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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3 INTERPRETAÇÃO

2.3.3 A Nova Hermenêutica

22. Perpassados os métodos tradicionais, outros métodos podem ser explicitados:

integrativo ou científico-espiritual; concretista; tópico; constituição aberta; e estruturante.

23. Para o método integrativo ou científico-espiritual a Constituição representa um

“conjunto de distintos fatores integrativos com distintos graus de legitimidade”. Assim, a constituição deve ser interpretada “como um todo”, com apreensão total de sentido ou significado. Qualquer instituto deve ser interpretado em conexão com o todo, com o conjunto da ordem jurídica constitucional. Para essa doutrina a interpretação torna a constituição mais plástica, mais moldável às mudanças sociais, sendo que a interpretação deve coadunar com o “espírito da constituição” 81

.

24. Já o método concretista reputa o ato interpretativo como uma concretização da

norma, pois havendo uma obscuridade é autorizado ao intérprete determinar o conteúdo material da norma. Tanto é que HESSE diz que a constituição se completa na interpretação. Assim, para esse método existem três elementos básicos para a

79 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. Op. Cit. p. 289; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 446, unindo os métodos histórico e teleológico; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. Op. Cit. p. 132-135. Para este autor não se deve descartar totalmente esse método, sobretudo no caso da interpretação constitucional, justificando, por exemplo, que é com base na concepção histórica que se entende que o instituto do habeas data foi adotado pela atual Constituição como reação ao regime militar que a antecedeu.

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FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. Op. Cit. p. 290-291; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 446; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. Op. Cit. p. 138-140. Segundo este autor o artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), consagrou o método teleológico, e, ainda, o artigo 3º, da Carta de 1988, abriu espaço para as finalidades do Estado Brasileiro.

81 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 478-480. No mesmo sentido, vide: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1212- 1213; SMEND, Rudolf. Dottrina Dell’Integrazione [Integrationslehre in: Handwörterbuch der Sozialwissenchaften 5 (1956) 299-302. In: Staatsrechtliche Abhandlungen und andere Aufsätze von RUDOLF SMEND, Zweite, erweiterte Auflage, Berlin 1968, Duncker und Humblot, 475-486]. In: SMEND, Rudolf. Costituzione e Diritto Costituzionale. Op. Cit. p. 271-278.

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interpretação: a norma, a compreensão prévia e o problema concreto82.

25. A tópica consiste em “pensar o problema”, ou seja, de acordo o método tópico

procura-se uma solução justa para o caso concreto. A interpretação se dá quando da busca pela resolução de uma situação de fato. Ele (o método) traz, então, uma abertura que não existia no direito europeu, mas que era presente no direito norte-americano (case law) 83.

A tópica e a teoria científico-espiritual abriram espaço para a teoria material da constituição, tendo propiciado o advento de outros métodos hermenêuticos, podendo ser mencionados o método concretista da constituição aberta e a metódica estruturante84.

26. O método concretista da constituição aberta pode ser concebido por meio de

três pontos fundamentais: o “círculo de intérpretes”, que é mais abrangente; a interpretação encarada como um “processo público e aberto”; a constituição é vista como uma “realidade constituída” e publicização. O círculo de intérpretes é composto por todos os agentes sociais que participam ativa ou passivamente da vida política. Ressaltam-se os elementos de publicidade e de abertura, corolários da democracia e do pluralismo, conferindo flexibilidade à constituição. Como crítica diz-se que esse método propicia a manutenção dos statu quo da liberdade, sendo de difícil aplicação em situações de crises, que demandem soluções de forma mais célere85.

27. Por fim, nesse contexto interpretativo insere-se a metódica estruturante86.

Os postulados básicos da metódica normativo-estruturante são os seguintes: (1) a

82 HESSE, Konrad. A interpretação constitucional. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do Direito

Constitucional. Op. Cit. p. 108-110; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p.

481-482; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1212.

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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 490-493; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1211-1212. Para maior entendimento acerca da tópica, vide: VIEHWEG, Theodor. Topica e jurisprudência [Topik und Jurisprudenz: Ein Beitrag zur rechtswissenschaftlichen Grundlagenforschung]. Tradução Tercio Sampaio Ferraz Junior. Distrito Federal: Imprensa Nacional, 1979; Vide, ainda: CANARIS, Claus-Wilhelm.

Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Op. Cit. p. 243-277.

84 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 496-498.

85 Ibid., p. 509-517. Para mais detalhes em relação a este método, vide: HÄBERLE, Peter. Hermenêutica

constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista

e “procedimental” da constituição [Offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten]. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

86 Para mais detalhes em relação à metódica estruturante, vide: MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho

do direito constitucional [Juristische Methodik und Politisches System. Elemente einer Verfassungstheorie

II]. Tradução Peter Naumann. 3ª. Ed. Rev. Ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 35-107; MÜLLER, Friedrich. Discours de la methode juridique [Juristische Methodik]. Tradução Olivier Jouanjan. Paris: Puf, 1996. p. 163-337.

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metódica jurídica tem como tarefa investigar as várias funções de realização do direito constitucional (legislação, administração, jurisdição); (2) e para captar a transformação das normas a concretizar numa ‘decisão prática’ (a metódica pretende-se ligada à resolução de problemas práticos); (3) a metódica deve preocupar-se com a estrutura da norma e do texto normativo, com o sentido de normatividade e de processo de concretização, com a conexão da concretização normativa e com as funções jurídico-práticas; (4) elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é uma teoria hermenêutica da norma jurídica que arranca da não identidade entre norma e texto normativo; (5) o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (6) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange um ‘domínio normativo’, isto é, um ‘pedaço de realidade social’ que o programa normativo só parcialmente contempla; (7) consequentemente, a concretização normativa deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um formado pelos elementos resul- tantes da interpretação do texto da norma (= elemento literal da doutrina clás- sica); outro, o elemento de concretização resultante da investigação do referente normativo (domínio ou região normativa) 87.

A metódica estruturante é concretista, devendo-se, pois, perscrutar as regras de concretização para melhor compreender sua dinâmica. O ponto de partida da interpretação é a norma. E a norma não se identifica com o texto normativo. Ela (a norma) é o conteúdo ou significado do texto (normativo). Assim, a primeira tarefa da hermenêutica consiste em compreender (atribuir um significado) o enunciado do texto normativo88.

Contudo, iniciar pelo texto normativo não significa que a interpretação é um ato lógico-dedutivo (concepção positivista), mas que não pode distanciar-se do texto legal. Ele é o seu objeto. Conferir um conteúdo semântico ao texto normativo, porquanto este não se confunde com a norma, há de se ter em consideração não somente o texto, mas, igualmente, o problema a ser solucionado. Ou seja, para a concretização é necessário atribuir um significado ao texto levando-se em conta aspectos concernentes ao caso concreto89.

Prosseguindo, a norma tem dois componentes: o “programa normativo” e o “domínio normativo”. O “programa normativo” relaciona-se a um “processo parcial de

87 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1213. 88 Ibid., p. 1215.

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concretização” que implica a atribuição de sentido (interpretação) ao texto normativo. O “domínio normativo”, por sua vez, refere-se a um “segundo processo parcial de concretização” firmado na realidade a ser regulada pela norma. Dessa concepção de que a norma é formada por dois elementos (o “programa normativo” e o “domínio normativo”) resulta a significação da “normatividade constitucional” 90

.

Assim, pode-se dizer que o texto normativo distingue-se da norma. O texto normativo refere-se ao enunciado contido em determinada disposição normativa (constituição, lei, ou qualquer outro ato normativo). Por seu turno, a norma concerne à interpretação do texto normativo. Mas não somente isso. A aplicação de uma norma se dá no caso concreto, havendo, pois, uma interação entre o enunciado, sua interpretação (norma jurídica), e, por fim, a solução de uma situação determinada por meio da norma de decisão (processo de concretização da norma) 91.

Nas palavras de GRAU:

a concretização implica um caminhar do texto da norma para a norma concreta (a norma jurídica), que não é ainda, todavia, o destino a ser alcançado; a concretização somente se realiza no passo seguinte, quando é descoberta a norma de decisão, apta a dar solução ao conflito que consubstancia o caso concreto. Por isso dizem alguns autores que interpretação e concretização são distintas entre si — o que contesto, para sustentar que inexiste, hoje, interpretação do direito sem concretização. Esta é, pois, a derradeira etapa daquela92.