• Nenhum resultado encontrado

Da sociedade analógica à sociedade em rede

No documento Download/Open (páginas 34-40)

CAPÍTULO II – CONTEXTOS MIDIÁTICOS

1. Da sociedade analógica à sociedade em rede

Parte da humanidade vive hoje na considerada sociedade em rede, termo cunhado pelo pesquisador espanhol Manuel Castells (2011) para descrever, de acordo com autores da área, um ambiente que, entre outros fatores, consiste em mudanças profundas e rápidas; no aumento da relevância da informação; na digitalização das relações sociais e das práticas de trabalho; na popularização de máquinas computacionais e de dispositivos móveis; na segmentação e personalização de conteúdos; e na convergência de meios de comunicação. Mas como se chegou até aqui? De que forma os seres humanos caminharam para alcançar o complexo panorama social onde atualmente se encontram?

Antes de adentrarmos no contexto do avanço das tecnologias e suas influências no dia a dia das pessoas e no campo da comunicação, é preciso compreender que durante a maior parte da História da humanidade, nossa sociedade foi conhecida como sendo analógica.

O termo analógico é comumente utilizado hoje em dia para se referir ao que não é digital, principalmente dentro do campo da tecnologia e da comunicação. Entretanto, faz-se necessária a sua compreensão etimológica, visto que, em Língua Portuguesa, analógico é algo “em que há analogia” que, por sua vez, é a “relação ou semelhança

entre coisas ou fatos” (Houaiss, on-line). Sendo assim, pode-se compreender que se está falando da interpretação direta de algo por meio do uso de analogia.

Na tecnologia analógica, por exemplo, uma onda sonora é registrada em sua forma original. Já na tecnologia digital, esta onda analógica é transformada em números, que são armazenados em dispositivos digitais – e não se degradam com o tempo e cujos dados podem ser processados.

Explicações técnicas à parte, nos primórdios da chamada sociedade analógica, os documentos eram registrados de modo artesanal, com a ajuda dos escribas, e, caso houvesse a necessidade de comunicação entre pessoas que estavam distantes entre si, as notícias chegavam por meio de um mensageiro, a pé ou a cavalo.

Já na era moderna, iniciada por volta da década de 1450 d.C., inovações esparsas começaram a se popularizar de modo tímido, mas de grande importância para o caminho que conduziu o homem até a sociedade em rede dos tempos atuais.

É deste período que data a invenção da prensa gráfica na Europa, por Johann Gutenberg, que usava tipos móveis de metal para a impressão. Briggs e Burke (2004) ressaltam que, na China e no Japão, a impressão já era praticada desde o século VIII utilizando-se um bloco de madeira entalhada, porém, “o procedimento era apropriado para culturas que empregavam milhares de ideogramas, e não um alfabeto de 20 ou 30 letras” (p. 26). A partir de então, a prática da impressão gráfica se espalhou pela Europa, na produção de livros e Bíblias.

Essa novidade para a época, junto de outras invenções como a bússola e a pólvora, mudou o estado das coisas, não somente por disseminar conhecimento em diversas classes sociais e mobilizar a área da educação (e deixar políticos e religiosos com medo de perderem sua voz de comando), como também abriu um novo campo para bibliotecários, e provocou a ameaça de fim de trabalho para os escribas. “Havia necessidade de novos métodos de administração da informação, assim como hoje em dia, nos primeiros tempos da internet” (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 29).

Neste novo contexto, os meios de transporte passaram a ter uma importância relevante, já que levaram os livros de um local para outro e, depois, cartas e jornais para os mais variados lugares, principalmente com o advento do sistema postal. A partir de

então, o mundo começava a “diminuir de tamanho”, no que Pierre Lévy (1999, p. 197) intitula de “reconexão da humanidade”, uma espécie de reagrupamento e reaproximação de pessoas que propiciaram a intensificação dos contatos interpessoais. Ele traça um paralelo entre os meios de transporte e comunicação para a compreensão desta ideia:

O progresso das técnicas de transporte e de comunicação é, ao mesmo tempo, motor e manifestação desse relacionamento generalizado. [...] A navegação de longo curso e a imprensa nascem juntas. O desenvolvimento dos correios estimula e utiliza a eficiência e a segurança das redes viárias. O telégrafo expande-se ao mesmo tempo que as ferrovias. O rádio e a televisão são contemporâneos do desenvolvimento da aviação e da exploração espacial. Os satélites lançados pelos foguetes estão a serviço das comunicações. A aventura dos computadores e do ciberespaço acompanha a banalização das viagens e do turismo, o desenvolvimento dos transportes aéreos, a extensão das auto-estradas e das linhas de trem de grande velocidade. O telefone móvel, o computador portátil, a conexão sem fio à internet, em breve generalizados, mostram que o crescimento da mobilidade física é indissociável do aperfeiçoamento das comunicações (1999, p. 199).

Essa comparação proposta por Lévy tem relação direta com o processo de globalização, profundamente analisado por Friedman (2007). O jornalista norte- americano sugere que o mundo tenha ficado “plano” após uma série de acontecimentos históricos que levaram à globalização pelo fato de eles terem nivelado países tão distintos, principalmente no contexto socioeconômico.

Para ele, a globalização atravessou três grandes períodos. O primeiro, de 1492 a 1800, quando os europeus inauguraram o comércio entre o Velho e o Novo Mundo, começando a “reduzir” o tamanho do mundo. O segundo, de 1800 a 2000, momento em que o mundo passou “do tamanho médio ao pequeno” com o crescimento da força de empresas multinacionais, a queda dos custos de transporte (devido ao motor a vapor e às ferrovias) e de comunicação (graças à difusão do telégrafo e, depois, da telefonia, dos satélites e dos cabos de fibra óptica). O terceiro concerne ao momento atual, no qual o mundo é “minúsculo” e plano. Neste habitat, um número cada vez maior de pessoas de todos os lugares do planeta se conecta rapidamente entre si – os indivíduos são os próprios agentes de transformação da sociedade.

Além disso, Friedman atribui cinco de seus dez “índices de nivelamento global” (p. 66) a questões envolvendo a comunicação e a tecnologia: o surgimento e a popularização da internet (e seu consequente papel na troca rápida de informações e arquivos), a criação do software (que permitiu que as máquinas conversassem entre si),

o advento do código aberto, o aumento da importância da própria informação em si e o uso de dispositivos móveis de uso pessoal (PDAs, na sigla em inglês).

Com base nesses autores, podemos afirmar que, ao longo dos tempos, as tecnologias exerceram influência sobre o campo da comunicação. Desde o surgimento do papel, e mais tarde, no século XV, com a prensa de tipos móveis de Gutenberg, os homens se utilizam de invenções de inúmeras áreas da ciência para explorar diferentes formas de se comunicar. E foi a partir da Revolução Industrial, que carregou consigo grande quantidade de inovações tecnológicas, que a área da comunicação se transformou consideravelmente. Com a eletricidade – que permitiu a codificação de mensagens em fios e a transformação da voz em sinais elétricos – veio o telégrafo elétrico que, mais tarde, permitiu o advento do rádio, do telefone e da televisão.

Em seguida, pouco antes de 1950, o transistor (componente eletrônico usado principalmente como amplificador e interruptor de sinais elétricos que foi um dos grandes responsáveis pela revolução da eletrônica na década de 1960) foi criado e aperfeiçoado pelo norte-americano William Shockley. Na mesma época, vieram os

chips, circuitos integrados que agregam os elementos principais de operação de um

computador dentro de uma minúscula unidade de processamento lógico. Cada vez menores (devido à forte tendência de miniaturização), os chips foram de extrema importância para a evolução e aperfeiçoamento de muitas tecnologias, sem contar a digitalização, ou a criação do sistema binário, que possibilitou a conversão de todos os sistemas anteriores para o formato digital.

Em paralelo a isso, passou-se a persistir a ideia de uma máquina universal, que conhecemos hoje como computador. O primeiro deles, Eniac, começou a ser projetado em 1943 para fins militares com o objetivo de realizar cálculos balísticos. Inaugurado em 1946, ele deu início ao que, em 1978, se transformou na comercialização de computadores para instituições de ensino, empresas e residências, quando essas máquinas passaram a ser chamadas de computadores pessoais (PC, na sigla em inglês), e ficaram ainda mais acessíveis com a utilização dos softwares:

O computador exerceu fundamental influência no processo de transformação social e na aceleração da mudança paradigmática que vivemos hoje. Por sua capacidade de atuar como aglutinador de outros meios e de sua capacidade sinérgica de se fazer presente na grande maioria das novas invenções da segunda metade deste século [XX], ele tem merecido um papel de destaque

no processo de análise dos fatores intervenientes na mudança (LIMA, 2000, p. 16).

Entretanto, a popularização do computador pessoal não seria de tamanha importância para a transformação da sociedade – agora não mais analógica – sem a

World Wide Web, que começou a ser projetada pelo britânico Tim Berners-Lee na

década de 1980 e se tornou realidade em 1991, quando nasceu o primeiro navegador com códigos abertos (FERRARI, 2003) para o acesso livre de qualquer pessoa no mundo que possuísse um computador e uma linha telefônica. Inicia-se, assim, o que pode ser denominado, como sociedade em rede, conforme Manuel Castells (2011) em obra de 1996 (A sociedade em rede), ou era da informação, de acordo com Alvin Toffler (2010) em texto de 1980 (A terceira onda) – e as duas estão relacionadas entre si, conforme exposto adiante.

Anteriormente a Friedman, Toffler descreveu as transformações na sociedade por meio de ondas. Ele também divide esse caminhar da humanidade em três momentos e, assim como o primeiro, destaca a ideia da importância da informação e as alterações que a velocidade dos acontecimentos e a quantidade de conteúdos estão causando na mente humana.

De acordo com Toffler, a Primeira Onda de mudança surgiu há 10 mil anos, com o advento da agricultura. A Segunda Onda veio há cerca de 300 anos, com a Revolução Industrial. Já a Terceira Onda de transformação é a que se vive atualmente, na qual a informação talvez tenha se tornado “o negócio mais importante e o que mais cresce no mundo e está mudando a psique do ser humano” (2010, p. 162). Para ele:

Nova informação nos chega e somos forçados a revisar o nosso arquivo de imagens continuamente, com uma frequência cada vez maior. Imagens mais antigas baseadas em realidade passada devem ser substituídas, pois, a não ser que as ponhamos em dia, nossas ações ficarão divorciadas da realidade e nos tornaremos progressivamente menos competentes. Nós a acharemos impossível de enfrentar. Essa aceleração do processamento da imagem dentro de nós significa que as imagens vão ficando cada vez mais temporárias. [...] Ideias, crenças e atitudes entram vertiginosamente na consciência, são impugnadas, desafiadas e, de repente, desvanecem-se no nada. Teorias científicas e psicológicas são derrubadas e suprimidas diariamente. Ideologias dissolvem-se. Celebridades saltitam fugazmente através da nossa consciência. Somos assaltados por contraditórios slogans políticos e morais. [...] a Terceira Onda faz mais do que simplesmente acelerar fluxos de informação; ela transforma a profunda estrutura de informação de que dependem nossas ações diárias (2010, p. 164).

Além das metamorfoses internas em cada ser humano, citadas por Toffler, há o que se pode chamar de nova estrutura social. Castells (2011, que cunhou o termo “sociedade em rede”, busca esclarecer esse momento em que “diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação” (p. 68).

Para definir o conceito de sociedade em rede, ele argumenta que “as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes” (p. 565). E Castells não se refere somente à rede mundial de computadores, a internet, mas também a estruturas relacionadas à sociedade e à economia como um todo:

Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos. São mercados de bolsas de valores e suas centrais de serviços auxiliares na rede dos fluxos financeiros globais. São conselhos nacionais de ministros e comissários europeus da rede política que governa a União Europeia. [...] São sistemas de televisão, estúdios de entretenimento, meios de computação gráfica, equipes para a cobertura jornalística e equipamentos móveis gerando, transmitindo e recebendo sinais na rede global da nova mídia no âmago da expressão cultural e da opinião pública, na era da informação. A topologia definida por redes determina que a distância (ou intensidade e frequência de interação) entre dois pontos (ou posições sociais) é menor (ou mais frequente, ou mais intensa), se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem à mesma rede. (2011, p. 566)

O autor ainda afirma que redes são estruturas abertas e, portanto, permitem expansão e inovações. Segundo ele, os conectores da rede são os “detentores do poder” e as conexões entre as redes e os fluxos de mensagens que passam por elas são fundamentais para a nova estrutura social.

Sendo assim, nada mais ocorre isoladamente. As redes estão por toda parte e nos inserimos nelas sem nos darmos conta. Ao estudar a “ciência das redes”, Albert-László Barabási (2009, p. 6) explica que “muitos eventos e fenômenos se acham conectados, são causados por um gama de outras partes de um complexo quebra-cabeça universal e com elas interagem. Começamos a perceber que vivemos em um mundo pequeno, em que tudo encandeia a tudo”.

É nesta complexa sociedade em rede, na qual a informação é prioridade, que a maior parte da humanidade encontra-se neste momento. Envolvidas em um processo de constantes transformações, as pessoas têm a necessidade de se adaptar rapidamente às

novidades que as tecnologias apresentam incansavelmente, incluindo mudanças comportamentais nos indivíduos.

Essas alterações sistemáticas exercem influência no campo da comunicação. Como visto, a área se apropria das novas tecnologias para o seu desenvolvimento. E, em uma sociedade em rede, a comunicação exerce papel relevante, já que sua matéria-prima é a informação. Nesta evolução da sociedade analógica para a sociedade em rede, configura-se, portanto, uma nova mídia.

No documento Download/Open (páginas 34-40)