• Nenhum resultado encontrado

3.6 A DENOMINADA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO

3.6.1 Críticas à interpretação econômica do Direito Tributário

Não são poucas as objeções e críticas a serem tecidas à interpretação econômica do Direito Tributário, assim com não são poucas as vozes que se levantaram contra a possibilidade de sua aplicação em nosso sistema jurídico. Historicamente, como adverte Ricardo Lobo Torres, a interpretação econômica se esgotou por sua posição radical, que acabou por servir aos interesses e às pretensões arrecadatórias do Fisco, cedendo lugar a uma interpretação que vise conciliar a segurança jurídica e a capacidade contributiva.350

348 FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. A interpretação econômica no Direito Tributário, a Lei Complementar nº 104/2001 e os limites do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. O planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 17-19.

349 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 354, 490-491.

350 TORRES, Ricardo Lobo. A Chamada “Interpretação Econômica do Direito Tributário”, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira

Heleno Taveira Tôrres explica que a interpretação econômica foi instituída como técnica de combate ao que o autor denomina de elusão tributária, sob o propósito de realizar justiça fiscal a partir da observância da capacidade contributiva e isonomia, mas que acabou por legitimar os maiores desmandos em matéria tributária contra a liberdade e propriedade dos contribuintes.351 Não configurou em simples pretensão teleológica de aplicação das normas tributárias, mas serviu “como um mecanismo de intervenção estatal na interpretação das leis tributárias, num dirigismo hermenêutico segundo os interesses arrecadatórios do Estado”.352 Em campo cioso de segurança jurídica e certeza, como o do Direito Tributário, a técnica enfraqueceu e flexibilizou a legalidade material em direção dos interesses arrecadatórios do Estado, sem contar os prejuízos aos princípios e categorias do Direito privado, bem como atribuiu posição privilegiada ao intérprete, autorizando a aplicação do Direito conforme seus interesses.353

Como aponta Misabel Abreu de Machado Derzi, serviu a interpretação segundo o critério econômico apenas para o desenvolvimento do fiscalismo e da insegurança jurídica. Explica a jurista que quando a nossa Constituição Federal utiliza um conceito, instituto ou forma de Direito Privado, o termo usado denota um certo objeto, conforme a conotação existente no ramo jurídico em particular para delimitar a competência impositiva. Permitir ao intérprete a alteração do sentido e alcance desses institutos é autorizar, sem respaldo constitucional, nova discriminação de competência, que não toma em consideração a conotação do objeto referido no termo com base no campo jurídico privado de onde foi extraído. Os dispositivos que estabelecem as competências tributárias limitam a discricionariedade do legislador ordinário, pois os conceitos, institutos ou formas usados na Constituição possuem conotações dotadas no Direito Privado, ficando o legislador ordinário proibido de expandir por atribuição de novos sentidos ou predicações os objetos delimitados na Constituição. Desde que observadas as restrições do art. 110 do CTN, é que poderá a lei alterar os efeitos

Rocha (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p.

237-238, 244.

351 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 210.

352 Ibidem, p. 211.

353 O autor adverte que, tendo sido superada a interpretação econômica, conforme o seu modelo original, de acordo com circunstâncias históricas e teóricas no Direito alemão, sua alusão na atualidade diz respeito aos métodos que visam concretizar uma interpretação teleológica ou analógica no âmbito do Direito Tributário, na busca pela apuração dos fatos jurídicos tributários, ou, ainda, o emprego de presunções e ficções jurídicas. Ibidem, p. 211-212.

próprios dos conceitos, institutos e formas de Direito Privado, segundo o art. 109 do mesmo diploma normativo.354

Ademais, o princípio da especificação conceitual (conhecido e utilizado impropriamente como princípio da tipicidade), que consiste no princípio da legalidade, materialmente considerado, impõe que a lei para regular o tributo de forma válida, deve delimitar as notas e qualificações mínimas, indelegáveis e determinantes dos conceitos presentes nas descrições e prescrições constantes na norma tributária. A norma tributária se vale de conceitos fechados e determinados (tipo em sentido impróprio) que denotam os objetos através de notas irrenunciáveis, rígidas e fixas, configurando um reforço à segurança jurídica, à legalidade e em prejuízo da adaptação e funcionalidade das normas à realidade social e econômica. Os tributos são objetos de enumeração exaustiva, de modo que, o que não está em lei, não é juridicamente relevante para a norma jurídica tributária. Admitir a interpretação econômica é admitir que as notas legais conceituais presentes na norma tributária são renunciáveis, ou apenas indicativas para o intérprete da norma. É comprometer a segurança jurídica, certeza e previsibilidade, em favor da atividade criativa e discricionária da Administração e do Poder Judiciário em matéria de tributos.355

Gilberto de Ulhôa Canto afirma que a teoria hermenêutica segundo o critério econômico acarretou um efeito retrógrado para a cultura jurídica por sua distorção sobre o próprio Direito e os princípios fundamentais que regem a atividade impositiva.

Evidente é o desacerto, conforme o autor, no reconhecimento do abuso das formas pela teoria. Se em relação ao Direito Privado, as formas são consideradas legítimas, não tem porque essas mesmas formas empregadas serem consideradas abusivas apenas para a lei tributária. Cabe ao legislador, caso assim desejar, atribuir os efeitos jurídicos tributários idênticos ao de figuras predeterminadas às formas jurídicas alternativas utilizadas pelos particulares, ou, ainda, definir de modo diverso, para fins fiscais, certos institutos de Direito Privado. Se a lei tributária ao aludir a institutos de Direito Privado para definição das hipóteses normativas não confere definições próprias para efeitos tributários, estes deverão ser compreendidos à luz do Direito Privado. Prevalecendo no ordenamento jurídico pátrio a reserva absoluta de lei em matéria tributária em relação à criação e majoração de tributos, não é permitida a integração analógica. Permitir a

354 DERZI, Misabel Abreu Machado. A desconsideração dos atos e negócios jurídicos dissimulatórios, segundo a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.).

O Planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 220-222.

355 Ibidem, p. 222-226.

interpretação dos atos e fatos com base na prevalência do conteúdo econômico, na prática, representa uma usurpação dos poderes do legislador, aplicando à norma jurídica tributária, fatos não contemplados legalmente.356 Como explicar o autor:

Absurdo é, ao que penso, dizer que para efeitos tributários pode ser abusivo o recurso a formas de direito privado que neste são legítimas, pois a abusividade não decorre de prescrição de lei alguma, senão, e apenas, da convicção de algum agente da administração pública ou de magistrado de que o legislador teria querido dizer, ao expedir a lei, muito mais do que ele efetivamente disse. É claro que a realidade econômica se apresenta como pressuposto lógico relevante dos tributos, mas só é presente na obrigação tributária se tiver sido “juridicizado” pela lei, dado o princípio da legalidade.357

Sob o pretexto de concretizar o princípio da capacidade contributiva, a partir da utilização da teoria hermenêutica em comento, o intérprete acaba se substituindo ao legislador. É esquema interpretativo que pode ser concebido no âmbito econômico, mas não no plano jurídico. Como afirma Antonio Roberto Sampaio Dória, a teoria representa o “abandono do texto legal em seu comando vocabular e a aplicação de supostas diretrizes econômicas ou funcionais a ele necessariamente subjacentes”.358 Em outras palavras, essa postura acaba por inovar no Direito escrito, função à qual não se atribui ao intérprete e aplicador da lei. Dada a sua inclinação à legalidade, o ordenamento jurídico pátrio acaba por se revelar hostil a esse método interpretativo, pois se o legislador “prefere para instituir a tributação, a terminologia jurídico-formal à indicação do conteúdo econômico, como pode o aplicador da lei, salvo se se transmudar em autor, inverter tal prioridade?”.359

No ordenamento jurídico brasileiro não há norma equivalente ao do Direito alemão, e ainda que tivesse, é questionável a constitucionalidade em razão dos princípios constitucionais que orientam a imposição do tributo. Ademais, ainda que o legislador tributário vise o conteúdo e os efeitos econômicos do fato jurídico tributário, certamente há limitações à admissibilidade dessa teoria. A tributação de situações econômicas semelhantes deve partir do legislador ao desprezar a gama de formas jurídicas existentes e não do aplicador da lei, que está vinculado à lei, não podendo

356 Quanto à possibilidade de alterações nas definições dos institutos de Direito Privado para efeitos tributários, o autor reconhece que isso é possível na medida em que o uso de ficção jurídica é permitido.

CANTO, GILBERTO de ULHÔA. Elisão e evasão. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins (Coord.). Caderno de pesquisas tributárias nº 13: elisão e evasão fiscal. Editora Resenha Tributária:

São Paulo, 1988. p. 16-18, 20-24.

357 Ibidem, p. 19.

358 DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Bushatsky, 1971. p. 59-60.

359 Ibidem, p. 60-61.

inovar na ordem jurídica. Só seria possível de modo genérico combater sistematicamente e elisão tributária mediante a teoria hermenêutica em análise, se ao aplicador fosse facultado a livre adaptação da norma às circunstâncias, sempre utilizando como critério a identidade do conteúdo econômico, o que não é o caso.360 Assim, Dória critica de forma contundente essa possibilidade:

O Direito pressupõe para sua realização um mínimo irredutível de formas, porque estas também integram a realidade da vida, e só reduzindo as estruturas reais a categorias formais é que o Direito pode adequada e eficientemente discipliná-las. A forma é suscetível de definição e nitidez de contornos, ao passo que a massa crua dos fatos é quase sempre imprecisa, fugidia, cambiante, rebelde à sistematização e unificação conceptuais, enquanto assim permanece. Arrasar as formas é destruir o Direito, relegando a tutela das relações sociais ao arbítrio a incerteza e casuísmo das decisões do poder em casos isolados.361

A noção de identidade de conteúdo econômica é vaga e carece de diretrizes objetivas de aplicação. Ainda que a teoria possa ser atraente em aparência, é vazia de efetividade. Não é lógico presumir-se que quando o legislador elege como hipótese de incidência a “circulação de riqueza”, quer atingir todo um gênero de realidades econômicas com efeitos semelhantes (por exemplo, a troca, a doação, a importação, a exportação e etc). Isso gera incertezas quanto à aplicação da norma jurídica tributária e delega virtualmente poderes do legislador ao aplicador, que acaba, com base no conteúdo econômico, desprezar a exteriorização jurídico-formal dos negócios.362

Alfredo Augusto Becker foi um dos principais críticos da teoria da interpretação econômica do Direito Tributário. Segundo o jurista, a teoria hermenêutica consiste “na demolição do que há de jurídico no Direito Tributário. Em nome da defesa do Direito Tributário, eles matam o “direito” e ficam apenas com o “tributário””.

Fundando suas ideias sob o cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico, e criticando o falso postulado da autonomia do Direito Tributário, Becker assevera que os ramos do Direito não são setores isolados, mas partes de um único sistema jurídico, de modo que, os conceitos, categorias ou institutos jurídicos positivados são válidos para a totalidade do sistema. Uma definição, independente da lei que a tenha estabelecido, deve valer para todo o ordenamento positivo, salvo se o legislador a limitou, alterou ou excluiu sua aplicação de um determinado setor jurídico. Quando a lei refere-se à venda,

360 DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Bushatsky, 1971. p. 61-62, 67-68.

361 Ibidem, p. 68.

362 Ibidem, p. 68-69.

mútuo, empreitada, locação, empréstimo, esses conceitos devem ser aceitos também no âmbito do Direito Tributário com os mesmos significados atribuídos originalmente pelos ramos do Direito que os regulam. Sendo assim, não se pode admitir que com base apenas na produção de efeitos econômicos análogos, ou manifestação de capacidade contributiva equivalente, os negócios deverão ser tributados de forma idêntica. Esse raciocínio é possível no plano econômico, mas não no plano do Direito. 363

Ao intérprete da lei tributária cabe a lembrança de que no momento em que realiza a integração da norma jurídica contida na lei, o Direito Tributário, salvo apenas nos casos em que a lei dispõe em sentido diverso, já consagrou e aceitou um princípio ou conceito de outro ramo jurídico. As regras jurídicas tributárias que regem as relações jurídicas tributárias compõem um único sistema jurídico, com o mesmo modo de incidir, mesma estrutura lógica e atuação dinâmica. Essa homogeneidade sistemática é essencial para o funcionamento e certeza do Direito, de tal modo que, os conceitos ou institutos de outros ramos jurídicos, devem possuir o mesmo significado quando contemplados pelas regras jurídicas tributárias.364

Nesse sentido, quando o intérprete abstrai a estrutura jurídica do negócio para apenas fixar seu foco na realidade econômica, acaba por agir de modo ilícito. Quando o contribuinte se vale de uma estrutura jurídica evasiva (leia-se elisiva na terminologia do autor), age de modo lícito, devendo a estrutura jurídica ser respeitada pelo intérprete.

Apenas quando o contribuinte age de modo fraudulento, violando regra jurídica e desprezando a eficácia jurídica em decorrência de norma jurídica tributária, é que há ilicitude. Admitir a interpretação ora em exame, é permitir ao intérprete criar regra jurídica nova, alargando ou estendendo a hipótese de incidência da norma jurídica tributária, de modo a abranger o fato por ela pretendido. Essa postura encontra óbice no princípio da legalidade tributária, que proíbe a instituição e majoração do tributo sem prévia lei que o estabeleça. Logo, não pode o intérprete abstrair a realidade jurídica e apenas considerar a realidade econômica.365 Em tão sempre lembrada lição, o autor chama atenção para a confusão metodológica entre o Direito Tributário e outras Ciências, provocada por essa teoria hermenêutica:

363 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p.

110-113.

364 Ibidem, p. 112.

365 Ibidem, p. 117.

A doutrina da interpretação do Direito Tributário, segundo a realidade econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o Direito Tributário evoluir como ciência jurídica. Esta doutrina, inconscientemente, nega a utilidade do direito, porquanto destrói precisamente o que há de jurídico dentro do Direito Tributário.366

Não diferente é o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho ao advertir que é a linguagem do Direito que cria propriamente o domínio jurídico, ou seja, “o campo material das condutas intersubjetivas, dentro do qual nascem, vivem e morrem as relações disciplinadas pelo Direito”.367 O fato que dá causa a uma relação jurídica jamais poderá ser objeto de qualificação não jurídica. Metodologicamente, a realidade pode receber diversos recortes cognoscitivos, de tal modo que, de um mesmo fato é possível que o jurista construa o fato jurídico e o economista construa o fato econômico, sendo todos os fatos, construções da linguagem relativa a cada ciência. É certo que existe a interpretação econômica do fato, mas para as Ciências Econômicas. Ao ser assumido o critério jurídico como recorte metodológico da realidade, o fato deverá ser jurídico. O Direito não toma de empréstimo os conceitos e fatos de outras disciplinas, mas ele mesmo constrói sua própria realidade, objeto, categorias e significações.368

Ademais, Paulo de Barros Carvalho afirma que a prevalência do conteúdo econômico sobre a forma é um dos falsos problemas do Direito Positivo. Não há maneira de se conhecer o conteúdo, senão pela forma. Forma e conteúdo não são aspectos que podem ser separados ao ponto de se preterir um em relação ao outro. Para se apreender o conteúdo, antes é necessário interpretar a forma. Ao atribuir-se o conteúdo, a forma ganha vida, e pela ação de interpretar a forma passa a implicar o conteúdo. Forma e conteúdo são dimensões de um mesmo objeto, que coexistem e se coimplicam. Todo conceito elaborado não produz apenas conteúdo, mas também sua forma. Desse modo, os conceitos delimitados pelas hipóteses de incidência dos tributos são formas, com seu respectivo conteúdo. Quando um particular estrutura um negócio, cria uma forma. Quando o Fisco pretender desconsiderar o negócio, quer impor outra forma. São as normas válidas do sistema que vão definir qual forma deve prevalecer.369

366 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p.

117.

367 CARVALHO, Paulo de Barros. O absurdo da interpretação econômica do “fato gerador” – Direito e sua autonomia – o paradoxo da interdisciplinariedade. Revista de Direito Tributário. v. 97. Malheiros:

São Paulo, 2007. p. 10-11; CARVALHO, Paulo de Barros. Planejamento Tributário e a Doutrina da Prevalência da Substância sobre a forma na definição dos efeitos tributários de um negócio jurídico. In:

MACHADO, Hugo de Brito. Planejamento Tributário. São Paulo: Malheiros: ICET, 2016. p. 576.

368 Ibidem, p. 581-582.

369 Ibidem, p. 582-584, 589.

Em razão da autonomia da vontade, o particular pode adotar as mais variadas estruturas negociais para chegar ao resultado econômico desejado, a fim de reduzir os custos e maximizar a eficiência da atividade econômica desempenhada. Outro óbice à consideração econômica do Direito Tributário reside no princípio da tipicidade tributária, que impede a juridicização de outros fatos que os não previstos pelas normas jurídicas tributárias em sentido estrito. Logo, em caso de no antecedente normativo haver a previsão de um tipo estrutural, a norma apenas será aplicada com a ocorrência integral, no plano da realidade, do negócio jurídico nela previsto.370 Vale a transcrição de suas lições:

Em face da taxatividade da tipologia tributária, à autoridade administrativa não resta espaço para valoração econômica acerca dos negócios praticados. O tipo estrutural exige, para que se efetue a subsunção, que a parcela da realidade que se pretende tributar corresponda à exata qualificação jurídica prevista na hipótese normativa. Se, em virtude dos princípios da autonomia da vontade e da livre-iniciativa, o fato for reputado pelo direito privado como diverso daquele descrito no antecedente da regra-matriz, não há que se falar em surgimento da obrigação tributária. Inadmissível a desconsideração das formas adotadas pelo particular para, usando critérios meramente econômicos, sujeitá-los à tributação, como se diversa fosse a forma negocial por ele praticada.371

Charles William Macnaughton aponta que para a interpretação econômica deve haver uma correlação dos objetivos do mundo econômico e os objetivos do mundo jurídico. Quando há um problema na linguagem jurídica que faz a tradução da linguagem econômica, há a configuração do abuso de forma, pois a intenção empírica não pode ser concretizada com uma forma jurídica não usual. Assim, segundo essa premissa, a interpretação econômica seria aplicável aos casos que o contribuinte usasse formas não usuais apenas para economizar tributos. Isto é, o critério para discriminar o alcance da capacidade contributiva não é mais a manifestação de riqueza efetivamente juridicizada, mas outros critérios estranhos à própria capacidade contributiva.372

O autor critica o que vem a ser “anormalidade” ou “atipicidade” da forma jurídica adotada e o fim econômico visado. Qual seria o critério para definir se uma forma jurídica é anormal ou não, se com estatística, se com base na experiência do aplicador, consistindo em noções de difícil apuração e precisão. Em um sistema rígido

370 CARVALHO, Paulo de Barros. Planejamento Tributário e a Doutrina da Prevalência da Substância sobre a forma na definição dos efeitos tributários de um negócio jurídico. In: MACHADO, Hugo de Brito. Planejamento Tributário. São Paulo: Malheiros: ICET, 2016. p. 589.

371 Ibidem, p. 590.

372 MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva: completabilidade e sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2014. p. 93-94.

de discriminação de competências, em que se busca preservar o pacto federativo com a estipulação das materialidades para se evitar conflitos de competência, a busca do aplicador não pelos conceitos positivados nas normas jurídicas tributárias, mas pela anormalidade ou atipicidade da forma jurídica, ou as intenções das partes, faz cair por terra o sistema. A capacidade contributiva é condição necessária para o tributo, mas não suficiente, haja vista a necessidade de lei instituindo o tributo, isto é, definindo precisamente sua materialidade.373

Em que pese as críticas contundentes à teoria da interpretação econômica, cabe a advertência realizada por Paulo Ayres Barreto, no sentido de que, ao se evitar a situação na qual os conceitos jurídicos e das Ciências das Finanças são tratados sem o necessário corte metodológico, não pode o intérprete acabar caindo no extremo oposto

Em que pese as críticas contundentes à teoria da interpretação econômica, cabe a advertência realizada por Paulo Ayres Barreto, no sentido de que, ao se evitar a situação na qual os conceitos jurídicos e das Ciências das Finanças são tratados sem o necessário corte metodológico, não pode o intérprete acabar caindo no extremo oposto