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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.2 Breve evolução histórica

38. Baseando-se na lição de KLAUS STERN, SARLET aponta para a existência de três etapas pertinentes à evolução histórica dos direitos fundamentais: uma pré-história, que se estende até o século XVII; uma fase intermediária, que compreende o jusnaturalismo e a afirmação dos direitos naturais do homem; e, enfim, a fase de constitucionalização, que se iniciou com a Constituição Americana de 1776 e prosseguiu com as mais diversas constituições subsequentes110111.

No que tange à chamada pré-história, que influenciou sobremaneira o jusnaturalismo, havia a concepção de que o homem, em virtude de sua condição humana, já era (o homem), por si só, titular de determinados direitos, ditos naturais e inalienáveis.

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Ibid., p. 33. Em oposição a este entendimento, ou seja, no sentido da não diferenciação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, vide: TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª. Ed. Rev. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 357 e seq.

110 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 37.

111 Para uma concepção histórica mais aprofundada sobre a evolução dos direitos humanos, vide: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Op. Cit. p. 13-70; LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 3ª. Reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 117-166; LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteção

dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 76-108.

Acerca da formação e evolução histórica dos direitos fundamentais, vide: LUÑO, Antonio E. Perez. Los

Derechos Fundamentales. Op. Cit. p. 29-42; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3ª. Ed. Reimpr. Coimbra: Almedina, 2006. Capítulos I e II;

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. V. IV. Op. Cit. p. 7-33; BOBBIO, Norberto. A Era

dos Direitos [L’età dei diritti]. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 4ª. Tir. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p.

35 e seq.; PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos fundamentais sociais: considerações acerca da legitimidade política e processual do Ministério Público e do sistema de justiça para sua tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 21-102; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 357-368 e 380-391. Sobre a história e os fundamentos dos direitos humanos, as dimensões a incorporação de tratados internacionais sobre direitos humanos, vide: MARCÍLIO, Maria Luiza e PUSSOLI, Lafaiete (Coords.). Cultura dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 1998. Sobre os fundamentos éticos dos direitos humanos, vide: KOH, Harold Hongju e SLYE, Ronald C. (Orgs.). Democracia Deliberativa y

Derechos Humanos [Deliberative Democracy and Human Rights]. Tradução Paola Bergallo y Marcelo

Alegre. Barcelona, 2004. Parte II: Fundamentos Éticos de los Derechos Humanos Internacionales; BITTAR, Eduardo C. B. A Ética dos Direitos Humanos. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto e MELO, Claudinei de (Orgs.). Direitos Humanos, Democracia e República: Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 347-380; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Fundamentando os Direitos Humanos: um Breve Inventário. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.).

Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Renovar, 2007. p. 169-207. Sobre

a legitimação dos direitos humanos, vide: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos Direitos

Humanos. Op. Cit. p. 11-96; 467-519; 521-568. Acerca da relação entre direitos humanos e justiça social,

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Os valores dignidade, liberdade e igualdade encontram suas raízes nos pensamentos greco- romano, cristão e na filosofia clássica112.

Perpassando a Idade Média, já no século XVII LOCKE defendia a existência de “direitos naturais e inalienáveis do homem (vida, liberdade, propriedade e resistência)”, que eram oponíveis inclusive ao detentor do poder estatal, em decorrência do pacto ou contrato social113.

Com ROUSSEAU, PAINE e KANT, cada qual ao seu modo, aflorou a “teoria do contratualismo” e dos “direitos naturais do indivíduo”, podendo-se falar, aqui, em direito de liberdade somente limitado pela liberdade dos outros indivíduos114.

O reconhecimento dos direitos ditos naturais pelas primeiras declarações de direitos pode ser entendido como o embrião dos direitos fundamentais.

Já a Magna Charta Libertatum, firmada em 1215, pelo Rei João Sem-Terra, e que teve como objetivo propiciar aos nobres ingleses o acesso a alguns privilégios que o restante da população não tinha, apesar de seu caráter aristocrático, apresentou alguns institutos até hoje reconhecidos como relativos a direitos fundamentais, como o habeas corpus e o devido processo legal115. Entende-se que ela fornecia “aberturas” para a transmutação dos direitos ditos corporativos (aristocráticos) em direitos humanos116117.

A Reforma Protestante levou à concepção de liberdade de religião, e as guerras religiosas contribuíram para a construção dos Estados modernos e do absolutismo, que foram, por sua vez, propulsores das revoluções burguesas ocorridas no século XVIII. Diz- se que a liberdade de religião foi o primeiro direito individual reivindicado118.

Já a Revolução Gloriosa, de 1688, foi de fundamental importância para a limitação do poder do monarca e da ascensão do Parlamento perante a monarquia inglesa. Em 1689 foi promulgado o Bill of Rights, que impôs a limitação do então poder absoluto do rei,

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 37-38.

113 Ibid., p. 40. 114 Ibid., loc. cit. 115

Ibid., p. 41.

116 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 382- 383.

117 Sobre a importância histórica da Magna Charta, vide: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação

histórica dos direitos humanos. Op. Cit. p. 83-99.

118 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 42; LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos

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criando a separação de poderes119120.

A Declaração de Direitos do Povo da Virgínia (1776) é tida como o primeiro documento a reconhecer direitos no sentido que atualmente se alude como direitos fundamentais121122.

Todavia, a Constituição de 1791 (França) foi a primeira constituição a consagrar direitos fundamentais por incorporação da Declaração de Direitos de 1789.

As declarações americanas incorporaram virtualmente os direitos e liberdades já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século XVII, direitos estes que também tinham sido reconhecidos aos súditos das colônias americanas, com a nota distintiva de que, a despeito da virtual identidade de conteúdo, guardaram as características da universidade e supremacia dos direitos naturais, sendo-lhes reconhecida eficácia inclusive em relação à representação popular, vinculando, assim, todos os poderes públicos. Com a nota distintiva da supremacia normativa e a posterior garantia de sua justiciabilidade por intermédio da Suprema Corte e do controle judicial da constitucionalidade, pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração de direitos à Constituição em 1791, mais exatamente, a partir do momento em que foi afirmada na prática da Suprema Corte a sua supremacia normativa123124.