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4. O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE: ANÁLISE DA LEI Nº 898/65

4.4. A RESPONSABILIDADE PENAL

4.4.3. Natureza de crime de menor potencial ofensivo e aplicabilidade da Lei dos

Questão importante a ser debatida quanto aos crimes de abuso de autoridade é a sua natureza de crime de menor potencial ofensivo e a consequente aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) e da Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01). É sabido que a Lei dos Juizados foi editada para regulamentar o art. 98, I da Constituição Federal576, inaugurando diversos institutos criados para diminuir a crescente taxa de encarceramento e dar maior proporcionalidade às punições.

Nesse contexto, a redação original do art. 61 Lei nº 9.099/95577 considerava crimes de menor potencial ofensivo as infrações cuja pena máxima não excedesse a um ano. Havia, contudo, uma ressalva de inaplicabilidade do procedimento sumaríssimo e de todas suas inovações

573

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Op. Cit.. p. 94.

574

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Op. Cit.. p. 210.

575

FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS Vladimir Passos de. Op. Cit.. p. 110-112.

576Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

577

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. (redação original)

àqueles crimes para os quais lei especial tivesse prescrito procedimento próprio. Desse modo, conquanto a pena máxima prevista pela Lei nº 4.898/65 para os crimes de abuso de autoridade fosse de seis meses de detenção, desde a edição da Lei dos Juizados Especiais, era consenso doutrinário a sua inaplicabilidade aos crimes tipificados nos art. 3º e 4º da Lei de Abuso de Autoridade, motivo por que não caberia, por exemplo, a transação penal578.

Interpretação diversa, contudo, foi dada à hipótese de aplicabilidade da suspensão condicional do processo. Isso porque, nos termos do art. 89 da Lei dos Juizados579, referido instituto se aplica aos crimes cuja pena mínima não exceda a um ano, independentemente de estarem ou não submetidos ao rito especial das infrações de menor potencial ofensivo. Dessa forma, mesmo que não aplicável o procedimento sumaríssimo dos juizados aos delitos de abuso de autoridade, impor-se-ia ao representante do Ministério Público, por ocasião da denúncia, manifestação acerca do sursis processual, propondo-o ou expondo os motivos para a não proposição580. Não era outra a orientação da jurisprudência dos tribunais superiores. Tanto o Supremo Tribunal Federal581 quanto o Superior Tribunal de Justiça582 se inclinaram no sentido de admitir como obrigatória a manifestação do Promotor de Justiça quanto à possibilidade de suspensão condicional do processo penal, ainda que não se tratasse de crime sujeito à competência dos Juizados Especiais Criminais.

578

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Op. Cit.. p. 215-216; FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS Vladimir Passos de. Op. Cit.. p. 129.

579

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

580

FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS Vladimir Passos de. Op. Cit.. p. 145.

581

III. Suspensão condicional do processo (L. 9.099/95, art. 89): aplicabilidade do instituto a quaisquer processos por crime a que cominada pena não superior a um ano, ainda quando subtraído à competência do Juizado Especial porque sujeito a procedimento especial, caso do crime de imprensa.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 77962: Ementa. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 11/12/1998. Disponível em

“http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2877962%2ENUME%2E+OU+77962 %2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos”, acesso em 13 jun. 2012).

582

No que tange à possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo (art.89, da Lei 9.099/95) ao crime de abuso de autoridade, que possui procedimento especial, cabe ressaltar que não segue a regra acima exposta. Isso porque, neste ponto, a norma estende a sua aplicação aos "crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não por esta Lei" (grifo não original). [...] De fato, a suspensão condicional do processo é perfeitamente aplicável ao delito em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, ainda que se trate de crime de rito especial, como, in casu, o crime de abuso de autoridade.

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 12040: Voto condutor. Rel. Min. Jorge Scartezzini. Julgamento em 28/08/2002. Disponível em

“https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMGD?seq=5490&nreg=200101533642&dt=20020826&for mato=PDF”, acesso em 13 jun. 2012).

Em 2001, entretanto, com a edição da Lei dos Juizados Especiais Federais, passou-se a discutir a revisão desse posicionamento. Isso porque o art. 2º da Lei nº 10.259/01583, em sua redação original, fixou como sujeitos à competência Federal dos Juizados as infrações cuja pena máxima não excedesse a dois anos, sem qualquer ressalva à legislação especial. Nesse passo, passou-se a sustentar a revogação tácita do art. 61 da Lei nº 9.099/95, seja no quantum da pena máxima a determinar o rito sumaríssimo, seja no alcance da competência dos Juizados sobre o julgamento dos crimes para os quais lei especial tivesse prescrito procedimento próprio584. Por fim, em 2006, com a edição da Lei nº 11.313/06, que deu nova vigência aos art. 60 e 61 da Lei nº 9.099/95585 e ao art. 2º da Lei nº 10.259/01586, pacificou-se o entendimento de que o rito sumaríssimo se aplica a todos os crimes de menor potencial ofensivo, ainda que haja sido prescrito procedimento próprio pela lei especial, de modo que os crimes de abuso de autoridade passaram a ser processados também pelos Juizados Especiais Criminais587. Nessa linha, aliás, se orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante se verifica do julgamento do Habeas Corpus nº 59.591/RN, de relatoria do Min. Felix Fischer e do Habeas Corpus nº 163.282/RO588, de relatoria do Min. Arnaldo Esteves Lima, em que se fixou a aplicação do procedimento sumaríssimo, “independentemente de a infração possuir rito especial”.

583

Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. (redação original)

584

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Op. Cit.. p. 216.

585

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (redação dada pela Lei nº 11.313/06)

586

Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (redação dada pela Lei nº 11.313/06)

587

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Op. Cit.. p. 216-217.

588

"Com o advento da Lei nº 11.313/2006, que modificou a redação do art. 61 da Lei nº 9.099/95 e consolidou entendimento já firmado nesta Corte, "consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa', independentemente de a infração possuir rito especial" (HC 59.591/RN, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 4/9/06).(HC 163.282/RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 21/06/2010)

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 163282: Ementa. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgamento em 15/05/2010. Disponível em

“https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000317337&dt_publicacao=21/06/2010”, acesso em 13 jun. 2012).