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A necessidade de novos modelos de negócios no jornalismo

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CAPÍTULO III – NOVOS MODELOS DE NEGÓCIOS DO JORNALISMO

2. A necessidade de novos modelos de negócios no jornalismo

Este cenário aqui descrito revela que a revista, enquanto veículo de comunicação, encontrou seu espaço no mercado do século XX, bem como entre os seus leitores, ávidos por informação específica, direcionada e, até mesmo, personalizada, dada a grande variedade de títulos existentes com alto grau de especialização. Um modelo de negócio aparentemente sedimentado, mas que, com a popularização da internet e as novidades tecnológicas incorporadas pela comunicação, se viu diante da necessidade de mudar.

Foi preciso se adaptar ao ciberespaço e não apenas o conteúdo ou as práticas jornalísticas sofreram transformações. Os modelos de negócios das tradicionais empresas de mídia também ficaram sob a mira das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) – que podem ser compreendidas como um conjunto de tecnologias usadas de maneira integrada – de acordo com o que descreve Mattos:

Ao mesmo tempo em que a cultura digital permite uma comunicação mais flexível do que a produzida pelas mídias tradicionais (impresso, rádio e TV), ela não privilegia o processo reflexivo, tendo em vista que muitas vezes a inovação é incorporada de maneira imediatista e de forma acrítica. Em síntese, o sistema digital rompeu com o modelo de produção e distribuição da informação de um-para-todos, pois no ciberespaço a relação acontece no contexto todos-todos, modificando comportamentos sedimentados pelas mídias tradicionais. A Era Digital é um momento de novos desafios para as mídias tradicionais e também para a análise de dados devido ao volume, variedade e velocidade com que são produzidos e distribuídos. Os desafios da comunicação, portanto, têm a ver com o processo de produção e distribuição de conteúdos, além de passar pela adaptação dos modelos de negócios praticados pelas empresas de mídia (2013, p. 8).

Em se tratando da questão mercadológica, é preciso levar em consideração que, tanto no Brasil quanto no exterior, os grandes e exitosos veículos de comunicação estão, em sua maioria, associados a importantes instituições da mídia e, assim, coube a elas começar a pensar em formas de adaptar seus produtos de sucesso às demandas oferecidas pelas novas tecnologias e exigidas por um público sedento por novidades.

No sentido aqui descrito, instituição significa “organismo público ou privado, estabelecido por meio de leis ou estatutos que visa atender a uma necessidade de dada sociedade ou da comunidade mundial” (HOUAISS, on-line).

Schwaab (2013, p. 60-61) considera também o campo do jornalismo como instituição ou, ao menos “os valores que o caracterizam são socialmente conhecidos e institucionalizados”. Para o pesquisador – que também vê a própria revista com instituição e não somente a editora em si –, a instituição jornalística conquistou legitimidade social pelo fato de reconstruir discursivamente fatos cotidianos.

Partimos da ideia de que o jornalismo congrega atributos e valores institucionalizados, constituindo uma imagem socialmente aceita e difundida. Da mesma maneira, as empresas jornalísticas (as editoras, no caso) se dão a ver como instituição que partilha valores relevantes para a sociedade, inerentes ao campo do qual fazem parte. Desse modo, podemos considerar a existência de um lugar social (do jornalismo, das instituições/empresas) como uma espécie de apoio aos quadros de sentido de um produto jornalístico (2013, p. 66).

Esse tópico torna-se relevante para tal discussão, pois não se pode abandonar o fato de que uma revista é um produto, em sua maioria, vinculado a uma empresa (instituição), que, no cenário capitalista, visa ao lucro e ao ganho de mercado.

As revistas não receberam o nome de magazine (em inglês e francês) à toa, afinal, elas “vendem coisas”. Uma revista sobre carros vende carros, mas “vende” também um estilo de vida. Por ser um produto jornalístico, a revista carrega consigo valores (linha editorial). Nesse sentido, a segmentação é um componente estratégico “ao conjugar e ‘avalizar’ escolhas e identificações de cada publicação, com fortes reflexos mercadológicos” (SCHWAAB, 2013, p. 67).

Exposta a ideia de instituição, é necessário ainda compreender que as revistas – e, inclusive, demais produtos jornalísticos de grande circulação – estão atrelados a importantes conglomerados de comunicação, no Brasil e no mundo. Foram esses grandes grupos comerciais os responsáveis pela profissionalização, modernização e importância econômica do mercado jornalístico (FIGARO, 2013). De acordo com Paulo Faustino (2004, apud FIGARO, 2013), “a concentração internacional das empresas de comunicação está expressa em cinco ou seis grupos empresariais internacionais, cada vez mais poderosos, que concentram 50% das receitas publicitárias e das grandes tiragens de jornais e revistas em todo o mundo”.

Conforme Anderson, Bell e Shirky (2012), jornais e revistas foram os primeiros veículos a serem “institucionalizados”, com a concepção de uma estrutura

compreendendo redatores, editores, casas editoriais e, mais tarde, ilustradores e diagramadores, além de todo o aparato necessário para sua produção. Em seguida, o rádio e a TV entraram nesse processo linear de produção, com a criação de categorias profissionais e práticas para dividir e sistematizar o trabalho que produziria as notícias

broadcast. Nesse processo, repórteres e editores reuniam fatos e observações,

transformando-os em reportagens, que no papel ou nas ondas de emissão de rádio e TV, eram consumidas pela audiência. Nesse ecossistema, figuras da grande mídia decidiam o quê iria ser consumido e quando.

Então, veio a internet, cuja lógica (que envolve replicação digital e nenhuma divisão entre produtores e consumidores) mexeu com os princípios institucionais da produção da notícia, modelo que perdurava há anos. O que configurou, com grande peso, o novo ecossistema da mídia foi o fato de que há maior envolvimento do público e, com isso, os processos se viram alterados, de acordo com a seguinte explicação dos pesquisadores:

O que é novo não é a possibilidade do envolvimento ocasional do cidadão. A novidade é a velocidade, escala e potência deste envolvimento. A possibilidade de uma persistente e dramática quantidade de participação de pessoas antes relegadas ao amplo consumo invisível. A novidade é que fazer declarações públicas não mais requer instituições ou editores profissionais (ANDERSON, BELL, SHIRKY, p. 80, 2012, tradução nossa52).

No entanto e a princípio, a concentração e o monopólio parecem não perder espaço com a incorporação das inovações tecnológicas pelo campo da comunicação e a possibilidade de voz ao cidadão. Pelo contrário, a convergência de meios aumenta a concentração das empresas de comunicação em nível nacional e internacional mundo afora, conforme esclarece Castells:

A formação destas redes globais de empresas multimídia tem sido possível graças às políticas públicas e às mudanças institucionais caracterizadas pela liberalização, privatização e desregulação regulada, nacional e internacionalmente, como consequência das políticas governamentais

52

“What’s new here isn’t the possibility of occasional citizen involvement. What’s new is the speed and scale and leverage of that involvement, the possibility of persistent, dramatic amounts of participation by people previously relegated to largely invisible consumption. What’s new is that making public statements no longer requires pre-existing outlets or professional publishers.”

favoráveis ao mercado que tem predominado a partir dos anos oitenta (2009, p. 90, tradução nossa53).

Tal agrupamento de empresas do setor, além de centralizar capital, desdobra-se na “falta de pluralidade de pontos de vista que circulam nos discursos das mídias” (FIGARO, 2013, p. 9). Figaro (2013) explica que, no Brasil, essas empresas são familiares, podem ter somente 30% de participação de capital externo, conforme a legislação, e também atuam em convergência de mídias (estando presentes nos meios impresso, audiovisual e internet).

Mesmo assim, a saúde financeira de muitas grandes instituições de mídia, tanto brasileiras quanto estrangeiras, vem sofrendo danos, principalmente no que diz respeito à venda de publicações impressas e distribuição de receita publicitária. Parte desse problema – que não é necessariamente recente – se deve à popularização de outras plataformas de comunicação (rádio, TV e, mais recentemente, internet) e aos novos hábitos sociais incorporados a partir delas. Ryberg (2010) explica como as mídias consideradas tradicionais buscam se encaixar nesse novo ambiente convergente:

Na internet, as empresas encontram nova concorrência. As possibilidades digitais fazem as diferentes instituições de mídia convergir. As revistas estão competindo não apenas com outras revistas de outros países, mas também com empresas de mídia que têm suas raízes em outra mídia antiga, como TV ou rádio. Na web, temos a convergência de mídia, o que significa que a mídia antiga fundiu-se. Por exemplo: uma estação de rádio na internet também usa texto e, em alguns casos, vídeo. Um jornal on-line pode usar vídeo e podcasts e um canal de televisão pode usar textos e fotos. Assim, uma mídia tradicional diferente surge quando chega ao digital. A convergência de mídia não apenas oferece às empresas de mídia mais concorrência, como também cria desafios internos quando transforma sua instituição em “jornalismo em plataformas cruzadas”. Isso se torna muito importante para que a empresa redefina quem ela própria é e quem é seu público (2010, p. 4, tradução nossa54).

53 “La formación de estas redes globales de empresas multimedia ha sido posible gracias a las políticas

públicas y los cambios institucionales caracterizados por la liberalización, la privatización y la desregulación regulada, nacional e internacionalmente, como consecuencia de las políticas gubernamentales favorables al mercado que han predominado a partir de los años ochenta.”

54 “On the Internet companies meet new competition. The digital possibilities make the different media

companies converge. The magazines are competing not only with other magazines from other countries but also with media companies that have their roots in another old media like TV or radio. On the web we have media convergence which means that the old media have merged together. For example a radio channel on Internet also uses text and in some cases video, an online newspaper can use video and podcasts and a television channel can use text and pictures. So the different traditional media emerge when they go digital. The media convergence not only give the media companies more competition but

Ao discorrer sobre possibilidades de modelos de negócios futuros do jornalismo investigativo (watchdog journalism), Mark Lee Hunter e Luk N. Van Wassenhove (2010) enumeram fatores que estão na raiz da crise na indústria da mídia. Na concepção dos autores, a principal causa é o ciclo vicioso de capacidade, conteúdo e credibilidade – que compreende a redução da influência e da capacidade da mídia em reter profissionais; depreciação do conteúdo (perda do valor agregado da notícia relacionada a determinado veículo de comunicação “respeitado”); diminuição das receitas (queda no investimento dos anunciantes e da audiência); e perda de credibilidade (acentuada pela crise financeira no setor). Citemos a seguir dois exemplos dos fatores expostos pelos autores, no que se refere à queda de receita e perda de credibilidade.

Com relação à perda de credibilidade, Hunter e Van Wassenhove (2010) mostram os resultados de duas pesquisas, uma realizada nos Estados Unidos e outra na França, sobre a questão. A primeira delas aponta que 74% dos norte-americanos acreditam que a grande mídia é influenciada por pessoas ou organizações de poder e apenas 20% creem que a mídia é independente. Em 1985, esses números eram, respectivamente, 53% e 37%. Já 66% dos franceses consideram que os jornalistas não são independentes dos poderes políticos ou comerciais.

Com isso, vê-se um crescimento do que os autores classificam como stakeholder

media (aquela que expressa e defende os interesses de comunidades específicas). De

acordo com eles, “a grande mídia está cada vez mais dependente da stakeholder media, como fontes de informação ou opinião. Como consequência, a grande mídia está alimentando a ‘tecnologia disruptiva’, que está comendo sua audiência” (HUNTER; VAN WASSENHOVE, 2010, p. 12, tradução nossa55).

Com relação à queda de receita, temos um exemplo brasileiro. De acordo com a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), a receita do setor totalizou R$ 790 milhões em 2013, o que representou uma queda de 8,7% em relação ao mesmo intervalo de 2012 (BOUÇAS, 2013).

also creates internal challenges when they have to transform their organization to ‘Cross platform journalism’. This will make it very important for the company to redefine who they are and who their audience is.”

55 “News media are increasingly dependent on stakeholder media, as sources of information or opinion. In

Antes disso, para conter a queda de vendas, muitas empresas colocaram no mercado, durante a década de 1990, produtos considerados “ anabolizantes”, fascículos que acompanham periodicamente o jornal, como enciclopédias e livros. Essas ações, apenas em curto prazo, ofereceram bons resultados de vendas:

A venda de fascículos integrada ao jornal passou a ser considerada um novo modelo de negócio para as empresas de comunicação, já que alguns anabolizantes passaram a ser produzidos internamente pelos grupos de comunicação, como as publicações do Publifolha, a divisão de publicações do grupo criada em 1995. Mas a estratégia de venda de fascículos, adotada com objetivo de estimular as vendas, apesar de ser mantida até hoje em várias partes do mundo, não foi sustentável. O que se observa é que as vendas em bancas regridem a cada término de campanha dos anabolizantes e as assinaturas – principal fonte de receita de vendas dos jornais (em média correspondem a 80% da receita de vendas) – continuam em queda (RIGHETTI; QUADROS, 2008, apud MATTOS, 2013, p. 22-23).

Outros meios de sobrevivência encontrados pelas empresas de mídia no Brasil, no início do século XXI, foram parcerias, fusões e aporte de capital estrangeiro. Exemplos disso são o fato de as Organizações Globo e o grupo Folha lançarem em conjunto o jornal Valor Econômico; e O Dia e o Jornal do Brasil passarem a ser impressos no mesmo parque gráfico (MATTOS, 2013). O Jornal do Brasil, mais tarde, seria pioneiro ao se lançar como o primeiro jornal on-line do País e deixar de circular na versão impressa, em 2010, oferecendo conteúdo pago pelo site (R$ 9,90 por mês, valor equivalente a 20% da assinatura da então versão impressa) – uma alternativa mais econômica em tempos de crise financeira na publicação.

Nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, a decadência dos jornais impressos parece mais acentuada. O site do jornal The New York Times publicou, em 7 de setembro de 2011, um infográfico56 que mostrava diversos jornais que haviam ido à falência ou estavam à venda, tais como The Minneapolis Star Tribune, The Chicago

Tribune, The Seattle Post-Intelligencer e The Miami Herald.

Por aqui, em 2013, o Grupo Estado encerrou as atividades d’O Jornal da Tarde. Em Campinas, interior de São Paulo, o Diário do Povo também colocou fim a sua edição impressa e agora só existe na internet. Em Natal, no Rio Grande Norte, o grupo Diários Associados decretou o fim da circulação em papel do Diário de Natal, que

56 Disponível em: <http://www.nytimes.com/interactive/2009/03/12/business/20090312-papers-

também terá apenas versão on-line. Também em 2013, a Editora Abril fechou três revistas (Gloss, Alfa e Lola) e demitiu cerca de 150 jornalistas.

As instituições que constituíram os tradicionais modelos de negócio do jornalismo impresso passaram, nas últimas décadas, a vê-los como ineficazes ou insuficientes e, então, começam a buscar novas maneiras de permanecerem no mercado – assim como estão fazendo profissionais de comunicação, de maneira independente.

Mais do que a distribuição da receita publicitária e a chegada de novas tecnologias, a decadência financeira dos tradicionais veículos impressos ainda deve-se ao fato de termos passado pelo período em que havia apenas os discursos e as versões da grande mídia. A internet permitiu a multiplicação de vozes, abrindo espaço para que qualquer indivíduo possa criar um site ou blog informativo e/ou opinativo, sem quaisquer ligações com grupos de mídia. Ao mesmo tempo, os veículos jornalísticos ligados a grandes empresas e estabelecidos no meio digital também tiveram de oferecer áreas para a publicação de comentários de seus leitores. O gráfico a seguir (gráfico 3) mostra um pouco dessa evolução ao ilustrar a mídia que obteve maior destaque nas últimas gerações, das revistas ilustradas da década de 1950, passando pelas redes de TV e a internet, até os dispositivos móveis e as redes sociais da atualidade.

Fonte: NEWTON, 2013, s/p (tradução nossa)

De modo geral, as pessoas começam a estabelecer novas formas de lidar com os produtos jornalísticos e as notícias em si, no que se estabelece como um novo ecossistema, ainda mais com a forte disseminação de sites de redes sociais, que ampliam a divulgação de notícias, conferindo-as valor a partir do momento em que pessoas indicam-nas e compartilham-nas em seus perfis. Ryberg (2010) fala do crescente aumento da importância da chamada mídia social nesse novo contexto de comunicação:

A mídia social está se tornando mais e mais importante e, em muitos produtos digitais, está agora sendo considerada uma imposição. As pessoas esperam poder facilmente recomendar artigos a amigos ou comentá-los. Na

web, as pessoas estão acostumadas não apenas a serem receptores de

informação, mas também coprodutores (2010, p. 4, tradução nossa57).

57 “Social media is becoming more and more important and in many digital products it is now considered

to be a hygiene factor. People expect to be able to easily recommend articles to friends or comment. On the web people are used to not only being receivers of information but also be co-producers.”

Sendo assim, é preciso mais do que simplesmente estar presente no ciberespaço, como fizeram as revistas e diversas outras publicações impressas em meados dos anos 1990, com a popularização da internet. Agora, além da rede mundial de computadores e de um público participativo, há cada vez mais opções de dispositivos móveis que dão acesso a milhares de informações onde quer que se esteja. Faz-se necessário, então, pensar em novas formas de sensibilizar, atrair e manter seu público – tanto comercialmente quanto no que se refere ao conteúdo.

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