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Criação, registro, estrutura e extinção dos partidos políticos

CAPÍTULO II ELEIÇÕES E PARTICIPAÇÃO POPULAR

2.3 O papel dos partidos políticos no processo eleitoral

2.3.3 Criação, registro, estrutura e extinção dos partidos políticos

Em ambientes democráticos, como aduz Panebianco,324

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu art. 17: “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”.

os partidos políticos atuam no centro da arena eleitoral, exercendo uma atividade de competição pela disputa de votos e conquista do poder político. Conforme frisado anteriormente, não há eleição sem partido político. Por isso, mostra-se fundamental o estudo de sua criação, registro, estrutura e extinção, que terão como base a análise de alguns dos já referidos pilares do Direito Eleitoral: Constituição Federal de 1988, Código Eleitoral (Lei nº 4.737/45), Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), que discorrem sobre os procedimentos que legitimam as eleições e sobre os órgãos regularmente instituídos para executá-las.

323 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991, p. 453. 324 PANEBIANCO, Ângelo. Op. cit., p. 11.

A previsão aponta para a liberdade na criação dos partidos, resguardados os valores ali destacados. Aos partidos políticos é assegurada “[...] autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias”, de acordo com o art. 17, § 1º, da CF/88. Essa autonomia organizatória, por evidente, ocorre dentro de parâmetros democráticos, sem poder afrontar os valores aos quais está submetida.

A valorização dos partidos trazida pela visão inovadora dos constituintes de 1988 exigia uma norma que atendesse aos princípios desse art. 17. Por conta disso, foi instituída a Lei nº 9.096/95, que, em seus artigos 8º e 9º, trata do processo de criação do partido político; foi ainda editada a Res.-TSE nº 19.406/95, revogada pela Res.-TSE nº 23.282/2010, que discorrem sobre a fundação, a organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos.

A Lei 9.096/95 lista, em seus artigos 8º e 9º, todos os documentos, requerimentos e certidões exigidos para o surgimento de um novo partido. Para ser criado, o partido político precisa ter representação nacional, sendo demonstrado que ele possui 0,1% dos votos válidos em nível municipal, além de 0,1% dos votos válidos em âmbito estadual e 0,5% dos votos válidos obtidos em nível federal, o que representa, atualmente, 492.000 assinaturas.325

Em assim sendo, o grupo que pretende criar um novo partido deve colher as assinaturas de seus apoiadores, e os cartórios atuarão na certificação dessas assinaturas, verificando se não há caso de duplicidade, se os eleitores estão devidamente registrados em seus cartórios eleitorais, se as assinaturas são verdadeiras, dentre outros requisitos formais. De posse dessas certidões, os Tribunais Regionais Eleitorais fazem a consolidação dos apoios, verificando se eles atendem ao número legalmente exigido.

Esses votos têm que estar distribuídos entre um terço dos Estados, ou seja, entre nove Estados da federação.

Todo esse processo está devidamente sujeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

A Lei nº 9.096/95 baniu a possibilidade do registro provisório. Para registrar um partido político, o interessado tem que cumprir todos os requisitos estabelecidos na Lei dos Partidos Políticos e na Res.-TSE nº 23.282/2010. Assim, como dispõe o art. 8º daquela lei, devem reunir-se os fundadores, em número nunca inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados, para elaborar o programa e o estatuto do partido, que deverá ser publicado no Diário Oficial. Nessa mesma reunião, serão eleitos, em caráter provisório, os dirigentes nacionais, que vão organizar o partido.

Após a publicação no Diário Oficial, promove-se o registro do partido no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Capital Federal. O registro no cartório é o momento em que o partido em formação adquire personalidade jurídica e comunica aos tribunais regionais o nome dos representantes que serão responsáveis pela entrega das listas do apoiamento mínimo de eleitores nos cartórios eleitorais.

O apoiamento mínimo consiste no colhimento das assinaturas correspondentes, no mínimo, a meio por cento (0,5%) dos votos válidos, dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os brancos e os nulos, distribuídas em pelo menos nove Estados. Além dessa exigência, em cada Estado, deve-se atender ao mínimo de um décimo por cento (0,1%) do eleitorado.

Em seguida, o partido deverá constituir, definitivamente, na forma de seu estatuto, os órgãos diretivos municipais e regionais, registrando-os nos tribunais regionais eleitorais de, no mínimo, nove unidades da federação.

Registrados os órgãos partidários municipais e regionais nos tribunais regionais, deverá ser solicitado o registro do programa, do estatuto e do órgão de direção nacional no TSE, última fase do processo de registro. É o estatuto que contém as regras de fidelidade e disciplina partidárias.

Determina o art. 18 da Lei nº 9.096/95: “Para concorrer a cargo eletivo o eleitor deve estar filiado ao partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais.” E o art. 17, §1º da CF/88 afirma que os estatutos dos partidos “devem estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.”

No Brasil, os partidos políticos possuem o monopólio das candidaturas, e o valor constitucional desse instituto ganhou relevo:

Se considerarmos e exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares, parece certo que a permanência do parlamentar na legenda pela qual foi eleito torna-se condição imprescindível para a manutenção do próprio mandato.326

A partir do deferimento, o partido garante exclusividade da denominação e da sigla, do número de legenda e de seus símbolos, além de tornar-se apto a receber recursos do fundo partidário, a ter acesso gratuito ao rádio e à televisão e a participar do processo eleitoral.

Recentemente, a Presidente da República sancionou a Lei nº 12.875, de 30 de outubro de 2013, que modifica regras sobre distribuição dos fundos partidários e tempo de propaganda, provocando alterações na Lei nº 9.96/95 e na Lei nº 9.504/97.

A nova lei prevê que 5% do fundo partidário serão divididos igualmente e distribuídos para todas as legendas. Os 95% restantes serão distribuídos de forma proporcional aos votos obtidos para deputado na Câmara Federal, sendo desconsideradas as mudanças decorrentes de filiação partidária. Assim, os deputados que mudarem de partido não podem levar os votos com eles, pois isso aumentaria o repasse do fundo partidário.

Quanto à propaganda eleitoral, a mudança é em relação à distribuição de dois terços do tempo, também de modo proporcional ao número de deputados federais eleitos pelo partido, na última eleição. O outro terço é distribuído uniformemente.

Com isso, os novos partidos criados no ano de 2013 concorrerão nas próximas eleições com tempo mínimo de televisão para cada legenda e com percentual menor de

326 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso

de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 812. A troca de partido, portanto,

implica extinção de mandato, a não ser em caso de incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal, como estabelece a Resolução do TSE nº 22.610, Rel. Min. Cezar Peluso, de 25 de out. de 2007.

fundo partidário, o que pode lhes causar problemas no pleito, pois recursos financeiros e midiáticos são sempre ambicionados, por aumentarem as chances de vitória eleitoral.

Os dois novos partidos criados – Solidariedade, encabeçado pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), e PROS, Partido Republicano da Ordem Social, montado pelo ex-vereador Eurípedes de Macedo Jr. – fizeram com o quadro político brasileiro passasse a contabilizar 32 legendas. A Rede, de Marina Silva, não conseguiu aprovação, por ter o TSE entendido que o partido não teria conseguido o número necessário de assinaturas exigidas para sua criação.327

Não obstante a previsão da livre criação de partidos, cabe indagar até que ponto deve haver essa proliferação de siglas, se há alguma diferença ideológica em sua constituição e se isso beneficia o modelo democrático.

É difícil crer que cada um dos 32 partidos hoje presentes no cenário eleitoral brasileiro represente veios ideológicos diferenciados, ou ainda saber qual o interesse coletivo que cada um deles visa a defender. A falta de ideologias definidas demonstra que as legendas são criadas para satisfazer o interesse das lideranças.

Isso sem considerar que o excesso de siglas atrapalha o eleitor, no momento de fazer suas escolhas. Se as propostas são tão similares, como distinguir uma da outra? Essa situação prejudica o debate de ideias e centraliza o voto na pessoa do candidato, o que não contribui para o incremento da democracia. Dificulta, ademais, a responsabilização governamental, além de gerar dúvidas sobre o financiamento das campanhas. Os partidos deveriam ser a instituição capaz de realizar a mediação responsabilizadora entre eleitores, assegurando a previsibilidade do governo e do comportamento legislativo, mas, com essa proliferação de legendas, o que acontece é apenas o aumento do descrédito nessas instituições. Por isso, esse multipartidarismo deve ser combatido.

327 No julgamento, seis dos sete ministros do TSE negaram o pedido feito pela Rede Sustentabilidade,

porque 95 mil assinaturas de eleitores foram descartadas pelos cartórios eleitorais, e o TSE entendeu que a autenticidade de assinatura era um ônus do partido e não do cartório. O voto vencido do Min. Gilmar Mendes se posicionou no seguinte sentido: “Essa contagem de assinaturas e verificação de firma é o quadro de um Brasil do passado. Isso nos obriga a dizer: vamos atualizar essa justiça, de fato informatizar cartórios.” TSE – Acórdão – Registro de partido político nº594-54.2013.6.00.0000. Min. Rel. Laurita Vaz.

Assim que criado o partido, ele tem autonomia para fixar as regras de condução de suas convenções, podendo estabelecer prazos superiores aos descritos na lei para que o filiado concorra às eleições.

A Lei Orgânica dos Partidos Políticos define o formato geral da estrutura partidária no país. Há necessidade de criação de órgãos de decisão em todas as instâncias, nacional, estadual e municipal. Cabe a esses órgãos cuidar das decisões referentes à organização dos partidos, escolha dos dirigentes, seleção de quadros a cargos eletivos, além das típicas funções administrativas e de infraestrutura. As principais decisões giram em torno da escolha das candidaturas majoritárias, formação das listas partidárias e coligações.328

As coligações decorrem da união de dois ou mais partidos que apresentam conjuntamente seus candidatos para a eleição. Pode ser formada para eleições majoritárias ou proporcionais.

No Brasil, a presença do grande número de partidos que participam do processo eleitoral faz com que muitos deles representem meras siglas, sem representatividade, os quais se aproveitam das coligações para participar das barganhas políticas. O fato de o eleitor brasileiro poder votar na legenda também pode fazer com que o voto do eleitor não conduza ao parlamento um candidato de seu partido, mas um candidato do partido coligado. Isso provoca críticas às coligações, porque elas ensejam uma valorização descabida das minorias, que, muitas vezes, emprestam seus nomes com intenções de obter vantagens questionáveis para o partido.

Por outro lado, no entender de Silva, que se apoia em Meyer, todas as partes possuem interesse em chegar ao poder, seja o partido mais forte, seja o mais fraco, seja até o eleitor, que deseja ver seu partido e seus candidatos no parlamento. Sabendo que um precisa do outro e que essa união é admitida pelo jogo eleitoral, a coalização deixaria de ser vista de forma tão perniciosa. Nesse sentido,

328 BRAGA, Maria do Socorro Sousa. Organizações partidárias e seleção de candidatos no estado de

São Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

[tanto] os eleitores dos grandes partidos, tanto quanto os eleitores dos dois grandes partidos típicos de sistemas majoritários querem que seus partidos governem , o que acontecerá mesmo que haja a necessidade de coalizão com pequenos partidos. [...] Já os eleitores dos pequenos partidos sabem, de antemão, que somente fazendo parte de alguma coalizão poderão eles participar do poder.329

Parece, todavia, que as coalizações, da maneira como conduzidas, têm reiteradamente se afastado da matriz democrática. As minorias não são, necessariamente, menos eficientes. Contudo, o que se vê são as minorias tendo seu poder imensamente reduzido, quando não anulado. E a maioria, por se saber pertencente a um sistema multipartidário que depende do apoio das mais diversas correntes, dentro do Congresso, promove articulações de toda sorte, distanciando-se frequentemente das propostas de campanha. Com tudo isso, obviamente, a vontade do cidadão é desvirtuada, o que prejudica a democracia.

Por fim, o partido político pode ser extinto por iniciativa própria, mediante deliberação de seus membros, conforme o previsto no estatuto. Além disso, o partido pode passar por um processo de fusão, que ocorre quando dois ou mais partidos políticos se unem sob um novo estatuto, ou por um processo de incorporação, no caso de uma agremiação partidária adotar o estatuto e programa de outra agremiação. Todas essas regras estão disciplinadas no capítulo VI da Lei 9.095/95, composto dos artigos 27, 28 e 29.