a Lei da Ficha Limpa passaria a valer somente a partir das eleições municipais de 2012, o que foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal.

Explica ele que a Lei Complementar nº 64/90 tinha como critérios de inelegibilidade: nacionalidade, alfabetização, idade, elementos circunstanciais ligados ao exercício de outros cargos, e outros elementos ligados à condenação pela prática de atos ilícitos. Entretanto, a modificação trazida pela Lei Complementar nº 135/10, “[...] além de ampliar substancialmente o rol de ilícitos a ensejarem inelegibilidade, passou a considerar suficiente, como indicativo de mácula na vida pregressa do candidato, decisões ainda não definitivas.”120

Relembrando as lições de Kelsen, Almeida alerta que, para que o ato seja contrário à ordem jurídica, há de ter havido decisão proferida de forma definitiva pelo órgão competente, com a análise de seu “sentido objetivo”. Com isso, a Lei Ficha Limpa opta por

[...] reforçar a decisão ainda subjetiva da autoridade judicial, em detrimento da decisão também subjetiva do eleitor.

118 Sem dúvida, prevaleceu a melhor técnica jurídica, posto que, de uma condenação em segundo grau,

cabe recurso ao STJ, ao STF ou, se for matéria eleitoral, ao TSE. Neste caso, o recurso, além de não ter efeito suspensivo, tampouco discute matéria fática, apenas de direito.

119 Citamos aqui os leading cases decididos no STF e que se referem às renúncias de Joaquim Roriz e de

Jader Barbalho de seus mandatos de senadores, para escaparem de processo de quebra de decoro parlamentar: RE 630147/DF e RE 631102/PA.

120 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Estatuto do candidato: reflexões sobre a “Lei Ficha Limpa”. In:

CAGGIANO, Monica Herman S. (Coord.); MESSA, Ana Flávia; ALMEIDA, Fernando D. M. de (Org.). Direito eleitoral em debate: estudos em homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 71.

Trata-se de uma opção, aliás, inserida numa tendência contemporânea de, conscientemente ou não, privilegiar o técnico-jurídico e rebaixar- se o político.121

Ora, essa interpretação firme do texto legal é acertada. Afinal, sem o trânsito em julgado da decisão, os atos ficam adstritos à vontade subjetiva do julgador de primeira instância que, por vezes, pode ser modificada.

Em face dessa Lei Complementar nº 135/2010, foram ajuizadas as Ações Diretas de Constitucionalidade nº 29 e nº 30 do Distrito Federal e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/Distrito Federal. Apesar de argumentos contrários, como os do Min. Gilmar Mendes122

Não se pode negar que um projeto de lei de iniciativa popular que trata especificamente de um tema diretamente ligado à escolha dos nossos representantes revela muito mais do que uma simples mobilização social. Revela, sobretudo, um despertar de consciência a respeito do real significado da democracia e de um dos seus elementos constitutivos essenciais que é a representação política.

, a Lei Complementar nº135/2010 foi considerada constitucional. Convém ressaltar os votos do Min. Luiz Fux, que afirmou que a própria legitimidade da Constituição depende, em certo grau, da sua responsividade à opinião pública popular, e do Min. Joaquim Barbosa:

O Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade da lei em foco, por sete votos a quatro, e o argumento que prevaleceu foi o de que a impossibilidade da candidatura não era pena, mas pré-requisito. Com isso, os atingidos pela Lei Complementar nº 135 ficam impedidos de disputar eleições por pelo menos oito anos.

O referido documento legal alterou a Lei Complementar nº 64/1990, prevendo a possibilidade de inelegibilidade independentemente do trânsito em julgado da decisão condenatória, bastando a decisão proferida por órgão colegial competente e o argumento de ofensa a valores intangíveis, o que afronta os princípios da presunção de inocência. A leitura do STF foi a de que esse princípio é regra de maior força no campo penal e que

121 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Op. cit., p. 73.

122 Para Gilmar Mendes a aprovação da lei complementar estava sendo influenciada pela opinião pública

momentânea que pedia a moralização da política. Todavia, não se pode relativizar direitos fundamentais em função do clamor público, por isso sua manifestação contrária. Afirmou, ademais, que a morosidade da justiça deve ser enfrentada. Assim, ao invés da suspensão dos direitos políticos sem trânsito em julgado de sentença, dever-se-ia investir em uma justiça mais célere, evitando decisões injustas.

só possui caráter de pena, no campo eleitoral, nas hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, de acordo com o art. 15, III, da CF/88. Houve uma fragilização do princípio da presunção de inocência em relação à proteção do interesse público de se ver protegidos contra candidatos moralmente desqualificados. Ora, para isso, o cidadão tem o voto, ou seja, se o representante é inapto ou ímprobo, basta não receber o voto popular.

É fácil perceber que houve um grande clamor popular pelo tema, com a coleta de mais de um milhão de assinaturas de cidadãos envolvidos no debate, denotando o prazer de uma participação ativa imbuído de um ideal republicano, o que é fundamental no processo eleitoral de um país democrático. Todavia, com base nos apontamentos de Almeida, ressalta-se que algumas decisões jurisdicionais vão na contramão de princípios claros estabelecidos na Carta Magna e que são igualmente importantíssimos para a condução segura do pleito eleitoral, devendo ser privilegiados nas decisões dos tribunais.