• Nenhum resultado encontrado

2.4. MÁXIMAS DA PROPORCIONALIDADE

2.4.3. A proporcionalidade em sentido estrito

Verificada a existência de meios que diferem não só no grau de restrição a direitos fundamentais, mas também no grau de promoção de um interesse fundamental; ou, ainda, verificado um “desequilíbrio na relação meio-fim”, não se trata mais de perquirir as possibilidades fáticas de uma medida. O que se exige, pois, não é a adequação do meio para a promoção do fim almejado, ou, ainda, a necessidade desse meio em face da inexistência de alternativa menos gravosa. Como bem ensina Suzana de Toledo Barros166, a questão aqui é a “precedência de um bem ou interesse sobre o outro”.

Com a análise da precedência de um bem sobre outro, ingressa-se no campo da

proporcionalidade em sentido estrito, que reflete o sopesamento dos interesses em jogo. É

dizer, “pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”167.

Para Dirley da Cunha Júnior, “deve-se encontrar um equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação do poder público e a providência por ele tomada na consecução dos fins almejados”. Ao colocar na balança os meios e os fins, deve-se equacioná-los, verificando até que ponto se pode sacrificar um bem em benefício de outro168.

É exatamente esse o exame feito por Humberto Ávila, que refere ser a medida comumente adotada em prol da consecução de um interesse coletivo. Tratar-se-ia de um fim público. Sua promoção, todavia, costuma gerar “efeitos colaterais” que incidem diretamente sobre direitos fundamentais do cidadão. No exame da proporcionalidade em sentido estrito, exige-se “a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais”169.

Robert Alexy, por seu turno, identifica a proporcionalidade em sentido estrito com a lei do sopesamento, que posteriormente será estudada, uma vez que significa a mútua otimização dos princípios. Pela lei do sopesamento, que funciona como uma verdadeira balança de

165

FERRAJOLI, Luigi. Direito... Op. Cit.. p. 364/365.

166

BARROS, Suzana de Toledo. Op. Cit.. p. 85.

167

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Op. Cit.. p. 310.

168

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Op. Cit.. p. 220.

169

interesses, se expressa que “quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”170.

2.4.3.1. Proporcionalidade em sentido estrito: ponderação de bens protegido e sacrificado no âmbito penal e intervenção mínima

Já se viu que, em virtude da necessária adequação da intervenção estatal, somente se pode falar em tutela penal quando esta se mostrar adequada à proteção de bens jurídicos constitucionalmente protegidos. Viu-se, ainda, que a tutela penal é subsidiária e somente se justifica quando se verifique a necessidade de proteção de um bem jurídico cuja tutela por outros ramos do direito não se mostre suficiente.

Não basta, contudo, para justificar a intervenção penal, que se trate de tutela de bens jurídico- penais constitucionalmente protegidos, tampouco que hajam sucumbido em sua proteção os demais ramos do direito.

Isso porque, como observa Luís Greco171, todo tipo penal, numa perspectiva dogmática, tutela algum bem jurídico. De ordinário, ainda, tratar-se-á de um valor constitucionalmente protegido e de certa relevância para a ordem constitucional. Partindo-se, pois, de uma análise simples, a mera decisão do legislador penal de proteger determinado bem jurídico seria suficiente, face à máxima da adequação, para que fosse idônea a intervenção penal.

O direito penal, todavia, não deve tutelar todos os bens jurídicos. Deve o legislador, em verdade, para embasar sua decisão sobre a criminalização ou não de determinada conduta, atender a critérios de relevância do bem jurídico tutelado e de intensidade da lesão provocada por uma tal conduta. É dizer, não se devem proteger todos os bens jurídicos, mas apenas os de maior importância. Ademais, a proteção de tais bens pelo direito penal se deve restringir àqueles atentados mais intensos, que não podem ser tolerados pelo direito172.

Inicialmente, portanto, deve-se partir da Constituição, que seleciona os bens jurídicos mais importantes e que merecem a tutela penal, o que significa que se deve sempre partir do âmbito de tutela que foi garantido pelo constituinte a determinado bem ou interesse fundamental para

170

ALEXY, Robert. Op. Cit.. p. 593.

171

GRECO, Luís. Princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato – uma introdução ao debate sobre o

bem jurídico e as estruturas do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 49. jul./ago. 2004, São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004. p.94.

172

decidir sobre a necessidade de sua criminalização173. Ademais, deve-se levar em conta o princípio da intervenção mínima do direito penal, que deriva da natureza da sanção aplicada em virtude da realização do fato típico. É dizer, tendo em vista o fato de que a consequência jurídica do crime é uma restrição especialmente grave aos direitos do apenado, a intervenção penal não se justifica para a tutela de qualquer bem jurídico, ainda que tenha sido constitucionalmente protegido174.

Não se pode, portanto, concluir pela ampla liberdade do legislador para intervir na liberdade dos cidadãos, especialmente quando se trate de restrição por meio da sanção penal. Em virtude disso, Alice Bianchini175 chama a atenção para o conflito entre proteção penal de bens por meio do sacrifício de direitos individuais. Cuida-se, pois, da conhecida relação meio e fim já tratada neste trabalho, estrutura do princípio da proporcionalidade. É dizer, impõe-se não somente a definição dos bens jurídicos que serão objeto de tutela penal, mas a “averiguação da relação custo/benefício que tal intervenção provoca”, com análise efetiva de quais são os efeitos de determinada criminalização, tendo em vista a prevalência dos interesses em jogo. Verifica-se, assim, que o legislador está, em virtude do princípio da proporcionalidade, vinculado à ponderação entre os interesses ao criminalizar uma conduta e cominar-lhe determinada pena. Não se podem tipificar fatos de forma aleatória, sem que se proceda ao sopesamento dos bens jurídicos em jogo.

É verdade que a seleção dos bens jurídico-penais decorre de políticas criminais determinadas pelos representantes do povo, de modo que, a priori, é exatamente o legislador o responsável por defini-los176. Há, contudo, critérios para sua seleção, de modo que não se pode deferir ao legislativo uma discricionariedade absoluta na seleção de bens e, principalmente na forma e intensidade da criminalização.

Nesse passo, como lecionam Alice Bianchini, Antônio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes177, a definição dos bens constitucionalmente protegidos como “bens jurídico-penais” exige que se trate de bens existenciais – ligados, pois, à dignidade humana –, que tenham sido positivamente valorados pelo Direito e que tenham sido tutelados por uma norma de direito

173MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O conceito material de culpabilidade. Salvador: JusPodivm,

2010. p. 68.

174

GRECO, Luís. Op. Cit.. p.100.

175

BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 20.

176

BIANCHINI, Alice; MOLINA, Antônio García-Pablos de, GOMES, Luiz Flávio. direito penal: introdução e

princípios fundamentais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.236.

177

penal. Há, aqui, portanto, uma restrição à liberdade do legislador em escolher os bens a serem protegidos e a forma de sua proteção. Não basta que haja norma penal e que ela faça referência à tutela de um bem jurídico. Exige-se que haja equilíbrio na relação entre a tutela e a importância (existencialidade e valoração positiva) do bem escolhido, tal qual se deve observar na análise de qualquer medida estatal no campo dos direitos fundamentais, sob pena de afronta à proporcionalidade em sentido estrito.

Exatamente por isso, Sebástian Mello observa que o direito penal caminha, hoje, “entre a proporcionalidade e o abuso, entre a justiça e o excesso”178. Dessa forma, cabe ao magistrado essa valoração no caso concreto, de modo que se lhe impõe a revisão da ponderação de interesses no momento da análise da tipicidade material da conduta, bem como da aplicação da sanção, sob pena de se chancelarem, no âmbito judiciário, ponderações equivocadas e valorações desproporcionais, em descompasso com a realidade sobre a qual o direito atua179.