• Nenhum resultado encontrado

2 PRINCÍPIOS, INTERPRETAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4.11 Os limites dos direitos fundamentais

58. Para compreender a questão dos limites dos direitos fundamentais é necessário

apreender, anteriormente, a concepção de “âmbito de proteção” ou “domínio normativo” dos aludidos direitos. Os direitos fundamentais referem-se a determinados setores da vida social. Por exemplo, o direito à vida aponta para a vida humana; a liberdade de criação artística concerne à arte; o direito de inviolabilidade do domicílio relaciona-se ao domicílio ou moradia da pessoa. Assim, pode-se dizer que o “âmbito de proteção” ou “domínio normativo” dos direitos fundamentais condiz com o setor da vida social a que eles se referem292.

E a tutela a esses setores ou bens, ou seja, o chamado “domínio normativo”, refere- se à concessão de direitos subjetivos (liberdade), de prestação (educação), de procedimento ou processual (acesso aos tribunais), garantias institucionais (proteção à maternidade), direitos de participação (direitos políticos). Destarte, como se vê, a norma “recorta determinados dados da realidade” como objeto de proteção. A operacionalização disso tudo se dá por meio da atribuição de direitos, liberdades e garantias a sujeitos de direito293.

Pode-se dizer que as limitações aos direitos fundamentais são entendidas como as ações ou omissões dos entes estatais ou dos particulares que “dificultem, reduzam ou eliminem” a possibilidade de obtenção de dado bem jurídico tutelado, influenciando no seu “exercício”, ou reduzindo os “deveres estatais” voltados a assegurar ou fomentar tais bens

291 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 381.

292 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 448- 449 e 1262. Vide, ainda: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos

Fundamentais. Op. Cit. p. 136-141; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. As restrições direitos fundamentais

nas relações especiais de sujeição. In: SARMENTO, Daniel e GALDINO, Flávio (Orgs.). Direitos

Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Op. Cit. p. 603-659; STUMM,

Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade: no direito constitucional brasileiro. Op. Cit. p. 137-147; HESSE, Konrad. Significado dos Direitos Fundamentais. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; e COELHO, Inocêncio Mártires (seleção de textos e tradução). Temas fundamentais do

Direito Constitucional. Op. Cit. p. 63-66. Acerca da concepção de suporte fático (âmbito de proteção) e

conteúdo essencial dos direitos fundamentais, vide: SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. Op. Cit. p. 65-125 e 183-207.

293 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 1262-1263.

102

que são relativos aos direitos fundamentais294.

59. Quando se pensa em restrições ou limites a direitos fundamentais fala-se em

três aspectos: restrições constitucionais diretas; limitações decorrentes de leis; restrições não expressamente autorizadas pela Constituição295.

No primeiro caso, a própria Carta Magna restringe o conteúdo juridicamente protegido do direito fundamental. Nesse sentido, faz-se alusão ao direito de liberdade de reunião, desde que seja para fins pacíficos296. Ainda, pode-se mencionar o caso da restrição à inviolabilidade de correspondência (artigo 5º, inciso XII, da CF) quando do estabelecimento de estado de defesa ou de sítio (artigo 136, § 1º, inciso I, alínea b, e 139, inciso III) 297298.

A restrição por meio de lei ocorre quando a Lei Maior autoriza a limitação do direito fundamental por intermédio da atividade legiferante infraconstitucional. É o caso, por exemplo, da restrição da liberdade individual em matéria criminal299.

Podem estas restrições, outrossim, serem denominadas indiretas, quando decorrem

294 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 391. Vide, ainda: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Op. Cit. p. 141-152.

295 Sobre as restrições de direitos fundamentais, vide, com mais detalhes: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Op. Cit. p. 152-169; MENDES, Gilmar Ferreira. Limitações dos Direitos Fundamentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Op. Cit. p. 328-348. Vide, ainda: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. V. IV. Op. Cit. p. 328-357; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. Op. Cit. p. 126-182; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Op. Cit. p. 59-72; CRUZ, Rafael Naranjo de la.

Los Limites de los Derechos Fundamentales en las Relaciones Entre Particulares: La Buona Fe. Op. Cit.

p. 27-160; NOVAIS, Jorge Reis. As Restrições a direitos fundamentais não expressamente autorizadas

pela Constituição. Op. Cit. p. 155 e seq.; FREIJEDO, Francisco J. Bastida et al. Teoría General de los Derechos Fundamentales en la Constitución Española de 1978. Op. Cit. p. 120-132.

296 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 450. 297 BRASIL. Constituição (1988). Op. Cit. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I - restrições aos direitos de: b) sigilo de correspondência. Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei.

298 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 392.

103

de lei infraconstitucional, quando devidamente autorizadas pela Carta Magna. Nesse caso, existem as “reservas legais simples” e as qualificadas.

As primeiras autorizam o legislador a intervir no “âmbito de proteção” do direito fundamental, não prevendo “pressupostos ou objetivos específicos”, atribuindo, pois, maior discricionariedade legislativa. Como exemplo, cita-se o artigo 5º, inciso LVIII, da CF, verbis: LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei300301.

Por outro lado, as “reservas legais qualificadas” são delimitadas por “pressupostos e objetivos” traçados pelo constituinte, devendo o legislador, por conseguinte, atendê-los, como é o caso do já citado no artigo 5º, inciso XII, da CF302.

De qualquer sorte, a limitação a um direito fundamental deve ter base somente na Constituição. Isto ocorre devido à magnitude que os direitos fundamentais têm para a coletividade303.

Enfim, as limitações não expressamente autorizadas pela Constituição ocorrem em casos de inexistência de previsão de restrições por parte da Carta Magna, contudo, entende-se que haja uma limitação imanente. É o caso, por exemplo, da liberdade de manifestação do pensamento, que pode ser restringida por meio de lei em caso de incitação à violência ou ao uso de armas304.

60. Ainda nesse contexto, pode-se fazer menção à metódica da colisão de

direitos305.

300 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 29 jan. 2011, 12:43:10. A Lei n. 12.037/09 regulamentou esse artigo. Nesse sentido, vide: Id. Lei n. 12.037, de 1º de outubro de

2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso

LVIII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2009/Lei/L12037.htm>. Acesso em: 27 abr. 2011, 11:29:20.

301 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Op. Cit. p. 392.

302 Ibid., loc. cit. 303

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Op. Cit. p. 250.

304 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. Cit. p. 450- 451; SARMENTO, Daniel. Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARMENTO, Daniel e GALDINO, Flávio (Orgs.). Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Op. Cit. p. 267-325. Para uma compreensão mais detalhada em relação a esse tema, vide: NOVAIS, Jorge Reis. As Restrições a direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela

Constituição. Op. Cit. p. 155 e seq.

305

Sobre a colisão e a concorrência de direitos fundamentais, vide, com mais detalhes: DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Op. Cit. p. 169-175. Vide, ainda: FARIAS, Edilsom Pereira de. A colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Op. Cit. p. 116 e seq.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos

104

A colisão de direitos diz respeito ao fato de o exercício de um direito fundamental por um determinado sujeito chocar-se com o exercício de outro direito fundamental que tenha titular distinto306.

A resolução da colisão de direitos tem em conta três aspectos: os limites imanentes aos direitos em conflito, reduzindo-se seu “âmbito normativo”; a limitação do “âmbito de proteção”, fazendo-se com que o domínio de tutela de determinado direito não neutralize ou aniquile o conteúdo do direito colidente (utilização do princípio da concordância prática, conforme já visto outrora); restrição de um dos direitos que se encontram em choque307. De todo modo, pode-se remeter a tudo quanto exposto em tópico anterior sobre a ponderação, sopesamento, proporcionalidade e concordância prática.