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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.1 Terminologia: direitos fundamentais e direitos humanos

36. Cabe, preliminarmente, uma definição em relação ao termo a ser usado neste

trabalho. Várias expressões são utilizadas para se referirem aos direitos aqui tratados. A título exemplificativo podem ser citados: “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades

Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do Direito

Constitucional. Op. Cit. p. 113-115; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1225.

99 HESSE, Konrad. A interpretação constitucional. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do Direito

Constitucional. Op. Cit. p. 115-116. De forma mais detalhada, vide: HESSE, Konrad. A Força Normativa da

Constituição. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do Direito Constitucional. Op. Cit. p. 123-146. No mesmo sentido, vide: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. Op. Cit. p. 1226.

100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1226-1227. Em sentido convergente, vide: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da

constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. Op. Cit. p. 188-195. Sobre a

interpretação conforme a constituição e seus limites, vide: HESSE, Konrad. A interpretação constitucional. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do Direito Constitucional. Op. Cit. p. 118-122.

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fundamentais”, e “direitos humanos fundamentais” 101

.

A própria Carta de 1988 faz uso de diversas expressões, como: “direitos humanos” (artigo 4º, inciso II), “direitos e garantias fundamentais” (epígrafe do Título II, e artigo 5º, § 1º), “direitos e liberdades constitucionais” (artigo 5º, inciso LXXI), “direitos e garantias individuais” (artigo 60, § 4º, inciso IV) 102

.

Em que pese o fato de a dissidência parecer ter caráter meramente formal, teórico ou acadêmico, a doutrina prefere utilizar as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” com distintos significados. Os “direitos fundamentais” são também “direitos humanos”, porquanto apresentam como seus titulares os seres humanos, entretanto, os primeiros são aqueles que foram reconhecidos e positivados por determinado Estado, ao passo que os últimos relacionam-se a preceitos de direito internacional, podendo-se dizer, com efeito, que são posições jurídicas que aspiram à validade universal, ou seja, a serem direitos válidos para qualquer ser humano pelo simples fato de sua condição humana103.

A expressão “direitos do homem” apresenta uma dimensão mais universalista, visando à proteção do ser humano como tal. Já a referência aos “direitos fundamentais” denota uma situação referente a uma determinada ordem jurídica concreta104.

MIRANDA baseia seu entendimento de que os direitos humanos referem-se a todos os seres humanos, devido à sua condição humana, citando os documentos internacionais de caráter universalista: Declaração Universal da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948; Declaração Europeia dos Direitos Humanos (1951); e Convenção Americana dos Direitos Humanos (1969) 105.

37. Outro aspecto que é considerado na diferenciação de “direitos humanos” com

“direitos fundamentais” concerne ao denominado “duplo regime de fundamentalidade

101 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª. Ed. Rev. Atual. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 27.

102 Ibid., p. 27.

103 Ibid., p. 29. No mesmo sentido: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos

humanos. 7ª. Ed. Rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 70-71; SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direito justo. Op. Cit. p. 131-135;

LUÑO, Antonio E. Perez. Los Derechos Fundamentales. 7ª. Ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 43-51; DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 52-54.

104

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 393. 105 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. V. IV. 3ª. Ed. Rev. Atual. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 51 e seq. Todos os citados documentos internacionais apresentam os direitos humanos com caráter universalista.

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formal e material”.

Assinala-se que a fundamentalidade formal concerne à colocação das normas de direitos fundamentais no máximo grau de hierarquia da ordem jurídica, ou seja, elas devem estar alocadas na constituição; ainda, tais normas devem ser tuteladas por procedimentos mais rigorosos de revisão ou emenda, podendo configurar limites materiais ao poder de reforma constitucional; elas apresentam caráter vinculativo dos órgãos estatais no que concerne aos seus atos, decisões, escolhas, ações e controle106.

Por seu turno, a fundamentalidade material indica que o “conteúdo” desses direitos (fundamentais) são ideias básicas de sustentação do Estado e da sociedade. A magnitude dessa subdivisão reside no fato de que podem existir “direitos fundamentais” que sejam material, mas não formalmente fundamentais. Destarte, a fundamentalidade material fornece a abertura para outros direitos que sejam substancialmente fundamentais, mas que não tenham sido constitucionalizados107.

Assenta-se que a dupla fundamentalidade (formal e material) está presente somente nos “direitos fundamentais”, visto que eles além de apresentarem conteúdo de posições jurídicas fundamentais (fundamentalidade material), também são reconhecidos e positivados pelo Estado (fundamentalidade formal). Já os “direitos humanos” atendem ao requisito da fundamentalidade material, mas nem sempre ao da fundamentalidade formal, e, quando isso acontece, eles são chamados de “direitos fundamentais”. A magnitude dessa distinção reside no fato de a eficácia ou efetividade dos direitos fundamentais ser mais acentuada do que a dos direitos humanos108.

106 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 379; DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Op. Cit. p. 54-56. 107 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 379 e 403-404. O autor refere-se ao artigo 16º, da Constituição da República Portuguesa [Artigo 16.º (Âmbito e sentido dos direitos fundamentais). 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. 2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. PORTUGAL. Constituição (1976). Lei Constitucional n. 1/82, de 30 de setembro (Primeira Revisão). Disponível em: <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2011, 12:06:40]. Nesse caso, o autor ressalta que esse dispositivo é uma norma de fattispecie aberta, podendo abranger direitos “que se propõem no horizonte da acção humana”. Vide, ainda: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito

Constitucional. V. IV. Op. Cit. p. 162-175; DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Op. Cit. p. 54-56. Sobre os fundamentos dos direitos fundamentais, vide:

FERRAJOLI, Luigi et al. Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2001; FREIJEDO, Francisco J. Bastida et al. Teoría General de los Derechos Fundamentales en la Constitución

Española de 1978. Op. Cit. p. 17-44. Acerca da interpretação dos direitos fundamentais, vide: FREIJEDO,

Francisco J. Bastida et al. Teoría General de los Derechos Fundamentales en la Constitución Española

de 1978. Op. Cit. p. 57-82.

108 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 30-31.

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Não obstante tais diferenciações operadas entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, não se pode olvidar, nem deixar de reconhecer, a ligação existente entre eles. A fundamentalidade material está presente em ambos109.