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2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.9 Aplicabilidade imediata e plena eficácia das normas de direitos fundamentais

52. O artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988 estabelece que234:

230 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 88-102; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 248.

231

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. Op. Cit. p. 103-116; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 248.

232 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. Op. Cit. p. 117-166; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 248.

233 Ibid., p. 252-256.

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Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...).

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Este dispositivo, não obstante esteja inserido no artigo 5º, o que poderia indicar que sua aplicação restringir-se-ia aos direitos contidos no citado artigo, apresenta, pela redação, um preceito que não limita sua aplicação aos direitos contidos no aludido artigo 5º, visto que há menção aos “direitos e garantias fundamentais”, o que é exatamente a epígrafe do Título II da Carta Magna. Assim, mesmo que se faça uma interpretação meramente literal, não se pode restringir a aplicação do que foi estatuído no § 1º do artigo 5º aos incisos deste artigo235.

Adotando-se a interpretação sistemática ou teleológica chega-se a idêntico resultado. Isto porque não se vislumbra que o constituinte tenha tido a intenção de excluir do âmbito normativo do artigo 5º, § 1º, os direitos fundamentais sociais, de nacionalidade e políticos, porquanto não se pode questionar sua fundamentalidade236.

Ainda, como visto alhures, há direitos fundamentais sociais com características de defesa e, também, direitos fundamentais individuais com dimensão prestacional. Não pode, pois, haver tratamento desigual nesse sentido237. Ademais, conforme entendimento esposado neste trabalho, a concepção de indivisibilidade, interdependência e inter-relação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, em especial, impede o tratamento diferenciado dos direitos com dimensão de defesa e dos direitos prestacionais.

Entende-se, contudo, que a existência de instrumentos processuais como o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão são indicativos de que há normas que não possuem plena capacidade eficacial, sendo necessária a intervenção do legislador para a produção de todos os efeitos essenciais238.

Por conseguinte, se por um lado as normas definidoras de direitos fundamentais

235 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 262.

236 Ibid., loc. cit. 237 Ibid., p. 263. 238 Ibid., p. 265.

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têm aplicabilidade imediata, por outro, há normas que não possuem, desde sua edição, capacidade de produzir de forma plena todos os seus efeitos essenciais. A fim de compatibilizar tais posições, propõe-se a interpretação do artigo 5º, § 1º, da CF como uma prescrição aos órgãos estatais no sentido de maximizarem a eficácia dos direitos fundamentais239.

Com efeito, analogamente à concepção dos princípios como mandamentos de otimização, propugna-se pela busca pela maior eficácia possível aos direitos fundamentais, não se lhes vislumbrando uma aplicação na lógica do tudo ou nada (como é caso das regras), dependendo sua aplicação da análise do caso concreto, vigorando, sempre,

uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente fundamentada e justificada, presunção esta que milita em favor das demais normas constitucionais, que, como visto, nem por isso deixarão de ser imediatamente aplicáveis e plenamente eficazes, na medida em que não reclamarem uma interpositio legislatoris, além de gerarem — em qualquer hipótese — uma eficácia em grau mínimo240.

53. Os direitos de defesa, conforme já definidos anteriormente, são aqueles que se

reportam aos direitos de liberdade e igualdade, impondo uma abstenção por parte de seus destinatários (o Estado ou os particulares). Em relação a tais direitos não há divergência doutrinária de monta quanto à sua aplicabilidade imediata (ou alta densidade normativa), conferindo aos seus titulares o direito de exigirem sua aplicação inclusive judicialmente (ao que se dá o nome de justiciabilidade) 241.

Esse entendimento também se atribui aos direitos sociais com dimensão defensiva, que, como visto alhures, são também chamados de liberdades sociais. Estes direitos, quando demandam a abstenção de seus destinatários (defesa) geram direitos subjetivos aos seus titulares, sendo, destarte, direitos com plena justiciabilidade242.

Depois de um período de posicionamento mais refratário em relação aos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal vem caminhando no sentido de atribuição de

239 Ibid., p. 268. 240 Ibid., p. 271. 241 Ibid., p. 274-275. 242 Ibid., p. 275.

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maior eficácia e efetividade aos direitos fundamentais, partindo para a concepção de que tais direitos implicam direitos subjetivos243. Assim sendo, a contumaz omissão do legislador infraconstitucional não pode impedir a fruição do direito fundamental pelo seu titular244.

54. Como visto outrora, os direitos sociais com aspectos prestacionais condizem

com a atuação estatal promocional, mais especificamente, demandam uma prestação estatal de natureza fática245.

Alguns autores ressaltam o aspecto econômico dos direitos sociais a prestações, entretanto, não se pode olvidar que os direitos de defesa também apresentam um caráter econômico, apresentando sim um “custo” para a sua efetivação246

.

A doutrina, porém, coloca em maior evidência o aspecto econômico no que tange aos direitos sociais a prestações e não aos direitos de defesa247.

Nessa seara, os autores costumam referir à denominada “reserva do possível” 248

. Sustenta-se que a “reserva do possível” é composta por três dimensões:

243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção (MI) n. 708/DF. Rel. Min. Gilmar

Mendes, j. 25.10.07. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MI%24.SCLA.+E+708.NUME. %29+OU+%28MI.ACMS.+ADJ2+708.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 11 dez. 2012, 19:50:52. EMENTA: Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis n.s 7.701/1988 e 7.783/1989. No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-07, DJE de 31-10-08.

244 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 278-279.

245 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. Op. Cit. p. 129.

246 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 284-285. Sobre essa temática, vide: HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York e London: W. W. Norton & Company, 2000. Part I.

247 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 285.

248 Para estudos mais detalhados acerca dos direitos fundamentais em cotejo com a reserva do possível, vide: SARLET, Ingo Wolfgang e TIMM, Luciano Benetti (Coords.). Direitos Fundamentais, Orçamento e

“Reserva do Possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Op. Cit. p. 87-140; TORRES, Silvia Faber. Direitos Prestacionais,

Reserva do Possível e Ponderação: Breves Considerações e Críticas. In: SARMENTO, Daniel e GALDINO, Flávio (Orgs.). Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Op. Cit. p. 769-792.

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a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade249.

Deste modo, a “reserva do possível” pode ser vista como

limite jurídico e fático dos direitos fundamentais”, podendo, todavia, atuar também na sua efetivação, quando, por exemplo, haja uma colisão de direitos e, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, invoque-se a questão da indisponibilidade de recursos como forma de assegurar o “núcleo essencial de outro direito fundamental250.

Mesmo considerando essa esfera da reserva do possível e da situação de baixa densidade normativa por parte das normas de direitos sociais a prestações, é importante ressaltar, entretanto, que todas as normas definidoras de direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata na medida de sua eficácia. Destarte, pode-se dizer que as normas de direitos sociais a prestações possuem eficácia vinculante nos seguintes aspectos: impõem a revogação ou não aplicação de normas com elas conflitantes; contêm imposições vinculantes ao legislador infraconstitucional, que deverá editar normas que concretizem suas disposições (perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais); necessidade de declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos estabelecidos após a sua entrada em vigor e que sejam elas (as normas de direitos sociais a prestações) conflitantes; a interpretação, integração e aplicação das normas devem ser feitas com observância das normas de direitos de cunho programático; os direitos fundamentais a prestações geram algum tipo de eficácia, lato sensu, no sentido jurídico-subjetivo, no mínimo que o Estado se abstenha de praticar qualquer ato que prejudique a fruição do direito (dimensão negativa); em relação aos direitos que já foram concretizados pelo legislador

249 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 287.

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infraconstitucional, a doutrina se posiciona no sentido de que este direito passa a ser considerado como direito de defesa, sendo vedado o retrocesso (princípio da vedação do retrocesso social), ou seja, é proibida a sua supressão251.

A questão acerca da justiciabilidade dos direitos sociais a prestações é problemática na doutrina252. Não há consenso a respeito. Para os efeitos deste estudo, classificar-se-ão tais direitos em “direitos originários a prestações sociais” e “direitos derivados a prestações”.

Os “direitos derivados a prestações” são aqueles que já foram concretizados pelo legislador infraconstitucional, sendo, considerados, como visto alhures, como verdadeiros direitos de defesa, cuja eficácia e justiciabilidade são inquestionáveis253.

Já os “direitos originários a prestações sociais” são aqueles em que se pode vislumbrar o reconhecimento do caráter de direitos subjetivos independentemente de qualquer mediação legislativa; ou seja, a característica da justiciabilidade apresenta-se desde a norma constitucional254.

Parte da doutrina defende que a negação do caráter de direito subjetivo ao direito fundamental de cunho prestacional não resiste a uma análise mais acurada da Constituição. Propugna-se, então, pela aplicação irrestrita do artigo 5º, § 1º, da Carta Magna, asseverando que a ausência gerada pelo Poder Legislativo pode ser colmatada pelo Judiciário, sem que isso implique violação à separação de Poderes255.

Já os argumentos utilizados de forma contrária à plena justiciabilidade dos direitos

251 Ibid., p. 291-298.

252 Vide, a respeito: SOUZA NETO, Cláudio Pereira. A Justiciabilidade dos Direitos Sociais: Críticas e Parâmetros. In: SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio Pereira (Orgs.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização, e Direitos Sociais em Espécie. Op. Cit. p. 515-553. Para maiores detalhes em relação à justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, vide: ARANGO, Rodolfo. El Concepto de

Derechos Sociales Fundamentales. Bogotá – México D. F. – Buenos Aires – Caracas – Lima – Santiago –

Miami: Legis, 2005. Capítulo III; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais

Sociais. Op. Cit. p. 73-86.

253 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 299; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito

Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 478-479. Este autor ressalta que, a partir da

concretização dos direitos sociais, é defeso aos entes estatais suprimir, sem qualquer “compensação ou alternativa”, o núcleo essencial de tais direitos. Também se propugna pela vedação do retrocesso social ou da evolução reacionária (itálicos do autor).

254

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 299; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito

Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 477-478. Ressalta o constitucionalista português que,

nesse caso, já a partir da norma constitucional é reconhecido o dever do Estado na criação das condições para o exercício do direito social, de tal sorte que o inadimplemento estatal gera para o titular do direito fundamental o direito subjetivo de exigir a prestação referente ao direito.

255 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 305-306.

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sociais a prestações podem ser assim sintetizados: há normas em que se estabelecem os objetivos e fins, sem, contudo, ser previstos os meios e a forma de sua efetivação, o que demandaria, então, a intervenção legislativa; outro ponto destacado é o do limite imposto pela outrora mencionada “reserva do possível”; o fato de que a concretização do direito pelo Poder Judiciário poderia implicar ofensa ao princípio da separação dos poderes256.

De qualquer forma, para uma tomada de posição acerca da justiciabilidade dos direitos sociais há que se adentrar mais no tema da possibilidade de estabelecimento de direitos subjetivos a direitos sociais a prestações, e, nesse sentido, deve-se perscrutar acerca do direito à garantia de uma existência digna e da sua relação com os direitos sociais.

Os direitos sociais estão dispostos, de forma geral, no artigo 6º, da CF: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” 257.

Pode-se dizer que tais direitos previstos no preceito acima citado são desdobramentos do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF). Logo, serão entendidos como direitos à garantia de uma existência digna.

A dignidade da pessoa humana, como estudado antanho, é princípio fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III, da CF), e finalidade da ordem econômica (artigo 170, da CF), sendo também considerada como o eixo fundamental da atividade hermenêutica, sobretudo no que concerne à aplicação dos direitos fundamentais.

Assim, como forma de dar concreção ao princípio da dignidade da pessoa humana, há a possibilidade de o indivíduo exigir prestações que confluam para a fruição de direitos que lhe assegurem uma existência digna. Cabe ao Estado, por conseguinte, editar atos normativos que propiciem o gozo dos direitos em conformidade com o estatuído na Constituição258.

Já no que concerne ao reconhecimento de direitos subjetivos em relação a direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, verifica-se um avanço por parte do

256 Ibid., p. 307-308.

257 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional n. 64, de 04 de fevereiro de 2010. Altera o art. 6º da Constituição Federal, para introduzir a alimentação como direito social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc64.htm>. Acesso em: 29 jan. 2011, 17:00:10.

258 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 311.

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Supremo Tribunal Federal, que entendia que tais direitos tinham o caráter de normas de eficácia limitada, passando a uma posição mais progressista, por exemplo, em relação ao direito fundamental à previdência social, mais especificamente, à aposentadoria259.

Analisando o direito comparado, mormente a Alemanha, cita-se que a jurisprudência e a doutrina reconhecem que a dignidade humana reclama a garantia de um mínimo de segurança social, demandando recursos materiais como forma de concretização do direito à existência digna. Deste modo, o direito à vida tem um aspecto negativo, no sentido de se abster de praticar condutas violadoras da integridade física da pessoa, mas, outrossim, no âmbito positivo, exigindo uma postura ativa para assegurar o direito à vida. Logo, reconheceu-se direito subjetivo do indivíduo a prestações materiais por parte do Estado, com o fito de lhe assegurar (ao indivíduo) o direito à vida com dignidade260.

A doutrina germânica, em complemento, entende que a garantia de uma existência digna é obrigação do Estado Social de Direito, sendo uma de suas tarefas e funções261.

Por fim, ainda na esteira doutrinária tudesca, reconhece-se o direito à existência sociocultural, sendo que o direito à educação e ao acesso a bens culturais também integram o mínimo existencial262.

É importante consignar que o direito ao mínimo existencial funciona como verdadeiro óbice em relação a qualquer tipo de ação ou omissão do poder público que obstrua a efetiva fruição dos direitos fundamentais e de sua condição mínima263.

Prosseguindo, a título exemplificativo, o direito à saúde deve ser considerado como um direito originário a prestações, ou seja, como um direito subjetivo a prestações

259 Ibid., p. 316. O autor cita decisão do STF, cuja ementa é a seguinte: Recurso extraordinário. Previdência Social. Aposentadoria por velhice. Rurícola. Auto-aplicabilidade do art. 202, I, da Constituição. Não há ofensa ao art. 195, § 5°, da Lei Magna, e ao art. 59, do ADCT, de 1988, na concessão de aposentadoria por velhice, prevista no dispositivo constitucional, independentemente de regulamentação. Recurso extraordinário conhecido e provido para julgar procedente a ação. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) n. 166.961/RS. Rel. Min. Néri da Silveira, j. 04.02.94. In: Revista Trimestral

de Jurisprudência (RTJ), v. 154, dez 1995, p. 995. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/154_3.pdf>. Acesso em 29 mar. 2011, 13:15:32. Sobre a justiciabilidade dos direitos sociais relativos à Previdência Social, Assistência Social e Alimentação, vide: SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio Pereira (Orgs.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização, e Direitos Sociais em Espécie. Op. Cit. Parte II. Item II.5. p. 1.053-1.139.

260 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 317-318.

261 Ibid., p. 318. 262

Ibid., p. 320. Sobre o mínimo existencial, vide: BARCELLOS, Ana Paula de. O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.).

Legitimação dos Direitos Humanos. Op. Cit. p. 97-135.

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materiais264. Isto porque

não nos esqueçamos de que a mesma Constituição que consagrou o direito à saúde estabeleceu — evidenciando, assim, o lugar de destaque outorgado ao direito à vida — uma vedação praticamente absoluta (salvo em caso de guerra regularmente declarada) no sentido da aplicação da pena de morte (art. 5°, inc. XLVII, alínea a). Cumpre relembrar, mais uma vez, que a denegação dos serviços essenciais de saúde acaba — como sói acontecer — por se equiparar à aplicação de uma pena de morte para alguém cujo único crime foi o de não ter condições de obter com seus próprios recursos o atendimento necessário, tudo isto, habitualmente sem qualquer processo e, na maioria das vezes, sem possibi- lidade de defesa, isto sem falar na virtual ausência de responsabilização dos algozes, abrigados pelo anonimato dos poderes públicos. O que se pretende realçar, por ora, é que, principalmente no caso do direito à saúde, o reconhecimento de um direito originário a prestações, no sentido de um direito subjetivo individual a prestações materiais (ainda que limitadas ao estritamente necessário para a proteção da vida humana), diretamente deduzido da Constituição, constitui exigência inarredável de qualquer Estado (social ou não) que inclua nos seus valores essenciais a humanidade e a justiça265.

Assim sendo, os Tribunais Superiores vêm reconhecendo que o direito à saúde constitui direito subjetivo a prestações, podendo ser exigida judicialmente a sua efetivação, como se depreende deste julgado, e também da jurisprudência nele citada266:

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA.

264 Nesse sentido, vide: PIOVESAN, Flávia. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; e CORREIA, Érica Paula Barcha (Coords.). Direitos Fundamentais Sociais. Op. Cit. p. 58-62. A autora explicita casos jurisprudenciais relativos à efetivação dos direitos sociais relativos à saúde por meio de atuação judicial, asseverando pela justiciabilidade de tais direitos. Ela cita, neste artigo, julgados do STF e do STJ em casos relativos ao fornecimento de medicamentos e ao acesso à assistência médico-hospitalar; situações relativas a