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2.4. MÁXIMAS DA PROPORCIONALIDADE

2.4.2. A Necessidade

A segunda máxima da proporcionalidade é chamada necessidade, exigibilidade, intervenção mínima, indispensabilidade149. Por esse subprincípio, o poder público está obrigado a adotar, dentre aquelas medidas igualmente aptas à satisfação de um interesse, o meio menos gravoso, menos danoso a direitos fundamentais150.

Nesse passo, a verificação da necessidade impõe a perquirição de meios que sejam menos gravosos, meios alternativos ao escolhido pela autoridade. Um meio alternativo deve promover igualmente um interesse fundamental sem impor tão graves limitações a direitos fundamentais de terceiros. São duas, pois, as etapas de investigação. Inicialmente, deve-se verificar se os meios escolhido e alternativo são igualmente – in abstracto – idôneos para a promoção do interesse tutelado; posteriormente, verifica-se o grau de restrição dos direitos fundamentais151.

Passado o duplo exame, deve-se respeitar, sempre que possível, “a escolha da autoridade competente”, de modo que somente se admite a substituição se o meio alternativo for inequívoca e manifestamente mais adequado ou menos restritivo de direitos fundamentais. Isso em virtude de imposição da legalidade e da separação dos poderes. Conclui Humberto

147

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral... Op. Cit.. p. 81.

148

QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral... Op. Cit.. p. 33.

149

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. Cit.. p. 309-310.

150

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Op. Cit.. p. 220.

151

Ávila152: “na hipótese de normas gerais o meio necessário é aquele mais suave ou menos gravoso relativamente aos direitos fundamentais colaterais, para a média dos casos”.

No que toca à necessidade, trata-se de um juízo positivo. Isso porque não se procede, aqui, apenas à exclusão do meio indicado por ser ele inadequado ou inidôneo. Impõe-se, mais que uma simples refutação da medida escolhida pelo legislador ou administrador, a indicação de um meio alternativo igualmente idôneo e menos gravoso. Mais que isso, requer-se a fundamentação da troca, devendo o magistrado explicar porque o meio alternativo deve ser utilizado153.

Diferentemente do exame da adequação, não se procede, pela máxima da necessidade, a “uma simples eliminação de meios”. Trata-se da indicação de meios alternativos menos gravosos. Isso, contudo, não obriga o legislador categoricamente à adoção do meio que menos intensamente intervenha. O exame da necessidade apenas significa uma “vedação de sacrifícios desnecessários a direitos fundamentais”. Explica-se: há situações em que a medida escolhida e alternativa diferem não somente no grau de afetação de direitos fundamentais, mas também no grau de promoção do interesse154.

É exatamente aqui, para Humberto Ávila155, onde começam os problemas. É exatamente onde se inicia o processo de ponderação. Nesse processo de ponderação, entretanto, não se trata de verificar as possibilidades fáticas para a promoção de uma medida restritiva de direitos fundamentais. Isso porque não se ponderam a idoneidade do meio e a restrição por ele causada. Ponderam-se os bens, os interesses promovidos pela medida em questão com aqueles que por ela são sacrificados. É dizer, verificam-se as possibilidades jurídicas de implementação da medida.

2.4.2.1. Necessidade e intervenção mínima

Impende, neste tópico, fazer uma ligação com a teoria do direito penal para exemplificar a atuação da proporcionalidade na limitação do poder punitivo do Estado. Para tanto, pretende- se observar, na linha preconizada por Sebánstian Mello156, uma ligação intrínseca entre a máxima da necessidade e a intervenção mínima, também chamada de ultima ratio, princípio

152

ÁVILA, Humberto. Teoria… Op. Cit.. p. 171.

153

BARROS, Suzana de Toledo. Op. Cit.. p. 82.

154

ALEXY, Robert. Op. Cit.. p. 591.

155

ÁVILA, Humberto. Teoria… Op. Cit.. p. 172-173.

156

basilar do direito penal que engloba a fragmentariedade e a subsidiariedade da intervenção punitiva.

O direito penal contemporâneo, enquanto ciência penal, tem se desenvolvido, assim como a proporcionalidade, como uma tentativa de defesa de direitos fundamentais contra o poder punitivo do Estado, exercido, no mais das vezes, com arbítrio e tons de crueldade. Refere Luigi Ferrajoli157 que a pena criminal, já utilizada como castigo, expurgo do mal, proteção social e vingança privada ou socialmente organizada, revela que “a imaginação humana não tem tido limites nem freios para inventar as formas mais ferozes da pena de morte e em aplicá-la inclusive nas infrações mais leves”.

Em virtude da tendência natural do homem para o exercício do poder de forma arbitrária, a ciência penal foi cunhada, desde o humanismo de Beccaria, como um meio de limitar o poder punitivo e garantir os direitos fundamentais do acusado. Nesse passo que a visão retributivista da pena, como medida de justiça e retribuição do mal com o mal, foi refutada pelo direito penal moderno, que já não enxerga uma relação natural (inexorável ou causal) entre o crime e a pena. Esse fato, todavia, não retira do binômio crime/pena a necessária correspondência e proporcionalidade da fixação desta última na medida da culpa. Aliás, essa é uma exigência do direito penal158.

Isso garante à pena criminal moderna um caráter próprio: a necessária proporcionalidade entre a pena aplicada e a gravidade do crime cometido como reflexo da exigência de necessidade da própria intervenção penal. A sanção criminal deve ser aquela estritamente necessária nos limites da lei, fixada pelo legislador na “base da hierarquia dos bens e dos interesses eleitos por ele como merecedores de tutela”159.

Nessa linha, como assevera Paulo Queiroz, o fenômeno da criminalização de condutas também se submete ao princípio da intervenção mínima, uma vez que o direito penal age, de um lado, por meio da seleção fragmentária de condutas; e, de outro, como último recurso, ali onde os outros ramos não puderam tutelar direitos fundamentais com efetividade. Isso significa dizer que, em virtude de seu caráter de ultima ratio, o direito penal somente deve ser

157

FERRAJOLI, Luigi. Direito... Op. Cit.. p. 355.

158

FERRAJOLI, Luigi. Direito... Op. Cit.. p. 366.

159

utilizado quando fracassadas as demais instancias de controle social e proteção de bens jurídicos que sejam menos onerosas ou mais eficazes que a tutela penal160.

Nessa linha, reputando-se à máxima da necessidade expressa no art. 18º, 2 da Constituição Portuguesa161, Jorge de Figueiredo Dias162 esclarece que referida norma jurídica subordina a intervenção penal, obrigando a atuação do legislador criminal à salvaguarda de bens jurídicos constitucionalmente protegidos e limitando-o à atuação estritamente necessária a essa proteção. Dessa forma, somente se justificaria a intervenção penal quando houvesse razões de prevenção e tutela de bens jurídicos, especialmente razões de “prevenção geral de integração”, sem o que seria a criminalização exagerada e, portanto, desproporcional.

Nesse passo, a intervenção do braço penal do Estado deve ser mínima justamente porque sua atuação só se permite quando necessária. É dizer, a pena, como meio de promoção de um fim coletivo, somente será válida quando necessária, ou seja, quando não houver outra intervenção menos gravosa e igualmente idônea para a tutela de determinado bem jurídico. Obriga-se o Estado, por esse princípio, a adotar todas as medidas possíveis para resolver pacificamente o conflito sem prejuízo ou restrição de direitos fundamentais, que, no caso do direito penal, são restringidos de forma notadamente intensa163. Dessa forma, a adoção do direito penal como forma de controle social, em virtude mesmo da violência que lhe é inerente, depende da insuficiência da utilização de outros meios menos gravosos ou mais adequados. A utilização desmesurada e desnecessária do direito penal, assim, revela violação ao princípio da proporcionalidade164.

Em virtude disso, somente se pode concluir que a intervenção mínima, intrinsecamente ligada à máxima da necessidade, exige que o legislador, ao criminalizar condutas, examine a efetiva necessidade de intervenção penal, esgotando os meios menos gravosos (não penais) de solução do conflito. Exige, ainda, que o juiz, ao aplicar a pena, pondere o quantum efetivamente necessário para cumprir seus fins, não impondo ao apenado uma sanção que vá além das restrições admissíveis de direitos fundamentais. Funcionam, pois, a necessidade e a

160QUEIROZ, Paulo. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26. 161

Artigo 18.º Força jurídica - 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos

expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

162

DIAS, Jorge de Figueiredo. direito penal Português – Parte Geral II: Consequências jurídicas do crime. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 84.

163

MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O princípio... Op. Cit.. p. 10.

164

dignidade humana como critérios complementares que baseiam o programa de limitação das penas, por meio da restrição da criminalização e imposição de penas desnecessárias165.