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Paywall e a receita dos meios digitais

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CAPÍTULO III – NOVOS MODELOS DE NEGÓCIOS DO JORNALISMO

3. Inovação e novos modelos de negócios no jornalismo

3.1. Paywall e a receita dos meios digitais

Uma das opções que algumas instituições de mídia encontraram para se manter saudável economicamente foi o paywall – no qual o acesso é restrito a usuários que pagam uma assinatura ao site (OXFORD DICTIONARIES, on-line, tradução nossa62).

O jornal diário norte-americano The New York Times foi um dos pioneiros dessa iniciativa. Fundado em setembro de 1851, ele é um dos mais conceituados dos Estados Unidos, tendo ganhado 112 Pulitzer, o prêmio mais reconhecido do jornalismo no País. Vendido para a família Ochs-Sulzberger (uma das mais tradicionais dinastias de mídia impressa) em 1896, o jornal passou a integrar o conglomerado New York Times Company. Em 1996, o diário passou a ter presença na internet e, em 2009, sua página na web – já com 22 dos 50 mais populares blogs ligados a jornais – era o site de jornal mais acessado nos Estados Unidos.

Em uma primeira tentativa de mudança de modelo de negócio em 2005, o jornal decidiu oferecer conteúdo pago. Chamado de TimesSelect, o serviço cobrava 7,95 dólares ao mês ou 49,95 dólares ao ano para que o leitor tivesse acesso a colunas diárias exclusivas. Dois anos depois, após muitas críticas de leitores e blogueiros especializados e pressão do mercado (que via de forma negativa a cobrança de conteúdo em um site que, antes, era totalmente gratuito), o NYT desistiu de cobrar pelo acesso a áreas específicas de seu website. De acordo com artigo publicado no site da revista

Carta Capital (MARRA MENDONÇA, 2011, on-line), o TimesSelect foi extinto por

“não ter contado com a explosão dos anúncios on-line e o montante de leitores que chegava ao site via resultados de buscas, algo que fez a base de assinantes ‘digitais’ do jornal se tornar algo essencialmente irrelevante em termos de receitas.” Além disso, o jornal decidiu liberar o acesso a seus arquivos desde 1987, assim como as edições de 1851 a 1922, que já são consideradas de domínio público.

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Uma nova tentativa de cobrança de conteúdo (paywall) voltou a acontecer em março de 2011. Desta vez e desde então, os assinantes da versão impressa do jornal passaram a ter acesso gratuito a todo seu conteúdo digital. Sem pagar nada, os demais leitores podem acessar, no máximo, 20 artigos, fotos, vídeos ou outros materiais. Ultrapassando esse limite (que, depois de um tempo, caiu para 10), deverão desembolsar até 35 dólares mensais para continuar lendo o conteúdo disponível on-line, no site ou em dispositivos móveis.

Em abril de 2013, ao divulgar seu balanço do primeiro trimestre do ano (e uma queda na receita com relação ao mesmo período de 2012), o jornal anunciou novos serviços, que incluem pacotes de assinaturas mais baratos, tanto com conteúdo geral como segmentado (com opções divididas por assuntos como política, tecnologia, opinião, cultura etc), e outro pacote premium, com um custo mais elevado e que dá direito a conteúdo extra, planos familiares e acesso a eventos da empresa. Além disso, o grupo revelou estar investindo em estratégias de marketing para o público no exterior, além de novos métodos de pagamento e processamento de assinaturas estrangeiras. Um pouco antes disso, o grupo anunciou acesso totalmente gratuito a seus vídeos, devido ao patrocínio das empresas Microsoft e Acura.

Ao que tudo indica, essa nova estratégia tem trazido resultados financeiros positivos para o grupo The New York Times Company. Em 1º de agosto de 2013, o

NYT divulgou os números de seu faturamento digital (BLODGET, 2013, on-line): o site

arrecadou 200 milhões de dólares de receita de publicidade e um crescente montante de 150 milhões de dólares de assinaturas digitais. Segundo Henry Blodget, co-fundador, CEO e editor-chefe do site Business Insider, esses números tendem a continuar crescendo, o que mostra um cenário econômico bastante saudável para os negócios digitais do grupo:

Assumindo que a receita de assinaturas continue a crescer enquanto a empresa lança novos produtos à base de assinatura, a partir de abril [de 2014], New York Times Company deve, em breve, ter um negócio digital de 400 milhões de dólares. Por que isso significa que nunca teremos de temer com relação ao futuro do jornalismo de novo? Porque um negócio digital de 400 milhões de dólares é saudável e suportará uma redação grande e talentosa. Mesmo se a versão impressa do The New York Times, que ainda gera a maior parte da receita do grupo com cerca de 2 bilhões de dólares por

ano, fechar amanhã, a empresa ainda estará apta a financiar uma excelente redação (2013, on-line, tradução nossa63).

Visões otimistas como esta são sempre bem-vindas, entretanto, vale ressaltar que o público não aceitou facilmente ter de pagar pelo conteúdo on-line, tendo em vista que ainda há a necessidade de maturidade dos consumidores, já que, historicamente, o conteúdo on-line de veículos tradicionais sempre havia sido gratuito e pagar por ele significa esperar por melhor qualidade e aprofundamento dos temas.

Uma pesquisa realizada em 2012 por Jonathan Cook e Shahzeen Attari com relação à aceitação de pagamento por conteúdo que era gratuito demonstrou que, antes de assumir o modelo de paywall, a empresa deve justificar ao público o motivo desta decisão – o que, de acordo com os pesquisadores, não aconteceu no caso do The New

York Times. No estudo, quando eles simularam uma justificativa para os entrevistados,

um número maior de pessoas julgava “justo” o pagamento:

Nossas descobertas destacam como os usuários de internet se adaptam ao pagamento por bens e serviços que, antes, eram gratuitos. Este tipo de mudança exemplifica a internet moderna, na qual os negócios de mídia, inicialmente ávidos para marcar presença na web, agora lutam para gerar receita. Nesse sentido, nossa pesquisa é metodologicamente original, capturando uma significante mudança no mundo real – a implementação de assinaturas digitais por um dos mais visitados sites da internet – e seus desdobramentos. Nossos resultados implicam que muitos leitores do NYT resistiram ao paywall e que as percepções de integridade são chave para ajudar consumidores a se adaptar às mudanças abruptas no preço. Como outros provedores de conteúdo seguem o líder NYT, eles podem se beneficiar com justificativas persuasivas que convençam os consumidores com relação à necessidade financeira (COOK; ATTARI, 2012, p. 685, tradução nossa64).

63 “Assuming the digital subscription revenue continues to grow as the company rolls out new

subscription products, which it will start to do next April, the New York Times Company should soon have a $400 million digital business. Why does that mean we never have to worry about the future of journalism again? Because a $400 million digital business is a healthy business, one that will support a large, talented newsroom. Even if the New York Times' print paper, which still generates most of the company's overall revenue of about $2 billion a year, were to shut down tomorrow, the company would still be able to fund an excellent newsroom.”

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“Our findings highlight how Internet users adapt to paying for goods and services that were previously free. This type of change exemplifies the modern Internet, where businesses initially eager to create a Web presence now struggle to generate revenue. In this sense, our research is methodologically novel, capturing a significant real-world change—the implementation of digital subscriptions by one of the Internet’s most-visited sites—as it unfolded. Our results imply that many NYT readers resisted the newly implemented paywall and that perceptions of fairness are key to helping consumers adapt to abrupt changes in pricing. As other content providers follow the lead of the NYT, they may benefit from providing compelling justifications that convince consumers of financial necessity.”

Com o aumento das receitas advindas de paywall, parece que o The New York

Times aprendeu com os percalços iniciais e passou a justificar suas decisões de

mercado. No mesmo press release em que o grupo divulgou as novidades de serviços, em abril de 2013 – pouco mais de dois anos após a implantação do paywall – Mark Thompson, presidente e chefe-executivo do grupo, explicou que as iniciativas que estão sendo anunciadas devem ser vistas como um significativo primeiro passo no esforço de colocar a The New York Times Company no caminho do crescimento sustentável.

No Brasil, nove dos 30 maiores jornais já usam o sistema de paywall. São eles:

Folha de S. Paulo, O Globo, Valor Econômico, Correio Braziliense, Estado de Minas, Zero Hora, Gazeta do Povo, O Amarelinho e ABC Domingo. O Estado de S. Paulo

também já informou que adotará o modelo ao longo de 2014.

De acordo com a própria Folha de S. Paulo (FOLHA..., 2012, on-line), o jornal, assim como O Globo, exerce o modelo de paywall poroso, que permite o acesso gratuito a até 10 páginas mensais. Depois, é preciso fazer um cadastro para ler mais 10 reportagens, colunas ou galerias de fotos. Para ter acesso a todo o conteúdo on-line, paga-se uma mensalidade de R$ 29,90. De acordo com o mais recente relatório O

Estado da Mídia, do Centro de Pesquisa Pew, “no final de 2012 a proporção de jornais

americanos com assinaturas digitais já alcançava um terço do total” (COELHO, 2013,

on-line).

Uma pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo de Jornalismo (CONSUMIDORES..., 2013), da Universidade de Oxford, no Reino Unido, apontou que o percentual de leitores que afirmou ter pago por conteúdo digital em 2013 aumentou nos Estados Unidos de 9% para 12% em relação a 2012, assim como no Reino Unido (de 4% para 9%), na França (de 8% para 13%) e na Alemanha (de 6% para 10%). No Brasil (que não fez parte da pesquisa em 2012), o percentual de consumidores que disse ter pago por notícias digitais no último ano é o maior do ranking, 24%. Em seguida, vem a Itália, com 21%.

Dos entrevistados brasileiros que no momento não pagam por esse tipo de conteúdo, 58% afirmaram ter planos de consumir esse serviço no futuro. A média de

todos os países pesquisados foi de 14%. O estudo mostrou ainda que consumidores entre 25 e 34 anos se disseram mais propensos a pagar pelo conteúdo digital, e homens estão mais dispostos que mulheres.

No primeiro ano de paywall na Folha de S. Paulo (EM UM ANO..., 2013, on-

line), o número de visitantes do site cresceu 4%, o de páginas vistas subiu 15% e o de

assinantes totalmente digitais aumentou 189%. É importante lembrar, ainda, que a

Folha, além de ter mudado seu modelo de negócio on-line para paywall, integrou as

redações do jornal impresso e do conteúdo digital:

Como forma de reestruturação do modelo de negócio da organização, o jornal Folha de S. Paulo modificou sua estrutura organizacional em função da inclusão de um novo projeto gráfico e da mudança no modelo apresentado para o formato on-line. De acordo com dados obtidos na sede da empresa em São Paulo, a redação do impresso e do on-line, antes dividida em dois andares, se fundiu. A mudança atingiu física e estruturalmente a redação. Antes divididos em dois andares, hoje, a redação do on-line e do impresso encontram-se unidas. Um editor comanda a produção para ambas as plataformas e o repórter que produz a notícia para o impresso também fará as adaptações textuais necessárias para o on-line. Mudança no modelo e nas tarefas exercidas pelo profissional que hoje deve ficar atento a produção do fato desde o momento de seu acontecimento, até a divulgação em tempo real do mesmo (KALUME; FAVARO; MOLINARO, 2012, p. 4).

O modelo de O Globo (‘O GLOBO’..., 2013) também engloba mais do que o

paywall. Lançado em novembro de 2013, a estratégia de negócios do jornal contempla

pacotes de assinatura multiplataforma e um programa de benefícios por pontos (o Sou + Rio), nos moldes das companhias aéreas. Nos novos pacotes, o leitor terá acesso a todo o conteúdo, que inclui jornal diário, site, acesso ao acervo digitalizado desde 1925, o vespertino para tablet Globo a Mais, além de e-books. O Sou + Rio substitui o Clube do Assinante, que funcionava como um clube de desconto, e, agora, terá o perfil de um clube de privilégios. O cliente ganha pontos ao acessar conteúdos, comentar reportagens, enviar informações, fotos etc. Os pontos poderão ser trocados por entradas de cinemas e teatros, lugares privilegiados em espetáculos e produtos. Assim como na

Folha, a assinatura de todo os conteúdo digital custa R$ 29,90.

O novo modelo de negócio demandou o desenvolvimento de uma nova plataforma para dispositivos móveis. Antes disponível apenas para iPad, o novo critério inclui todos os celulares e tablets com os sistemas operacionais Android, do Google, e

iOS, da Apple. Um sistema também foi desenvolvido pela Adobe para permitir a leitura do jornal, inclusive no layout impresso, em qualquer um desses dispositivos.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico (‘O GLOBO’..., 2013), Marcello Moraes, diretor-geral de O Globo, afirmou que sua equipe concluiu que apenas o

paywall não era suficiente e que era preciso ofertar mais ao assinante, como é o caso do

programa de pontuação em troca de interatividade.

Assim como sugerem as inovações de O Globo, Folha de S. Paulo e The New

York Times, cada vez mais, os serviços pagos estão se adaptando às necessidades do

leitor, mostrando que, conforme o modelo de inovação disruptiva propõe, é preciso se ater aos anseios do leitor e, não, simplesmente, cobrar pelo uso sem justificativas.

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