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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.14 Direitos fundamentais e proibição do retrocesso

64. A proibição do retrocesso normalmente é veiculada em relação a atos de efeitos

retrospectivos, como é o caso de situações que violem direitos adquiridos, coisa julgada ou ato jurídico perfeito. Todavia, pode haver retrocesso social em “atos com efeitos prospectivos”. A situação mais corriqueira em que isso pode acontecer é aquela em que o legislador infraconstitucional edita ato normativo concretizador de direito fundamental, normalmente em situação de direitos prestacionais, e depois volta atrás318.

Nesse contexto, ressalta-se, novamente, o aspecto protetivo ou a “eficácia protetiva” dos direitos fundamentais319

.

A doutrina lusitana defende a “proibição do retrocesso”, asseverando que após a concretização do direito fundamental este assume verdadeira feição de direito de defesa, passando para a esfera da justiciabilidade, ou seja, assegura ao seu titular o direito subjetivo de exigir judicialmente a fruição do direito. Ressalta-se, nesse aspecto, a tutela do “princípio da proteção da confiança” 320

.

Os críticos dessa posição argumentam que a “proibição do retrocesso” confronta-se com o fato de que os direitos sociais são determináveis pela legislação infraconstitucional, de tal modo que o legislador goza de ampla esfera de discricionariedade e liberdade de conformação, o que abrangeria também a possibilidade de voltar atrás, ou seja, de reduzir conquistas sociais anteriormente atingidas. O limite ao legislador seria o “princípio da proteção da confiança”, sendo que o retrocesso deveria ser justificado321

.

Por outro lado, há argumentos favoráveis à aplicação do entendimento de que os

318 Ibid., p. 436. Sobre a proibição do retrocesso, vide, ainda: SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição do retrocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; e CORREIA, Érica Paula Barcha (Coords.). Direitos Fundamentais Sociais. Op. Cit. p. 71-109; SARLET, Ingo Wolfgang. Proibição de retrocesso e dignidade da pessoa humana. In: BONAVIDES,Paulo; LIMA, Francisco Gérson; BEDÊ , Fayga Silveira (Orgs.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao prof. J. J. Gomes Canotilho. Op. Cit. p. 292-335; DERBLI, Felipe. A Aplicabilidade do Princípio da Proibição do Retrocesso Social no Direito Brasileiro. In: SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio Pereira (Orgs.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização, e Direitos Sociais em Espécie. Op. Cit. p. 343-382.

319

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 437.

320 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 479; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 439-440. Vide, ainda: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. V. IV. Op. Cit. p. 397-400.

321 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 443.

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direitos fundamentais hão de gozar da proteção em face do retrocesso social. Ei-los: quando a lei conforma dado direito fundamental isto se incorpora no patrimônio jurídico da cidadania, não podendo ser dirimido; ainda, como dito alhures, em conformidade com a doutrina portuguesa, os direitos prestacionais quando conformados adquirem status de direitos de defesa, conferindo direitos subjetivos aos seus titulares, devendo o Estado abster-se de intervir neles322; a proibição do retrocesso social decorre do princípio do Estado Democrático e social de Direito, em que deve existir um nível mínimo de “segurança jurídica”; o retrocesso viola o princípio da dignidade humana, pois, após a consecução de determinado nível social não se pode adotar medidas tendentes a aboli-lo, sob pena de infringir o citado princípio da dignidade humana; o “princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais” demanda uma eficácia protetiva, que pode ser oferecida, também, pela proibição do retrocesso; a vedação à edição de normas de cunho violador do direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito não consegue ser tão abrangente a ponto de dar conta de outras situações em que a segurança jurídica pode ser transgredida, como no caso do recuo social; o aludido princípio da proteção da confiança, que deve governar as relações sociais, a fim de que haja um mínimo de estabilidade e segurança; os entes estatais estão atrelados à obrigação tanto de concretização de direitos fundamentais, quanto de observância de “atos anteriores”; não reconhecer a vedação ao retrocesso social implicaria, por via oblíqua, aceitar que o legislador pudesse livremente “tomar decisões” dissonantes em relação ao espírito constitucional; enfim, o sistema internacional de direitos humanos, que há de ser considerado nesse aspecto, considera como necessária a “progressiva implementação efetiva da proteção social” pelos órgãos estatais, proibindo-se, implicitamente, o retrocesso social (artigo 2º, n. 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais323) 324.

322 Nesse sentido, vide: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. Op. Cit. p. 479.

323

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (1966). Op. Cit. Art. 2º. 1. Cada um dos Estados Partes no presente Pacto compromete-se a agir,

quer com o seu próprio esforço, quer com a assistência e cooperação internacionais, especialmente nos planos económico e técnico, no máximo dos seus recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas.

324 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 445-448.

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3. DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS SOCIAIS E