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CAPÍTULO I – O PAPEL DO DIREITO ELEITORAL NA CONSOLIDAÇÃO

1.2 Tratamento legal brasileiro

1.2.1 Constituição Federal de 1988

A construção de uma democracia representativa tem início na opção constitucional pelo princípio representativo. Depois de adotado, a consequência prática é o estabelecimento de um parlamento, cujos membros serão escolhidos por meio de uma eleição. Desse modo, a Constituição Federal é o documento primordial para a organização da matéria eleitoral, o que é seguido pela Carta Magna brasileira, que

84 RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 12.

85 LEMBO, Claudio. Cronologia básica do Direito Eleitoral Brasileiro. In: LEMBO, Cláudio;

CAGGIANO, Monica Herman S. (Coord.). O voto nas Américas. Barueri, SP: Minha Editora; São Paulo: Cepes, 2008, p. 73-106.

86 Reale, em 1959, atestava o fato: “[...] no Brasil o Direito Eleitoral revela alto índice de experiências

malogradas, renovando-se medidas ontem consideradas obsoletas, e envelhecendo em poucos meses as mais alvissareiras novidades.” REALE, Miguel. O sistema de representação proporcional e o regime presidencial brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 7, p. 24, nov. 1959.

consagra princípios fundamentais a serem observados pelos sistemas eleitoral e partidário do Brasil.

Estampados em seu art. 1º, estão o princípio republicano, que consagra o país como uma República Federativa, constituída pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal; o princípio democrático, na singela explicação do poder do povo; o princípio da soberania popular, pelo qual o poder emana do povo; e o princípio do pluralismo político, que será analisado em capítulo adiante.

A soberania popular é um dos princípios mais importantes do direito eleitoral. A eleição deve ser uma expressão da opinião do povo, e o resultado das eleições precisa ser legítimo, uma representação fiel da vontade popular.

Para tanto, o voto deve ser livre. O eleitor tem o direito de votar em quem desejar, e não pode ser vítima de violência ou abuso de poder. O direito ao voto está previsto como um direito fundamental do cidadão, e não pode ser alterado nem por reforma constitucional (art. 60, §4º, II), devendo ser direto, secreto e universal.

O art. 14 da CF é claro: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.”87

Sufrágio, de acordo com as lições de Borja, “[...] consiste en la intervención direta del Pueblo, o de un amplio sector de él, en la creación de las normas jurídicas, en su aprobación o en la designación de los titulares de los órganos estatales”.

88

A extensão do sufrágio ao contingente mais abrangente possível de pessoas responde ao esforço de realizar a identidade entre governantes e governados, legitimador do governo democrático. Na lição de Schmitt:

87 Recomendamos a leitura da Dissertação de Mestrado de autoria de Alexandre Sanson, que faz uma

análise percuciente desses instrumentos de democracia semidireta. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp061534.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2012.

88 BORJA, Rodrigo. Derecho político y constitucional. 2. ed. México D.F.: Fondo de Cultura

Económica, 1991, p.215. Ou seja: “[...] consiste na intervenção direta do povo ou de um amplo setor dele, na criação das normas jurídicas, em sua aprovação ou na designação dos titulares dos órgãos estatais” (tradução livre).

[...] la fuerza o autoridade de los que dominan o gobiernan no ha de apoyarse en cualesquiera altas cualidades inaccesibles al pueblo, sino sólo en la voluntad, el mandato y la confianza de los que han de ser dominados o governados, que de esta manera se gobiernan en realidade a sí mismos.89

O direito de sufrágio expressa-se pela capacidade de eleger e ser eleito.

Conforme a Constituição Federal, devem votar, obrigatoriamente, os maiores de 18 anos (CF, art.14, §1º, I) e, facultativamente, os analfabetos, os maiores de 70 anos, e os maiores de 16 e menores de 18, nos termos do art.14, §1º, II, “a”,”b” e “c”. Os cidadãos que atendam a essas condições têm o direito/dever de votar, o que representa a capacidade eleitoral ativa.

A liberdade de votar está intimamente ligada com a conquista de outras liberdades, como a liberdade de pensamento, de expressão e de associação. Elas se reforçam mutuamente para caracterizar a liberdade ampla da pessoa humana. O eminente professor português Jorge Miranda expõe:

Os direitos de liberdade englobam, na verdade, direitos de diferente conteúdo, de variável estrutura, e passíveis de diversa concretização ou realização. Englobam liberdades, direitos políticos, direitos irredutíveis a liberdades e a direitos políticos, garantias. Nem por isso, todavia, deixa de se justificar a sua aglutinação – por constituírem (ou poderem constituir) um sistema unitário à volta da ideia de liberdade e de limitação de poder (antes de mais, do poder do Estado em abstrato e do poder dos governantes, sejam quais forem, em concreto, o que se aplica, inclusive, aos direitos políticos) e por se traduzirem (ou poderem traduzir) num regime jurídico comum.90

A capacidade eleitoral passiva traduz o direito que o cidadão tem de candidatar-se a um cargo eletivo.91

89 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 2006, p. 230:

“[...] a força ou a autoridade daqueles que dominam ou governam não deve apoiar-se em qualquer qualidade inacessível ao povo, mas somente na vontade, no mandato e na confiança daqueles que hão de ser dominados ou governados que desta maneira se governam a si mesmos” (tradução livre).

A Constituição elenca as condições necessárias para o exercício dessa capacidade de ser eleito, em seu art. 14, §3º, exigindo, para tanto, nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral,

90 MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais – sua dimensão individual e social. Revista dos

Tribunais, São Paulo, ano 1, p. 202, out./dez. de 1992.

91 O portal do TSE indica a lista com os dados atualizados dos 15.264.775 de eleitores filiados a

partidos políticos. A legenda com maior número de filiados é a do PMDB, seguida pelo PT. Disponível em: <http://filiaweb.tse.jus.br/filiaweb/>. Acesso em: 08 dez. 2013.

domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária, além de estabelecer a idade mínima para poder almejar a certos cargos.

Somente possui capacidade eleitoral passiva o candidato que estiver em pleno gozo da capacidade eleitoral ativa. Esse é também um pressuposto de elegibilidade.

As hipóteses de inelegibilidade, igualmente previstas na Constituição, têm o propósito de defender a democracia contra possíveis abusos. Lei complementar pode enunciar outras hipóteses, que não as previstas na Carta Magna (CF, art. 14, §9º).

Importante mencionar que as eleições devem ocorrer em um ambiente pacífico, sem traumas ou surpresas, sendo asseguradas as regras do jogo naquele momento, tentando evitar anulação de eleições que atentem contra a disputa em aberto ou que abram espaço para mudança de resultado pelos tribunais. Valiosa é a análise de Lowenstein,92

Faria ressalta a importância da segurança jurídica eleitoral, pois ela garante a máxima efetividade dos direitos de cidadania e a estabilidade e coerência da disputa democrática. A segurança jurídica preservaria,

para quem a Constituição se valoriza, na medida em que favorece mudanças na estrutura social sem alteração do processo político.

[d]o ponto de vista substantivo, os direitos de cidadania e a manutenção do pluralismo ideológico, mediante a adoção de mecanismos capazes de preservar as liberdades de opinião, informação e participação. Do ponto de vista procedimental as garantias para que o jogo democrático seja travado dentro de regras precisas e estáveis, ainda que despidas de prescrições extensivas e detalhadas.93

Por fim, levanta-se aqui a questão da reeleição, presente na Constituição e merecedora de um ajuste.

92 LOWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1970, p. 199.

93 FARIA, José Eduardo. Entre a rigidez e a mudança. Revista Brasileira de Direito Constitucional,

A equação democrática sempre elencou como um de seus elementos a necessidade da alternância de poder.94

Não bastasse isso, a Constituição Federal dispõe, em seu art. 14, § 9º, que é inelegível para presidente e vice-presidente da República quem não tiver se afastado do cargo que ocupa. Afinal, vicia-se o pleito, quando dele participa quem ainda está exercendo cargo ou emprego na administração pública. Isso afeta a idoneidade do sistema eleitoral, mas se tornou prática corriqueira no país, alardeada em todos os meios de comunicação, sem que haja punição aos seus praticantes. Mesmo a imposição de multas não consegue inibir a prática que, além de imoral, demonstra a falta de respeito por parte dos candidatos para com as leis e instituições do país.

Assim, a reeleição é um vício do sistema. Entretanto, esse instituto foi incorporado ao ordenamento pátrio com a Emenda Constitucional nº 16/1997, que tornou reelegíveis para o cargo, por um único período subsequente, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído, no curso do mandato. A reeleição só foi possível em função de interesses e conluios políticos, e é difícil de ser eliminada do sistema brasileiro, já que a força inebriante do poder parece atingir a todos os que o conquistam.

O procedimento eleitoral é um momento único, em que todos os cidadãos são conclamados a decidir o futuro da nação, após um longo debate e avaliação de propostas. É o momento em que o político depende do cidadão. Portanto, deve ser assegurado em todas as Constituições, como elementar ao Estado Democrático de Direito.