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Marco Aurélio Greco: patologias do negócio jurídico e o novo perfil da

3.6 A DENOMINADA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO

4.2.11 Marco Aurélio Greco: patologias do negócio jurídico e o novo perfil da

Marco Aurélio Greco é, sem dúvidas, o autor que sugere uma modificação na leitura e análise da elisão e do planejamento tributário no âmbito nacional, trazendo novo panorama ao debate, sobretudo, a partir de um enfoque que confere maior eficácia à capacidade contributiva e isonomia dos particulares, em consagração de valores tutelados pelo sistema, como a solidariedade.

Quanto aos conceitos de elisão e planejamento, o autor afirma que a preocupação terminológica é útil, desde que não se transforme em mera discussão sobre as palavras, haja vista que, o essencial é circunscrever o objeto de análise. Assim, deixa a questão terminológica de lado, e afirma que planejamento e elisão seriam conceitos que dizem respeito à mesma realidade, diferenciando-se apenas quanto ao referencial adotado e a tônicas atribuídas a alguns elementos. No planejamento tributário, o foco de preocupação seria a conduta de alguém, suas qualidades, e outros elementos, como a licitude, e o momento em que ela ocorre. O foco da elisão, por sua vez, seria o efeito dessa conduta em relação à norma jurídica tributária, o que envolve necessariamente o debate sobre a capacidade contributiva e a isonomia. Entende que na discriminação de objetos, há sempre um núcleo preciso e uma zona de imprecisão. Não há uma linha divisória, mas uma faixa de fronteira para se identificar o que é planejamento e o que é elisão. Usa, então, tanto um termo quanto o outro para designar o mesmo fenômeno.493

Segundo o autor, há pelos menos três conjuntos de situações que estão fora do campo da elisão/planejamento, que são: as condutas repelidas, as condutas induzidas e as condutas positivamente autorizadas pelo ordenamento. Nas condutas repelidas, estão as hipóteses que configuram ilícitos;494 nas condutas desejadas ou induzidas, estão aquelas que o tributo é utilizado com finalidade extrafiscal; nas condutas positivamente autorizadas, estão as opções fiscais.495 O abuso do direito e a fraude à lei, que são

493 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 95-96.

494 Os ilícitos, sancionados negativamente, estão fora do campo de estudo da elisão. Toda operação que tenha o efeito de minimizar a carga tributária por meio de atos ilícitos não se trata de elisão, sendo posição unânime na doutrina. Trata-se dos ilícitos penais, ilícitos civis, ilícitos regulatórios e os ilícitos tributários. Ibidem, p. 99.

495 A princípio, as opções fiscais, que seriam alternativas legítimas conferidas pelo ordenamento e colocadas à disposição do contribuinte de acordo com sua conveniência, estariam fora do campo do fenômeno elisivo. Todavia, nada impediria que uma opção fiscal pudesse ser utilizada no âmbito de uma operação mais abrangente, que se pretenda seja qualificada como planejamento, especialmente, se há uma configuração construída de modo artificial pelo contribuinte. Ibidem, p. 106.

patologias do negócio jurídico, estão no conjunto dos ilícitos, embora não sejam ilícitos típicos. Há, ainda, as meras abstenções de fato dos particulares, que deixam de realizar condutas sem que isto tenha o intuito de reduzir a carga tributária.496

A questão principal para o autor sobre a elisão é se as operações desenvolvidas pelos contribuintes nas circunstâncias dos casos concretos, possuem os efeitos jurídicos tributários que se pretendem ter, e se esses efeitos são oponíveis ao Fisco. Em outras palavras, se os efeitos jurídicos tributários pretendidos de economia fiscal afetam ou não o interesse arrecadatório, ou seja, se devem ou não ser inibidos parcial ou totalmente.

Quanto aos critérios distintivos desenvolvidos pela doutrina, quais sejam, o critério da licitude dos meios, o critério cronológico, e o da ausência de simulação, o autor defende que devem existir outros requisitos na análise. O foco deve sair do campo da licitude dos atos e ir também para o plano da eficácia do ato elisivo perante o Fisco. Os atos e negócios jurídicos não podem ser apenas lícitos, mas devem ser eficaz em relação à Administração Tributária.497

O planejamento tributário relaciona-se às condutas que o contribuinte pode realizar em busca da menor carga tributária legalmente possível. Legalmente, nesse sentido, diz respeito à licitude em sentido amplo, não em relação a uma norma específica, mas em relação ao Direito como um todo. A liberdade sob qual se assenta a elisão, surge a partir do exercício dessa liberdade na montagem dos negócios pelos particulares, de modo a pagar menos tributos em três perspectivas: no plano da norma (legalidade), no plano do fato (efetividade), e no plano dos valores (legitimidade). Pois na perspectiva clássica, a elisão tem como resultado: a perda de arrecadação; a violação da capacidade contributiva das situações passíveis de tributação; a criação de situações que quebram a neutralidade no mercado competitivo, assim como a isonomia tributária dos contribuintes.498

A primeira fase do debate sobre a elisão tributária, segundo Greco, é a fase da liberdade, salvo simulação. Essa fase reconhece que no relacionamento entre Fisco e contribuinte, há uma liberdade absoluta assegurada ao indivíduo para dispor seus negócios em prol de uma economia fiscal, salvo se, esses atos forem ilícitos, realizados depois do fato jurídico tributário ou com simulação. O desenho clássico da elisão é anterioridade em relação a ocorrência do fato jurídico tributário, a licitude e ausência de

496 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019.p. 97-98.

497 Ibidem, p. 127-129.

498 Ibidem, p. 132-133, 137-138.

simulação. A base dessa concepção é que o tributo é visto como um instrumento de agressão à propriedade dos indivíduos, por isso a existência de um conjunto de regras que regem a atividade tributária do Estado. Nesse contexto, a elisão é tomada como um instrumento de defesa do contribuinte contra essa agressão. O particular atua nos vazios normativos ou lacunas da lei tributária. Essa perspectiva confere ampla primazia à legalidade, por isso fala-se em legalidade estrita e em tipicidade fechada das hipóteses normativas, bem como na proibição da analogia em matéria tributária. O autor questiona a tipicidade fechada e a legalidade estrita que na sua visão está carregada com um elemento ideológico que pretende proteger a propriedade mais do que a liberdade.

Nesse modelo, se resolve a problemática da elisão com um pensamento binário (lícito ou ilícito), e com a ideia de manipulação de forma ou estrutura jurídica de modo a não se subsumir em norma tributária como chave para fundamentar a conduta elisiva.499

A segunda fase no debate cogita de que a simulação não é a única patologia do negócio jurídico que contamina a elisão tributária, mas também outras patologias que possuem o mesmo efeito provocado pela simulação, qual seja, o de tornar o planejamento tributário inoponível ao Fisco. Seriam as patologias típicas regidas pelo Direito Civil, quais sejam, o abuso de direito e a fraude à lei que levam à ilicitude ou à nulidade do negócio, bem como as patologias que não tornam o negócio jurídico ilícito ou nulo, mas que afetam os efeitos tributários perante o Fisco em razão de abusos e distorções de situações jurídicas subjetivas, direitos, formas ou estruturas jurídicas.500

Marco Aurélio Greco afirma que o direito à auto-organização não é absoluto e não se trata propriamente de um direito, mas de uma liberdade exercitada pelo contribuinte em situações jurídicas subjetivas nas quais se busca obter menor carga tributária. O exercício dessa liberdade de auto-organização comporta restrições.

Segundo o autor, o Estado Democrático de Direito exige que a interpretação e aplicação do Direito compatibilizem os valores típicos do Estado de Direito (liberdade negativa, legalidade, proteção à propriedade) com os relativos ao Estado Social (igualdade, liberdade positiva, solidariedade). Desse modo, a análise da elisão sofre o influxo de todos esses valores, não podendo apenas ser visualizada sob a utilização de formas jurídicas admissíveis, mas pelo ângulo da igualdade, solidariedade e justiça.501

499 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 141-150.

500 Ibidem, p. 201.

501 Ibidem, p. 205, 208-210.

Assim, a identificação do abuso do direito na conduta do contribuinte na seara do Direito Tributário possui consequências em matéria de elisão. Antes do Código Civil de 2002, em que o abuso de direito não era um ato ilícito, para o autor já implicava, como no exercício abusivo de liberdades, a inibição da eficácia do ato com vistas à obtenção de vantagem fiscal perante o Fisco. Com o advento do diploma supramencionado, o abuso de direito passou a ser qualificado como ato ilícito, fazendo com que o reconhecimento de conduta abusiva do contribuinte macule ou faça desaparecer um dos requisitos cruciais de reconhecimento da elisão, qual seja, a da utilização de meios lícitos. Assim, pelo reconhecimento do abuso de direito, tal como disciplinado pelo diploma civil, a conduta deixa de ser elisiva, passando a ser evasiva, pela utilização de meios ilícitos. O autor reconhece, ainda, que existem outras hipóteses ou possibilidade abusivas em matéria de planejamento tributário que, em que pese não se situarem no plano da licitude, situam-se no plano da eficácia em relação ao Fisco.502

Em caso de haver idênticas manifestações de capacidade contributiva, o contribuinte que age abusivamente para se furtar ao tributo acaba comprometendo a igualdade, a eficácia e imperatividade da norma tributária, bem como inibindo a plenitude do princípio da capacidade contributiva, colorido pelo princípio da solidariedade, em razão do art. 3º, I, da Constituição de 1988. O autor defende uma compatibilização da liberdade com a solidariedade. Busca-se assim inibir práticas sem causas, devendo-se coibir os planejamentos tributários realizados com motivos predominante fiscais para fugir à tributação, pois o ato abusivo traz prejuízos ao Fisco devendo a conduta ser neutralizada.503 Ademais, para o autor as figuras do abuso de direito e da fraude à lei nem necessitam estar previstas expressamente para serem aplicadas, pois se tratam de conceitos que advém da Teoria Geral do Direito que estão relacionadas à imperatividade do Direito, tendo aplicabilidade no Direito Tributário.504

Marco Aurélio Greco confere novos contornos ao princípio da capacidade contributiva para sustentar sua tese em relação aos limites do planejamento tributário.

Para ele, o princípio da capacidade contributiva não se relaciona apenas ao dimensionamento do montante a pagar a título de tributo, mas também com a aptidão para participar no rateio das despesas públicas. Ademais, sua eficácia não está apenas ligada à existência de uma previsão normativa que descreve uma manifestação objetiva

502 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 214-215.

503 Ibidem, p. 218-221.

504 Ibidem, p. 239.

de riqueza, mas de assegurar que todas as manifestações daquela aptidão sejam atingidas pelo tributo.505

O princípio da capacidade contributiva norteia o legislador, mas também a interpretação e aplicação da lei tributária. Possui, assim, caráter muito mais relevante do que normalmente lhe é atribuído, sendo diretriz positiva que é aplicável antes mesmo da igualdade tributária. Para Greco, a igualdade tributária é critério de implementação concreta do sistema, cuja conformação é conferida pela capacidade contributiva. A doutrina comumente reconhece que para haver igualdade tributária, deve se atender a capacidade contributiva. Segundo o autor, primeiro se examina a existência da capacidade contributiva para que a tributação seja graduada, para depois se verificar se está em conformidade com a igualdade. Deixa de ser a capacidade contributiva um desdobramento da igualdade para se vincular à liberdade e a solidariedade.506

A propósito, essa é a terceira fase do debate que Greco denomina de liberdade com capacidade contributiva. Acrescenta-se às fases anteriores, que a capacidade contributiva pode eliminar o predomínio da liberdade de auto-organização para fins de economia de tributos. Mesmo que os atos não padeçam de nenhuma patologia e sejam lícitos, nem assim o contribuinte poderá agir de qualquer maneira, pois sua ação será vista sobre a perspectiva da capacidade contributiva. Trata-se de princípio estruturante e informador do sistema, desdobramento do princípio da solidariedade social, tendo repercussões na sua eficácia jurídica. O princípio passa a ser dirigido ao aplicador, servindo como critério interpretativo da lei tributária, de modo a ter uma eficácia positiva em sua aplicação, devendo ser alcançado até onde for detectado.507

Desse modo, o princípio da capacidade contributiva teria eficácia positiva para deflagrar uma norma geral inclusiva para fins de tributação, mesmo que a lei tributária preveja alguns casos de inoponibilidade, funcionando como um critério de decisão no caso concreto. Contudo, é necessário que o Fisco prove as distorções ou manipulações nas estruturas jurídicas e o contribuinte não demonstre outras razões que não sejam as de buscar reduzir o tributo. Em que pese essas considerações, Marco Aurélio Greco afirma que, por mais que a capacidade contributiva informe positivamente o ordenamento, no sentido de que deve ser atingida e que o ordenamento deve onerar as manifestações que a lei deseja tributar, este princípio não supre a falta de lei, apenas

505 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 217.

506 Ibidem, p. 231-231, 234.

507 Ibidem, p. 325, 333.

busca alcançar a manifestações de capacidade contributiva que a vontade da lei indica que devam ser atingidas.508