• Nenhum resultado encontrado

Hermes Marcelo Huck: da elisão à evasão uma nebulosa travessia

3.6 A DENOMINADA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO

4.2.8 Hermes Marcelo Huck: da elisão à evasão uma nebulosa travessia

relevância para o Direito Tributário quando a realização indireta dos fins das partes é determinada pela intenção de evitar a aplicação do regime tributário mais oneroso. O resultado econômico ou empírico alcançado pelas partes, mediante negócios jurídicos indiretos, é análogo ou praticamente equivalente em caso de adoção da forma negocial normalmente escolhida, sem se submeter ao regime tributário aplicável ao negócio direto que é mais oneroso.464

Assim, há dois elementos essenciais do negócio jurídico indireto no Direito Tributário, que são o elemento objetivo e o elemento subjetivo. O elemento objetivo reside na divergência entre a estrutura (fins típicos) do negócio e os fins que as partes desejam atingir, denominada pela doutrina que condena e elisão como “forma anormal, inadequada ou insólita”. O elemento subjetivo é conferido pelo fato de que a escolha do esquema negocial se dá pela intenção de excluir ou diminuir o tributo. Assim, o negócio jurídico indireto, como será visto em tópico específico, pode assumir modalidades diversas para fins de economia fiscal, como o negócio indireto de exclusão e o negócio jurídico impeditivo. Mas nem sempre, como adverte o autor, o negócio jurídico indireto busca evitar o tributo a partir da não realização do fato jurídico tributário, ou em razão de um outro fato impeditivo, mas apenas busca diminuir os efeitos jurídicos fiscais, a partir de um negócio indireto redutivo.465

Outras vezes, o efeito indireto do resultado economicamente equivalente não se obtém mediante um ato ou negócio jurídico indireto isolado, mas por uma “pluralidade de atos autônomos, realizados em uma sequência lógica e cronológica adequada ao efeito pretendido”. Ocorre mediante uma pluralidade de atos ou negócios coligados no que se denomina de procedimento negocial ou negócios de formação sucessiva, unidos por um nexo de continuidade e que produzem efeitos em cadeia, no qual a finalidade, ao final, só pode ser atingida com a prática de todos esses atos. Trata-se de procedimento negocial que pode ser realizado para atingir um resultado econômico não tributado ou menos oneroso tributariamente.466

4.2.8 Hermes Marcelo Huck: da elisão à evasão uma nebulosa travessia

464 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002. p. 59-60.

465 Ibidem, p. 60-61.

466 Ibidem, p. 66-67.

Hermes Marcelo Huck é autor de importante estudo sobre os conceitos de elisão e evasão fiscal. Explica o jurista que, se a evasão sempre resulta em um comportamento ilegal em razão da fuga do pagamento do dever tributário, a elisão se caracteriza pelas amplas possibilidades que o indivíduo possui para subtrair-se ao ônus tributário, pois os particulares organizam suas atividades de modo a evitar a hipótese de incidência da norma tributária sobre o negócio que se deseja realizar. Em que pese esses conceitos fornecerem uma distinção aparente, o autor adverte que os limites são tênues entre os comportamentos, havendo uma zona de difícil de demarcação.467

Huck afirma que há uma tendência de se reconhecer o direito dos particulares estruturarem seus negócios da maneira mais conveniente, mediante formas jurídicas anormais ou insólitas, com o fim de reduzir o pagamento de tributos, desde que não haja a violação de normas jurídicas. Todavia, esta tendência tem sido fortemente criticada e sendo coibida nos mais diversos ordenamentos jurídicos,468 de modo que, não há uma liberdade total do contribuinte, que, atuando no plano da legalidade, pode fugir da lei tributária com a realização de esquemas carentes de finalidade econômica ou negocial.

É cada vez mais comum a imposição de restrições à ampla liberdade do contribuinte, tendo em vista que a elisão não é vista com a mesma consistência nos diversos ordenamentos.469

Em sentido amplo, a evasão fiscal470 tem sido compreendida como “toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de uma obrigação tributária, não importando serem lícitos ou ilícitos os meios utilizados nesse processo”.471 O autor explica que raramente as doutrinas e legislações estrangeiras diferenciam evasão ilícita e evasão lícita, pois em ambos os casos uma obrigação tributária ou foi descumprida ou foi abusivamente evitada. Todavia, atenta para separação que a doutrina nacional realiza, denominando de evasão ilícita “a ação

467 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 3-4.

468 O autor explica que o enquadramento dos conceitos varia no cenário mundial, a depender da legislação tributária de cada país, dos tratados internacionais existentes, assim como em função das próprias ideologias políticas que influenciam na análise dos fenômenos. É possível que uma prática elisiva, em um determinado tempo histórico, seja considerada legal e legítima, e, posteriormente, passe a ser considerada ilegal. Ambas as figuras se concretizam mediante meios de não submissão à lei tributária. O que se tem é a ausência de subsunção normativa em razão da fuga do campo de incidência do tributo, ou, quando realizada a incidência, a utilização de meios ilícitos para impedir, retardar ou reduzir o pagamento do tributo devido. Se nesta há evasão, naquela é discutível se trata de elisão lícita. Ibidem, p. 32-34.

469 Ibidem, p. 4, 8.

470 O autor afirma que evasão é termo que advém das Ciências das Finanças, por isso carregado com um significado econômico que gera incertezas quanto ao seu sentido em âmbito jurídico. Ibidem, p. 30

471 Ibidem, p. 15.

consciente e voluntária do agente, - e que, por meios ilícitos, fraudulentos ou simulatórios, procura eliminar, reduzir ou retardar o pagamento do tributo devido”. De outro lado, a evasão lícita tem sido compreendida como a “conduta preventiva do contribuinte, visando por meio de processos lícitos – ao menos em sua aparência formal – afastar, reduzir ou retardar a ocorrência do fato gerador do tributo”.472

Na evasão ilícita, há o artifício doloso, a malícia para fugir ao tributo, e se concretiza sobre as mais variadas formas, como a fraude propriamente dita, simulação e o conluio. Na evasão lícita, conhecida como elisão, o agente busca certo resultado econômico, mas para reduzir a obrigação tributária dela decorrente, ou suprimi-la, usa de meios aparentemente legais, ou não proibidos, que levam àquele mesmo resultado econômico, dentro do feixe de alternativas existentes que a lei possibilita. O resultado econômico obtido é análogo, mas o regime tributário aplicável é diverso em decorrência da utilização da forma jurídica distinta utilizada. Há a obtenção de uma vantagem patrimonial pelo agente que não ocorreria se não fossem postos em prática os procedimentos com a finalidade de evitar a norma tributária, subtraindo ao tributo manifestações de capacidade contributiva originalmente a ele sujeitas, por meio de atos lícitos, ainda que não congruentes com os desígnios da lei tributária.473

Para o autor, a elisão, ainda que tenha uma aparência de legalidade, causa um empobrecimento da Administração Tributária e um enriquecimento sem causa do contribuinte, violando a capacidade contributiva e a isonomia. Destarte, não sendo ilegal a elisão, não se sujeita à qualquer punição, mas ocorrendo o enriquecimento sem causa ou o abuso do direito, o tributo deve ser efetivamente recolhido sob a forma do tributo incidente sobre o efeito econômico produzido pelo ato ou negócio jurídico praticado.474

O elemento subjetivo não é critério hábil para diferenciar as figuras, pois em ambas, há a intenção de evitar o tributo ou pagar a menor. Quanto aos critérios dos meios utilizados ou do procedimento, na elisão atuam os meios lícitos, ou, aparentemente lícitos, ao passo que, na evasão atuam os meios ilícitos e fraudulentos.

Quanto ao critério cronológico, compreende que não é critério distintivo seguro e plenamente suficiente. Se os atos são realizados antes de qualquer verificação do fato jurídico tributário, pode-se estar diante de elisão, se ocorrido após o fato jurídico, resta configurada a evasão fiscal. Pelo critério cronológico, a elisão assenta-se na ausência de

472 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 18.

473 Ibidem, p. 18-19, 22.

474 Ibidem, p. 23.

verificação do fato jurídico tributário. Contudo, Hemes Marcelo Huck afirma que isso é contestável haja vista que o fato jurídico tributário apenas deixa de ocorrer em razão da atuação criativa do particular que se vale das imperfeições da lei. A elisão “pode ocorrer dentro da lei e dentro do espírito da lei, ou dentro da lei, mas contra o seu espírito”.475

Portanto, ainda que formalmente legal, a elisão pode ser considerada abusiva, ilícita ou até fraudulenta, ainda que a forma jurídica não seja proibida pelo Direito. A fórmula liberal não pode levar à legitimação da simulação ou abuso no uso das formas jurídicas. Entende que não se deve admitir uma intepretação essencialmente econômica, mas ressalta que não pode, no exame dos negócios jurídicos, ser deixado de lado as ponderações de natureza econômica que cercam o negócio, que podem retirar a legitimidade da conduta elisiva do contribuinte que visa apenas violar da maneira oblíqua a lei tributária.476 O autor acolhe as ideias lançadas por Marco Aurélio Greco, como será visto.

Assim, na nebulosa travessia entre a elisão e a evasão, o autor critica a doutrina tradicional que assegura a ampla liberdade dos particulares e se vale do conceito intermediário de elisão ilícita, caracterizada pelo abuso do direito. Assim, define o autor evasão fiscal, elisão lícita e elisão ilícita:

(...) se utilizará a expressão evasão fiscal para definir o comportamento ilegal ou fraudulento do contribuinte que foge ao pagamento do tributo devido, por qualquer forma mais ou menos criativa, partindo-se do pressuposto de que o fato imponível já ocorreu e encontra-se o agente na posição de devedor da obrigação tributária. Elisão, por outro lado, abrangerá um espectro mais amplo de atos ou omissões destinadas a evitar, reduzir, ou retardar o envolvimento do indivíduo na relação tributária, mediante a utilização de meios legalmente permitidos. Para esta hipótese será frequentemente empegada a expressão elisão lícita, ou simplesmente elisão. Elisão ilícita é a prática do agente destinada a não envolvê-lo na relação tributária, mediante o uso de meios não proibidos, mas anormais, insólitos, inadequados e que, de alguma forma, possam ser caracterizados como abuso do direito ao uso da forma jurídica.477