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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.13 Direitos fundamentais e reforma da Constituição

63. Já foi aludido outrora que os direitos fundamentais podem ter uma função de

direitos a proteção ou a assim chamada “eficácia protetiva” desses direitos. Assim, cabe ao Estado promover ações no sentido de assegurar a fruição dos direitos fundamentais, porquanto se eles não forem devidamente tutelados sua eficácia poderá ser questionada312.

Nesse sentido, no que concerne à reforma da Constituição, não se pode desvirtuar o “espírito” ou a finalidade da ordem constitucional, ainda que este limite ao poder de reforma não seja explicitamente previsto. Assim sendo, além dos limites estabelecidos pelo constituinte (artigo 60, § 4º, da CF), há os denominados limites implícitos. Dentre tais limites podem ser citados os princípios fundamentais (artigos 1º a 4º, da CF), visto que são

312 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 405.

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pertinentes aos “elementos essenciais à forma de Estado e de governo”, não podendo ser suprimidos sob pena de abolição do próprio Estado constitucional existente313.

Aventou-se na doutrina a possibilidade de revisão das normas que instituem cláusulas pétreas, ao que foi chamado de “teoria da revisibilidade das cláusulas proibitivas de revisão”. Contudo, a admissão de tal teoria poderia desvirtuar a própria lógica do sistema de garantias instituído pelo constituinte, o que implicaria perda da força normativa da constituição314.

A jurisprudência do STF aceita o controle de constitucionalidade de emendas, o que implica, por conseguinte, que as reformas constitucionais possuem limites315.

No que tange ao alcance do disposto no artigo 60, § 4º, da CF, que menciona apenas a proteção em relação ao poder de reforma restrita aos direitos individuais, a

313 Ibid., p. 415.

314 Ibid., p. 416-417.

315 Nesse sentido, o seguinte julgado: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) n. 466/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 03.04.91. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+46 6%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+466%2EACMS%2E%29&base=baseAcordao s>. Acesso em 27 abr. 2011, 13:20:17. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITÁRIA - LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 60, § 4º, IV) - INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO (EM TESE) NO DIREITO BRASILEIRO - AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO - NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. - O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou - como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite - o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos "in fieri", ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe - ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante - a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo - que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva -, a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional - e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão - que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados. - A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas - que não são normas constitucionais originárias - não estão excluídas, por isso mesmo, do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade. O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade.

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doutrina tende, por meio de uma interpretação sistemática, a estender o âmbito de abrangência deste dispositivo aos direitos sociais, políticos e de nacionalidade. Assim sendo, a inclusão dos direitos sociais (e demais direitos fundamentais) no rol das ‘cláusulas pétreas’ há de ser justificada com base no direito constitucional positivo. Isto porque:

Já no preâmbulo de nossa Constituição encontramos referência expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais, da igualdade e da justiça constitui objetivo permanente de nosso Estado. Além disso, não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a idéia de que constituímos um Estado democrático e social de Direito, o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais, especialmente nos arts. 1º, incs. I a III, e 3º, incs. I, III e IV. Com base nestas breves considerações, verifica-se, desde já, a íntima vinculação dos direitos fundamentais sociais com a concepção de Estado da nossa Constituição. Não resta qualquer dúvida de que o princípio do Estado Social, bem como os direitos fundamentais sociais, integram os elementos essenciais, isto é, a identidade de nossa Constituição, razão pela qual já se sustentou que os direitos sociais (assim como os princípios fundamentais) podariam ser considerados — mesmo não estando expressamente previstos no rol das ‘cláusulas pétreas’ — autênticos limites materiais implícitos à reforma constitucional. Poder-se-á argumentar, ainda, que a expressa previsão de um extenso rol de direitos sociais no título dos direitos fundamentais seria, na verdade, destituída de sentido, caso o Constituinte, ao mesmo tempo, tivesse outorgado a estes direitos proteção jurídica diminuída316.

Portanto, as cláusulas pétreas constituem limites ao poder de reforma da Constituição, servindo como meio de proteção dos direitos fundamentais, porquanto sua supressão implicaria o esvaziamento do Estado constitucional, bem como configuraria séria violação do princípio da dignidade da pessoa humana317.

316 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 424. No mesmo sentido, vide: BONAVIDES, Paulo.

Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 651-662; BEDÊ , Fayga Silveira. Sísifo no limite do

imponderável ou direitos sociais como limites do poder reformador. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson; BEDÊ , Fayga Silveira (Orgs.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao prof. J. J. Gomes Canotilho. Op. Cit. p. 107-113; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Poder Constituinte. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. Op. Cit. p. 258-259. Vide, ainda, com mais detalhes: SARLET, Ingo Wolfgang. A

Problemática dos Direitos Fundamentais Sociais Como Limites Materiais ao Poder de Reforma da Constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2003. p. 333-394.

317 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 426.

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