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2.2. ORIGEM E CONCEITO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE

2.2.3. Proporcionalidade e razoabilidade

Consoante já aventado, proporcionalidade e razoabilidade são nomes diversos que se atribuem a sistemas de controle dos atos do poder público, conforme se extraia a sua gênese da matriz europeia continental ou norte-americana, respectivamente. Conquanto seja pacífico que se trata de meios de limitação da atividade legislativa e administrativa – ou seja, de controle do poder82 –, a doutrina diverge substancialmente acerca da definição de cada um e da efetiva coincidência de seus conceitos. É dizer, não há consenso quando se estudam razoabilidade e proporcionalidade: há quem defenda que são a mesma coisa; há quem defenda, por diversos motivos, que os institutos diferem substancialmente. Neste trabalho, pretende-se analisar as principais diferenças apontadas pela doutrina.

Para Luís Roberto Barroso83, apesar da gênese em sistemas diversos – como já se disse, europeu continental e norte-americano –, proporcionalidade e razoabilidade seriam “conceitos próximos o suficiente para serem intercambiáveis”, uma vez que se desenvolveram, ali e acolá, como máximas de controle e limitação do poder. Pontua o doutrinador, todavia, que, enquanto a trajetória da razoabilidade, no modelo americano, revela o controle de atos normativos, a proporcionalidade concebeu-se no direito administrativo, como sindicância de atos executivos. É dizer, ao buscar as raízes de cada instituto, o modelo americano tratava do controle de atos de criação do direito; já o modelo europeu atuava sobre os atos de sua concretização.

Também Suzana de Toledo Barros estuda essa ligação. Para ela, mesmo tendo se desenvolvido em matrizes e linhas diversas, há uma correspondência entre os institutos,

82

BARROS, Suzana de Toledo. Op. Cit.. p. 62-63.

83

apesar de não se confundirem84. Justamente pela diferente trajetória doutrinária, aponta a autora, nota-se uma distinção marcante entre os institutos: com a razoabilidade se verifica “uma pauta de valores da sociedade que os magistrados ocupam-se de traduzir”; já a proporcionalidade leva em conta uma ponderação na relação custo/benefício entre a medida restritiva de direitos e os fins por ela colimados85.

Já Eduardo Appio86, como visto, ressalta que a limitação dos atos de poder, nos Estados Unidos da América, foi derivada da cláusula do devido processo legal, que restringia a ação dos legisladores e administradores em dois sentidos: substância e procedimento. A razoabilidade, diz ele, se extrai do devido processo substantivo (substantive due process of

law) e é aplicada nos casos de regulação governamental de um direito considerado pela

Suprema Corte como fundamental. Segundo o autor, a razoabilidade é o meio pelo qual o Supremo Tribunal norte-americano se reserva a prerrogativa de “definir de que maneira os ônus estatais impostos para o exercício de um direito fundamental – como a privacidade – podem ser impostos aos cidadãos, sem que impliquem a pura e simples supressão do direito envolvido”87.

Criticando o Supremo Tribunal Federal, Eduardo Appio88 denuncia uma confusão entre proporcionalidade em sentido estrito e razoabilidade levada a cabo pela corte brasileira. Afirma, destarte, que se está “equiparando dois conceitos distintos”, uma vez que a proporcionalidade atua na ponderação entre dois valores constitucionais, ao passo que a razoabilidade está ligada à “proteção de um único e concreto valor”.

Humberto Ávila89, por seu turno, destaca três acepções para a razoabilidade: enquanto equidade, exige que as normas gerais tenham em conta as particularidades do caso concreto; enquanto congruência, impõe que as normas jurídicas tenham em conta a realidade, “o mundo ao qual elas fazem referência”; já enquanto equivalência, mede a relação entre duas grandezas. Nesse passo, tanto na acepção de congruência quanto na de equivalência, a razoabilidade se refere à relação entre medida adotada e critério utilizado. Desse modo, a razoabilidade-congruência exige que o critério distintivo de uma medida com ela se relacione;

84

BARROS, Suzana de Toledo. Op. Cit.. p. 59.

85

Id. Ibid.. p. 67.

86

APPIO, Eduardo. Op. Cit.. p. 138.

87

Id. Ibid.. p. 175.

88

Id. Ibid.. p. 181.

89

já a razoabilidade-equivalência impõe que o critério que dimensiona a medida com ela se identifique quantitativa e qualitativamente90. Conclui, assim, que a razoabilidade é uma relação entre “critério e medida, e não entre meio e fim”. Como a proporcionalidade se refere a uma relação de causalidade entre meio e fim, os institutos seriam distintos não só em sua gênese e desenvolvimento (sistemas europeu e americano), mas em sua própria estrutura91. Para Humberto Ávila92, a razoabilidade como equidade poderia até ser incluída no exame da proporcionalidade em sentido estrito, caso se compreenda nesta última “a ponderação dos vários interesses em conflito, inclusive dos interesses pessoais dos titulares dos direitos fundamentais restringidos”. Não é essa, contudo, a opção metodológica do autor em sua obra, já que defende expressamente serem os institutos diversos.

Por fim, importa relembrar Willis Santiago Guerra Filho93, que enxerga na proporcionalidade uma máxima de interpretação racional do direito, in verbis:

Que nossas palavras finais, então, se dirijam aos que, em nossa dogmática jurídica, especialmente, no campo do Direito Público, vem confundindo o princípio da proporcionalidade, de origem germânica, com um outro, de origem anglo-saxônica, aqui denominado, ao que parece por influencia argentina, “princípio da razoabilidade”, quando na própria tradição britânica se fala em “princípio da irrazoabilidade”. O emprego do princípio da proporcionalidade, como aqui se procurou evidenciar, não se destina a evitar que absurdos sejam perpetrados, na elaboração do Direito, mas sim que este seja interpretado e aplicado atendendo a um princípio de racionalidade, apto a determinar qual a melhor dentre as diversas interpretações possíveis, do pondo de vista da promoção simultânea e equânime do Estado de Direito e da Democracia, com a gama de direitos fundamentais e valores que lhes são inerentes, sendo esse mesmo compromisso com a racionalidade o principal de toda teoria, também no campo do Direito.

Do quanto exposto, conclui-se neste trabalho que os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, conquanto guardem uma similitude intrínseca, já que cunhados como meios de limitação do poder e garantia contra o arbítrio, foram delineados em contextos e sentidos distintos. Assumiram, em cada sistema particular, seus próprios contornos, de modo que não cabe tratá-los como sinônimos.

90

ÁVILA, Humberto. Teoria… Op. Cit.. p. 159-160.

91

Id. Ibid.. p. 159.

92

Id. Ibid.. p. 160.

93