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A norma geral exclusiva no Direito tributário: o argumento a contrario sensu

2.7 LACUNAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.7.4 A norma geral exclusiva no Direito tributário: o argumento a contrario sensu

O emprego do argumento em sentido contrário busca, a partir do fato de que uma norma inclui uma determinada conduta em um modo deôntico, exclui do seu âmbito de validade qualquer outra conduta. Assim, ante os casos não previstos ou não expressamente regulados, o aplicador, mediante o argumento a contrario sensu, os exclui do âmbito de validade de norma, considerando que o sistema disciplina diversamente o diverso, ainda que exista similitude entre o caso não previsto e o caso expressamente regulado.166

Lourival Vilanova, ancorado nas lições de Ulrich Klug, explica que quando a implicação da norma jurídica é intensiva, o argumento a contrario sensu é válido. A norma jurídica é uma proposição implicacional: “dado um antecedente, então dever-ser um consequente”. A implicação é intensiva quando um e somente um antecedente implica um consequente. Isto é, a hipótese é condição necessária e suficiente para o consequente. Não há outros antecedentes que possam desencadear o mesmo consequente.Desse modo, há um vínculo de co-implicação no qual é possível se obter o argumento a contrario sensu: se A então C, logo se não-A, então não-C. Em outras palavras, se a conduta A não está proibida, qualquer conduta não-A está não proibida, estando, assim, permitida.167 É o caso da norma jurídica tributária em sentido estrito.

É nessa linha que Alberto Xavier, em razão do princípio da tipicidade (o autor usa “tipicidade” e “tipo” em sentido impróprio, como será visto), especialmente, um dos seus corolários, qual seja, o princípio da taxatividade (ou princípio do numerus clausus), defende que a livre capacidade de valoração e de decisão do órgão de aplicação do Direito no campo tributário é limitada, de modo que se embarga a possibilidade do emprego da analogia e a possibilidade de que novas situações, não previstas

166 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 217.

167 Ibidem, p. 217-220.

expressamente pela lei, sejam tributadas por vontade do administrador ou do juiz. Dada a implicação intensiva da norma jurídica tributária em sentido estrito, os elementos do tipo tributário enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas necessários, para a produção dos efeitos jurídicos prescritos no consequente. 168 Em razão dessa tipologia taxativa, segundo Xavier, não seria possível falar no âmbito do Direito Tributário, em lacunas. Somente se pode falar em lacunas nos domínios do Direito em que há a pretensão de uma regulamentação totalizante. Onde há a previsão do princípio da tipicidade, como o caso do Direito Tributário, não há essa intenção, não sendo cabível falar na existência de lacunas.169

O emprego da analogia importa em uma atividade criativa que não é idêntica à criatividade da lei, que é originária, mas trata-se de uma atividade criativa secundária ou complementar. Embora seja uma atividade criativa que possua limitações, a analogia é objeto de vedação nos setores do Direito em que impera a legalidade e a tipicidade, em razão do seu subjetivismo que amesquinha a segurança jurídica e a estrita separação dos poderes. Nesses terrenos onde a analogia não é aplicável, prevalece o argumento a contrario. O que importa nessa análise é saber se em relação à certa norma ou certo conjunto de normas, a ordem jurídica é favorável ou não a sua expansibilidade, buscando regular casos semelhantes, ou se a ordem jurídica é favorável à sua rigidez, delimitando precisamente a aplicação das normas às situações rigorosamente identificadas, afastando a mera semelhança como critério de solução. A norma jurídica tributária em sentido estrito compreende a essa última categoria, não sendo o caso de se cogitar da existência de lacunas. Há setores que não possui essa pretensão regulatória totalizante, de modo que, a ausência de uma lei que discipline um caso específico consiste em uma intenção deliberada do ordenamento. A norma geral exclusiva, nesses casos, favorável ao argumento a contrario, é aplicável aos domínios do Direito onde não há essa pretensão de regulamentação total.170

Nessa linha, Diva Prestes Marcondes Malerbi afirma que a conduta elisiva realizada pelo contribuinte não é relevante juridicamente para fins de tributação, haja vista que, não se traduz concretamente na condição necessária e suficiente para a exigência do tributo. Para os casos não considerados pela norma jurídica tributária

168 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 87-91.

169 Ibidem, p. 88.

170 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002. p. 142-145.

elidível, o ato ou negócio jurídico realizado pelo particular é irrelevante juridicamente.

Por não haver previsão legal da conduta elisiva em norma jurídica tributária, se aplica ao comportamento do contribuinte um regime jurídico diferente, ou seja, em tudo oposto ao prescrito pela norma jurídica tributária. Assim, a elisão é uma figura lícita e permitida que surge, portanto, da não previsão do comportamento realizado pelo contribuinte na norma jurídica tributária.171

É a mesma conclusão que chega Charles William Mcnaughton, tendo em vista o princípio da estrita legalidade no âmbito do Direito Tributário, que resolve a questão relativa à lacuna semântica mediante a aplicação de uma norma geral exclusiva, de modo que, a ausência de proibição ou obrigatoriedade de realização de uma conduta é resolvida com a permissão de praticá-la ou omiti-la. A norma geral abstrata e abstrata proibitiva ou obrigatória de certa conduta há de ser construída com base nos enunciados dos textos legislativos. Na impossibilidade dessa construção, tanto a omissão quanto a realização da conduta deverá ser tida como permitida juridicamente. Não é possível alcançar novas situações mediante norma geral inclusiva, a partir do argumento por analogia, tributando situações idênticas, que revelam capacidade contributiva semelhante, pois isso violaria a estrita legalidade e a própria repartição das competências impositivas. O critério de decisão, portanto, é claro. Enquanto o direito não se completar, a ausência de regulamentação de norma tributária é sanada por norma geral exclusiva, pois a autoridade administrativa está proibida de tributar sem expressa previsão legal. 172

O espaço livre do Direito estar para além dos limites do Direito Positivo. O direito de liberdade está intra muros do Direito. Pode-se concluir que, em relação à norma jurídica tributária em sentido estrito, o que não se encontra expressamente disciplinado se traduz em uma permissão juridicamente protegida, mediante a aplicação de uma norma geral exclusiva.173

171 A autora cogita da existência de um poder jurídico conferido ao particular que legitima a prática elisiva, podendo ser uma esfera de liberdade ou um direto subjetivo. No final de sua obra, define que a elisão tributária consiste em direito subjetivo do contribuinte na busca por uma economia lícita de tributos. MALERBI, Diva Prestes Marcondes. Elisão Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 60-62.

172 MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva: completabilidade e sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2014. p. 111.

173 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002. p. 146.

3 ELISÃO TRIBUTÁRIA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS