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2.7 LACUNAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.7.2 A norma geral exclusiva e a norma geral inclusiva

O desenvolvimento da teoria da norma geral exclusiva surgiu para justificar a ausência de um espaço jurídico vazio, e defender a existência de um espaço jurídico pleno. Segundo essa teoria, a norma jurídica que disciplina uma conduta não se limita apenas à regulação das consequências jurídicas para aquele comportamento, mas, ao mesmo tempo, regula a disciplina de todos os outros comportamentos. Os comportamentos não compreendidos em norma particular são disciplinados por uma norma geral exclusiva, isto é, por uma norma que exclui (exclusiva) de todos os comportamentos (geral) não previstos pela norma particular, as consequências jurídicas prescritas por esta. Assim, as normas jurídicas não nascem sozinhas, mas aos pares:

para uma norma particular inclusiva, há uma norma geral exclusiva. Assim, não há como se falar em espaço jurídico vazio, mas em toda uma esfera de condutas disciplinadas por normas gerais exclusivas.150

Norberto Bobbio critica a tese do espaço jurídico vazio, na medida em que chama atenção para o fato de que no ordenamento jurídico não existem apenas normas gerais exclusivas, mas também normas gerais inclusivas. As normas gerais inclusivas regulam os casos não compreendidos nas normas particulares, de modo semelhante e idêntico a estas últimas. Diante de uma lacuna, se for aplicada uma norma geral exclusiva, o caso não regulamentado será resolvido de maneira oposta à norma específica inclusiva. Se for utilizada uma norma geral inclusiva, o caso será resolvido de maneira idêntica ao regulamentado.151

148 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002. p. 140-141.

149 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 205.

150 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 132-133.

151 Ibidem, p. 133-135.

Nessa mesma linha, Lourival Vilanova aponta que a proposição “o que não está proibido, está permitido”, é uma norma geral exclusiva ou excludente (terminologia adotada por Norberto Bobbio), ou uma norma geral negativa (terminologia utilizada por Hans Kelsen), que exclui do campo do proibido qualquer outro comportamento possível, dando conta do universo da conduta. A proposição geral exclusiva (ou norma geral negativa) abrange o conjunto complemento, que somada ao conjunto das condutas proibidas, perfaz todo o universo da conduta. A norma-geral excludente abrange as restantes possibilidades não reguladas pela norma proibitiva ou ordenatória (obrigação de omitir). Todavia, ela somente pode ser obtida com base não apenas em uma norma ou algumas normas proibitivas, mas a partir do conjunto exaustivo de todas as normas proibitivas do sistema, para se poder aplicar o argumento a contrario sensu.152

Para Hans Kelsen, a norma geral negativa é proposição normativa que confere fechamento ou completude ao sistema de normas jurídicas. O caso que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. Qualquer que seja a conduta, se esta não pertence à classe das condutas proibidas, pertencem à classe das permitidas, em razão de uma norma geral negativa que exclui outras limitações à liberdade juridicamente qualificada, ou seja, exceto nos casos previstos de proibição, nos demais não deve ocorrer a limitação proibitiva. Para o jurista alemão, decorre da modalidade negativa ou indireta do sistema jurídico disciplinar a conduta. Não se cogita de uma exceção à uma norma proibitiva, ou seja, não pressupõe prévia e explícita vedação de conduta, na qual a permissão representa uma exceção decorrente de uma norma permissiva expressa do sistema.153 A permissão positiva é norma que excetua uma subclasse de ações de uma norma geral proibitiva, sendo uma norma particular ou de conteúdo especificado. A permissão negativa, por sua vez, é aquela decorrente da ausência de norma válida específica que tenha uma certa conduta como seu objeto. Em outras palavras, a conduta não está proibida, nem obrigada (tanto a sua realização quanto a sua omissão), e nem está positivamente permitida por norma expressa específica. Logo, o que não está expressamente regulado, está negativamente permitido.154

152 Apenas com a listagem esgotante de todas as proposições normativas que proíbem condutas é que justifica o “se e somente se” da implicação intensiva, legitimando, assim, o argumento a contrario.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 226, 229.

153 Ibidem, p. 228-229.

154 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Fabris, 1986. p. 123-125; KELSEN, Hans.

Teoria Pura do Direito. 7. ed. Almedina: Coimbra, 2008. p. 275-278.

Desse modo, como explica Lourival Vilanova, a permissão negativa é obtida, dentro do universo da conduta, como um complemento da soma das condutas proibidas, obrigatórias e permissivas positivas. O que não estiver previsto ou disciplinado de modo expresso, está permitido por meio de norma geral negativa. Isto é, está permitido fazer tudo o que não estiver proibido diretamente. Pela tese do espaço jurídico vazio, a decisão do juiz seria um “juízo jurídico negativo”, que apenas remete a conduta a uma área de liberdade factual, a um espaço jurídico neutro e indiferente, reconhecendo que o fato não se inclui na hipótese de norma. Contudo, a decisão na qual o juiz se vale da norma geral negativa para solucionar um caso controvertido, possui caráter prescritivo, ingressando no sistema e revestindo-se de concreção significativa. A norma geral negativa vem abranger as possíveis condutas não reguladas por proibições, obrigações e permissões positivas, trazendo-as para o mundo jurídico. Então, toda conduta, como relação humana intersubjetiva, é conduta juridicamente qualificada.155

Contudo, a permissão negativa apenas concede a conduta lícita, que vale intersubjetivamente, isto é, ninguém pode impedir ou exigir, juridicamente, a ação ou omissão permitida por norma geral negativa. Trata-se de permissão de conduta apenas ao que não está positivamente proibido. Não habilita ou confere poder para exigir o cumprimento de obrigações, nem constituir ou desconstituir relações jurídicas. Em outras palavras, a permissão negativa não confere competência, ou habilitação, ou poder, no sentido do direito subjetivo, com conteúdo determinado. A permissão negativa apenas confere uma faculdade de fazer ou omitir o que não está positivamente proibido.156

Segundo Lourival Vilanova, o dever-ser da norma geral negativa manifesta-se de modo mais débil, apenas delimitando a órbita da conduta lícita, juridicamente tutelada, mas que não tem o conteúdo determinado. O que se pode fazer somente encontra limitação no que está expressamente proibido e obrigado. Nessa linha,

“qualquer que seja a conduta está juridicamente qualificada, o que não importa em completude ou ausência de lacunas (técnicas, intrasistêmicas), no ordenamento positivo”.157 A permissão concedida por norma geral negativa, que é norma de Direito

155 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 229-230, 232, 235-236.

156 Ibidem, p. 235-236.

157 Ibidem, p. 246.

Positivo e pertencente ao sistema, ainda que implicitamente, é de liberdade jurídica, de liberdade no interior do sistema jurídico.158

Portanto, o ordenamento não está livre de lacunas. Não é completo, mas completável. A decisão judicial continua o processo de criação de normas, contudo, há limitações à decidibilidade normativa dos órgãos de aplicação do Direito. Como explica Norberto Bobbio, em aprofundamento sobre o conceito de lacuna, é possível que um caso não regulamentado ofereça duas soluções possíveis e a decisão caiba ao intérprete.

A lacuna consiste justamente no fato de haver uma imprecisão no ordenamento jurídico acerca de qual a solução a ser adotada. Nessa linha, “a lacuna se verifica pela falta de um critério para a escolha de qual das duas regras gerais, a exclusiva ou a inclusiva, deva ser aplicada”.159

A lacuna reside não na ausência de uma norma em si, mas na ausência de um critério de decisão. A incompletude do ordenamento se revela quando a solução não é óbvia, no sentido de que não se poder tirar do ordenamento nem uma solução e nem a solução oposta. Contudo, em muitos casos não regulamentados, Bobbio explica que se não houver outra norma a ser aplicada, a não ser a norma geral exclusiva, a solução será no sentido oposto ao efetivamente regulamentado pelo Direito. Assim, havendo para um caso não regulamentado apenas uma única solução, como a aplicação da norma geral exclusiva (como ocorre no Direito Penal e no Direito Tributário), onde a aplicação analógica não é permitida, pode-se que dizer que não há lacunas.160

Nesse particular, Lourival Vilanova aduz à análise de Bobbio que a norma geral excludente não remete necessariamente o caso não previsto em norma particular includente a um regime jurídico em tudo oposto. A norma excludente pode levar a duas soluções: regula em sentido oposto os casos não expressamente ou implicitamente previstos; exclui os casos de qualquer normação, devolvendo a um espaço juridicamente neutro. Do ponto de vista lógico, é possível que a norma geral excludente possa desqualificar deonticamente o casos não regulados por normas particulares específicas.161

2.7.3 Lacunas políticas, ideológicas ou axiológicas

158 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4 ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 245-246.

159 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 138.

160 Ibidem, p. 139.

161 VILANOVA, op. cit., p. 220-221.