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Heleno Taveira Tôrres e a tríade: elisão, elusão e evasão fiscal

3.6 A DENOMINADA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO

4.2.12 Heleno Taveira Tôrres e a tríade: elisão, elusão e evasão fiscal

Importante contribuição na doutrina é atribuída à Heleno Taveira Tôrres, que em seu estudo, entende que a postura do contribuinte de abster-se da tributação pode operar-se de três maneiras: há a economia legítima de tributos, conhecida como elisão, na qual o particular evita a incidência da norma jurídica tributária ou sujeita-se a regime jurídico tributário mais benéfico; há a evasão fiscal, que concretiza-se mediante o descumprimento direto da legislação tributária; e uma terceira figura, que não se confunde com as demais, que o autor denomina de elusão tributária, que ocorre através da utilização de negócios jurídicos aparentemente válidos, mas realizados com fraude à lei civil ou com simulação, que produzem o efeito de evitar a incidência da norma jurídica tributária, ou de se sujeitar ao campo de incidência menos oneroso; ou, ainda, como qualificado em outros ordenamentos jurídicos, por meio de negócios jurídicos lícitos, porém, atípicos, indiretos ou fiduciários.509

Inicialmente, para o autor, o vocábulo evasão, que, etimologicamente, quer dizer fuga, pode ser considerada como uma fuga para uma modalidade de restrição de liberdade que o ordenamento jurídico impõe. Em sentido amplo, o autor define evasão

“como toda e qualquer forma de eximir-se à tributação, hipótese em que até mesmo a elusão seria espécie de evasão”.510 Todavia, em sentido estrito, entende evasão como “o fenômeno que decorre da conduta voluntária e dolosa, omissiva ou comissiva, dos sujeitos passivos de eximirem-se ao cumprimento, total ou parcial, das obrigações tributárias de cunho patrimonial”.511 A elisão tributária, na doutrina pátria, é termo consagrado para designar um fenômeno lícito e legítimo no que diz respeito à economia de tributos, na qual o sujeito evita a obrigação tributária se aproveitando das lacunas, sem violar norma jurídica tributária.512

A elusão tributária, na experiência jurídica internacional, seria uma violação indireta da lei que estaria em uma zona intermediária entre a legítima economia de

508 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 353-354, 359.

509 Ibidem, p. 173-174.

510 Ibidem, p. 177.

511 Ibidem, p. 178.

512 Ibidem, p. 182.

tributos e a simulação. Nesses ordenamentos, a elusão não seria simulação, pois não há uma ocultação ou mascaramento do ato (dissimulação ou simulação relativa) ou de algo inexistente (simulação absoluta). Ademais, difere-se da elisão, pois a redução do ônus fiscal se verifica pela violação indireta da lei tributária através do contorno do tipo tributário previsto na hipótese normativa. Revela-se a elusão tributária, nesses países, por meio da realização de atos e negócios jurídicos próprios que atendem aos requisitos formais, realizados com a finalidade de enquadrar-se em regime jurídico tributário mais benéfico, configurando uma violação indireta e oblíqua da lei tributária, em virtude do reconhecimento do “abuso de formas”, de “fraude à lei”, do “abuso de direito”, “da ausência de propósito negocial”, entre outros, a depender do ordenamento.513 Vejamos a conotação atribuída ao conceito de elusão em nosso ordenamento pelo autor.

Para Heleno Taveira Tôrres, o termo elisão não poderia ser utilizado para referir-se à postura lícita do contribuinte na busca por uma economia legítima de tributos. O termo elisão vem do latim elisione, que significa o ato ou efeito de elidir, eliminar, suprimir. Não é isso, que a rigor, se verifica na legítima economia de tributos.

Para Tôrres, por rigor linguístico, deveria ser completamente abandonado o vocábulo para evitar confusões de linguagem. Contudo, dado o acatamento e consagração do termo pela comunidade jurídica, preferível mantê-lo com esse sentido, isto é, como sinônimo de legítima economia de tributos.514

O autor, com intuito de evitar confusões conceituais, e para utilizar-se de termos que possam melhor representar as condutas sob análise, isto é, as que evitam a incidência de norma jurídica tributária mediante a manipulação dos atos de Direito Privado lícitos, mas desprovidos de causa, simulado ou em fraude à lei, o melhor termo é elusão. O termo eludir, que vem do latim eludere, significa evitar ou esquivar-se com destreza, furtar-se com habilidade ou astúcia, ao poder ou influência de outrem. Desse modo, elusivo, diz respeito àquele que tende a escapulir, a furtar-se com argúcia, que se mostra esquivo, arisco e evasivo. Desse modo, elusão tributária é termo que denota o fenômeno pelo qual o contribuinte usa de meios dolosos para evitar a subsunção do negócio jurídico realizado ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação

513 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 187-188.

514 Ibidem, p. 188.

dos efeitos jurídicos prescritos (nascimento da obrigação tributária), como previsto em lei.515 Como o autor define:

Assim, cogitamos da “elusão tributária” como sendo o fenômeno pelo qual o contribuinte, mediante a organização planejada de atos lícitos, mas desprovidos de “causa” (simulados ou com fraude à lei), tenta evitar a subsunção de ato ou negócio jurídico ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação da obrigação tributária. Em modo mais amplo, elusão tributária consiste em usar de negócios jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de “causa” ou organizados como simulação ou fraude à lei, com a finalidade de evitar a incidência de norma tributária impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal específica.516

Na tentativa de diferenciar a elusão tributária da evasão entende o autor que o critério cronológico, difundido na doutrina nacional pelos trabalhos de Rubens Gomes de Sousa, não trouxe qualquer relevância prática ou utilidade para se identificar as figuras. Pelo contrário, o critério cronológico apenas contribuiu para dificultar a diferenciação da elusão e da evasão, haja vista que, não raras são as possibilidades de ocorrer evasão antes da verificação do fato jurídico tributário. A diferença não é cronológica. O método mais seguro para saber se estar-se diante de elusão ou de evasão é mediante o exame minucioso do ato ou negócio realizado pelas partes e seus efeitos.517

Outro critério utilizado para diferenciar a elusão tributária da evasão foi o critério da finalidade dos atos, que justificou, como trabalhado em tópico próprio, os defensores da intepretação econômica do Direito Tributário, e pouco ajudou a demarcar as figuras em análise, haja vista que a busca para evitar o pagamento de tributos pode decorrer de: legítima economia de tributos, com a realização de negócios jurídicos não sujeitos à incidência de norma jurídica tributária, ou sujeitos à norma jurídica tributária menos onerosa (isenção e opções fiscais); evasão, em que há o descumprimento direto de norma jurídica tributária; elusão, pela realização de ilícitos atípicos; ou, ainda, pelo mero inadimplemento.518

Em ordenamentos estrangeiros, há uma tentativa de controle e combate contra a manipulação artificiosa dos atos e negócios jurídicos atípicos e indiretos para frustrar

515 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 188.

516 Ibidem, p. 189.

517 Ibidem, p. 188; TÔRRES, Heleno Taveira. Limites do planejamento tributário e a norma brasileira anti-simulação (LC 104/01). In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. v. 5. São Paulo: Dialética, 2001. p. 189-191.

518 TÔRRES, op. cit., 2003. p. 190.

a ocorrência do fato jurídico tributário, ou enquadrar-se em regime jurídico menos oneroso. Trata-se de uma limitação da autonomia privada no controle desses negócios atípicos, com base no reconhecimento do abuso das formas, quando há utilização de uma forma jurídica não usual ou atípica para a causa que se deseja concretizar; ou com base no abuso do direito subjetivo de auto-organização. Assim, com bases nesses fundamentos, os ordenamentos reconhecem a desconsideração das estruturas formais adotadas pelos sujeitos, pois muitas das vezes estes agem com escapatória, estratagema, com escamoteação e de modo ardil, para, apenas, prejudicar a legislação tributária.519

Ademais, o autor insiste na diferenciação da elusão e da elisão, pois naquela há uma ilicitude, enquanto que nesta, há uma economia legítima de tributos, logo se posicionando no sentido de que não é adequado designar como elisão a postura que acarrete uma violação oblíqua da lei tributária. O agir elusivo é ilícito, pois do contrário, não sofreria qualquer norma tributária sancionatória ou a possibilidade de desconsideração pela Administração para efeitos tributários. Ainda que os atos e negócios jurídicos sejam revestidos de uma aparente licitude, seus efeitos não o são em relação à legislação tributária, trazendo prejuízo.520

A ilicitude que se cogita no fenômeno elusivo não é típica, mas atípica. A ilicitude típica se dá pelo descumprimento de deveres ou obrigações, conforme as sanções estipuladas que demarcam taxativamente as condutas merecedoras de tais consequências jurídicas. Na ilicitude atípica, não há uma norma jurídica específica para conduta ilícita, o que necessita de uma regra geral que estipula sanções à atos danosos.

Se no sistema dos ilícios típicos há um sistema fechado e taxativo, no sistema dos ilícitos atípicos há um sistema aberto, no qual não há categorias definidas previamente.

No sistema tributário, haveria, portanto, a convivência de ambos os modelos.521

As ilicitudes atípicas decorrem do descumprimento de condutas permitidas pelo Direito, estipuladas em normas jurídicas primárias, por afetação de princípios jurídicos. Há a existência de uma conduta permitida, a produção de um dano, intencional ou não, em razão da concretização daquela conduta. O dano não é admitido pelo ordenamento em virtude dos princípios que se projetam pelo sistema. Dada a rejeição do sistema, há a criação de regra jurídica nova que limita o alcance da primeira

519 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 191-192.

520 Ibidem, p. 195.

521 Ibidem, p. 195-196.

norma, tornando a conduta permitida em conduta proibida pelo Direito, em razão dos seus danos.522

Portanto, o autor lança mão dessa categoria autônoma, visto que os atos e negócios jurídicos válidos e constituídos com o efetivo exercício da autonomia privada, são apenas lícitos em sua aparência, mas desprovidos de causa, realizados em fraude à lei ou com simulação. Apenas com o exame dos atos e negócios jurídicos, em relação à idoneidade, licitude, adequação e compatibilidade da forma com a causa, é que é possível definir se trata-se de elisão, elusão ou evasão.523

4.2.13 Sacha Calmon Navarro Coêlho: da ausência de simulação como critério