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Na ocupação do espaço em sociedade, diversas atividades são desenvolvidas pelos seres humanos que possibilitam usos variados, diretos ou indiretos, podendo ocorrer conflitos entre as alternativas, conforme as prioridades definidas pela coletividade ou relações de poder. Assim, alternativas de uso como área de disposição de resíduos, conservação ou preservação ambiental, produção agropecuária, indústria, lazer, exploração de minérios, passam por questões objetivas e técnicas, mas, também, por questões envolvendo as relações de poder em sociedade, pelos grupos de interesse e disputas entre atores sociais.

Dentre as alternativas mencionadas anteriormente, a ocupação de espaço para a disposição de RSU em aterros é a única que não promove benefícios econômicos, sociais e ambientais à sociedade, exceto por reduzir os riscos ao ambiente e à saúde das pessoas quando comparado ao lixão. Assim, busca-se rever essa opção de destinação dos RSU, sinalizando alternativa que elimine ou reduza mais ainda os riscos ao ambiente e à saúde das pessoas, e promova benefícios à sociedade. A adoção da alternativa proposta no estudo representa a disponibilização de espaço para melhores usos pela sociedade.

-se uma teia complexa de relações sociais e ocorre uma acumulação histórica de trabalhos [...], num permanente ciclo de criação e transformação de objetos sobre a super

22). Assim, o trabalho, a técnica e os processos produtivos (a produção) representam componentes da ação humana que, influenciada pelas relações sociais estabelecidas em determinado contexto e cultura, em um processo histórico de construção e de reciprocidade do meio natural e ação humana, alteram o meio natural e a produção do espaço na busca por satisfazer as necessidades e desejos das pessoas.

Na relação sociedade/espaço, em que se apresenta o ser humano como produtor e produto, em que muitas vezes figura a intenção de domínio do homem sobre a natureza, os efeitos de reciprocidade são evidenciados, conforme argumenta Santos (2008b, p. 91), em que

possuir, e que agora absorve o senhor que havia pensado controlá-

autor quanto à inseparabilidade entre objeto e ação

da inseparabilidade entre sistemas de objet b, p. 100).

Reforçando a visão como sistemas interligados, para Baudrillard (1973, p. 16 apud SANTOS, 2008b

sistema de práticas. Não basta definir os objetos do sistema. Temos que definir qual o sistema

Dessa forma, em relação ao objeto do presente estudo, não é suficiente descrever o aterro sanitário e as alternativas ao mesmo para a destinação dos RSU. Torna-se relevante e necessário identificar e compreender o sistema mais amplo e complexo que leva à utilização desses destinos, envolvendo a política adotada e seus instrumentos legais/regulatórios; as questões culturais e sociais do contexto envolvido; os aspectos econômicos de perdas, ganhos, incentivos e penalidades; as alternativas tecnológicas possíveis; e os aspectos ecológicos, tanto das externalidades negativas como os benefícios de cada opção de destino.

Além disso, as questões quanto à ocupação do espaço, os conflitos entre opções de uso, com seus efeitos no ambiente e na sociedade fazem parte da compreensão dos sistemas de se individualizam e ganham expressão e significado, (SANTOS, 2008b, p. 95).

No estudo do espaço e das relações com a sociedade, em um processo dinâmico, histórico, influenciado por questões políticas, de poder, culturais, econômicas e tecnológicas, surgem várias categorias de análise na busca de melhor compreender e interpretar a relação da sociedade com o espaço.

De acordo com A.C. da Silva (1986, pp. 28-29) apud Santos (1988), dentre as categorias fundamentais do conhecimento geográfico, como espaço, área, território, paisagem, lugar, a mais geral, e que inclui as demais, é o espaço. No caso do presente estudo, o espaço tem aplicação quase sinônima de área, onde ocorre a instalação de aterros sanitários. Embora não seja objetivo do presente estudo a discussão das categorias na abordagem da geografia quanto ao espaço, ocorre a relação direta com o espaço e a paisagem, no âmbito de determinado território.

Dentre as várias categorias identificadas, a primeira e a que representa o ponto central para a discussão, frente ao objeto de estudo, o aterro sanitário que ocupa determinado espaço, e a interação com a sociedade demonstrada nos textos de Santos (1988; 2008b) comentados anteriormente, está o conceito de espaço geográfico.

O espaço geográfico corresponde à superfície terrestre, não se restringindo aos processos e feições naturais, envolvendo o espaço utilizado pela ocupação humana (SOUZA, 2013). É onde a humanidade reside e produz modificações, consistindo em uma interação contínua entre a sociedade e seu meio ambiente (VESENTIN, 2005). A partir dessas duas definições, depreende-se a atribuição a espaço geográfico não apenas o aspecto natural, físico, mas o espaço na superfície terrestre em que ocorre a ocupação humana ou que ela fez ou faz modificações.

Para Santos (1988, p

realizam sobre estes objetos [...]. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio Deste modo, Santos (2008b, p. 94) chama a

afirmar, [...] que o tema central da geografia não é separadamente os objetos, nem as ações,

Diante dessas afirmativas de Milton Santos, tem-se que a relação entre espaço e sociedade se apresenta de modo contínuo e interdependente, em que as características do ambiente influenciam a sociedade; e, as características da sociedade, espelhadas na sua cultura, influenciam a forma de ocupação do espaço, bem como sua alteração.

Nessa relação da sociedade com o meio natural, o espaço geográfico resulta de modificações cada vez maiores da natureza pelo homem, de modo a alcançar a produção do próprio espaço (MOREIRA, 2006). Nesse sentido, esse autor complementa que o espaço se torna um produto e, ao mesmo tempo, produtor da história, uma vez que reflete a sociedade que o utiliza, ao mesmo tempo em que é resultado de um processo histórico.

Um momento de mudança considerável na relação da sociedade com a natureza ocorre com a Revolução Industrial, em meados do século XVIII. De um comportamento em sociedade de se adaptar à natureza circundante, os seres humanos passaram a modificá-la, de forma intensificada com o desenvolvimento tecnológico, que ampliou a capacidade humana de alterar o meio ambiente, produzindo e reproduzindo um meio ambiente artificial, chamada de uma segunda natureza ou natureza humanizada (VESENTIN, 2005).

Diante da corrida tecnológica advinda nesse período, incrementada pela busca de riqueza e acumulação de bens, diversifica-se a produção, com os bens produzidos, e inclusive instrumentos de trabalho, tornando-se obsoletos em prazos cada vez menores, demandando novos produtos e, consequentemente, ocasionando maior demanda de recursos naturais. Esse movimento reforçou a visão da sociedade de uma natureza como um manancial a disposição

dos homens, inclusive com a produção de bens nem sempre necessários, tornando mais artificializado e transformado o espaço produzido pela sociedade (MOREIRA, 2006).

Apesar do incremento dessa utilização e transformação, o espaço geográfico não é somente produto da interação entre sociedade e natureza, mas também das relações entre os seres humanos (entre indivíduos, grupos, etnias, classes sociais), sejam relações de cooperação ou de conflito (VESENTIN, 2005).

Na mediação dos conflitos, bem como para articular a cooperação entre os diferentes atores sociais e seus interesses, os diversos usos possíveis na ocupação e organização do espaço está o Estado, como árbitro e, também, como ator (CORRÊA, 1997). Nesse sentido, o Estado possui responsabilidades de zelar pelo interesse da coletividade, o interesse público, ocupando esse espaço para a prestação dos serviços à sociedade. Esse papel se torna vital diante

o poder público a referência para articular os agentes em torno da boa fé, do respeito ao outro e ao ambiente.

No caso em estudo, o papel do Estado no uso do espaço geográfico para a destinação de resíduos sólidos, envolvendo eventuais conflitos com outros usos em potencial para o mesmo espaço, a mesma área, é estabelecido, no aspecto legal, na Constituição Federal de 1988, art. 30, na Política Federal de Saneamento Básico (Lei n. 11.445/2007) e na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010).

Essa legislação atribui ao Estado, representado pelo município (prefeitura), a responsabilidade pela coleta e destinação dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), conferindo- lhe o papel de articular os agentes produtivos e a sociedade para adotar os procedimentos necessários para a destinação adequada dos resíduos gerados, podendo delegar a execução de determinadas atividades sob sua responsabilidade.

De modo a melhor perceber e analisar as potencialidades de conflitos de uso do espaço pela sociedade para a destinação adequada dos RSU, optou-se por uma abordagem integrando as áreas do conhecimento da geografia, da gestão integrada de resíduos sólidos e da economia ambiental e circular. Essa abordagem, de natureza multi e interdisciplinar, encontra sintonia em Santos (2011, p. 80), onde discorre que a inter única a dar conta dos fenômenos ligados à modernida

problemas humanos. Problemas esses, não apenas das relações entre indivíduos, as disputas de poder, a desigualdade, mas também os problemas na relação das pessoas com a natureza e, consequentemente, na ocupação do espaço.

Essa integração, mediante a visão sistêmica, com a interdependência entre essas áreas e as dimensões política, econômica, ecológica, cultural, social e tecnológica, proporciona uma percepção mais abrangente e aprofundada das possibilidades de uso do espaço. Assim, alternativas de uso, com seus custos e benefícios monetários e não monetários, são melhores identificadas e ponderadas para a tomada de decisão em benefício da sociedade, na ocupação do espaço.

Experiência com essa abordagem integrada foi realizada em estudo envolvendo o descarte de RSU no Núcleo Central do município do presente estudo de caso. Essa experiência de aplicação da abordagem proporcionou identificar conflitos de uso dos espaços utilizados com o descarte temporário dos resíduos com diversos outros usos, como: na acessibilidade e mobilidade urbana, afetando a circulação e autonomia do ir e vir das pessoas; prejudicando o sistema de drenagem urbana; maior esforço dos trabalhadores do serviço de limpeza pública; o trânsito com o deslocamento de catadores de material recicláveis em carroças, motos e carros em horário de intenso fluxo de veículos; e, efeitos na ambiência geral, especialmente com a sujeira pela dispersão dos materiais e uma análise econômica dos espaços utilizados e influências nas decisões dos agentes privados (MINÉU; FEHR; RIBEIRO FILHO, 2016).

Diante disso, tem-se que a ocupação do espaço em sociedade passa por diversas possibilidades de uso, em função de aspectos objetivos, que podem ser normatizados pelo Estado, e não objetivos, que emergem das relações de poder e da disputa de interesses entre os grupos e atores sociais.

A delimitação do estudo para um município representa a interação do entendimento de espaço geográfico com o conceito de território. Souza (1978, p. 78 apud SOUZA, 2013, p. 78)

um espaço e manter controle sobr

Nesse sentido, o território é representado no estudo pelas delimitações do município, definidas por critérios político-administrativos na estruturação da federação, mediante as relações de poder estabelecidas no momento da criação de cada vila ou distrito e posterior emancipação à categoria de município.

Assim, o espaço geográfico que apresenta possibilidades para uso com a destinação adequada dos RSU tem sua delimitação pelo território do município, num primeiro momento. Ocorre que as alternativas de destinação de RSU previstas na legislação (na PNRS), incluem a possibilidade de consórcio entre os municípios, sendo o empreendimento do aterro sanitário

instalado no território de um dos municípios consorciados, ampliando o espaço possível de instalação do empreendimento. Nesse caso, os municípios que não recebem o aterro, ficam em situação de não vivenciar os conflitos de uso do seu espaço geográfico para a destinação adequada dos RSU, ficando esse ônus para o município que recebe o aterro sanitário.

Outro componente importante na questão do uso do espaço geográfico para a destinação dos RSU é a paisagem, que sofre alteração com a instalação de empreendimentos como o aterro sanitário. A paisagem tem inicialmente uma conotação visual, envolvendo os elementos naturais e artificiais que a visão do observador pode alcançar, seja apenas de um ambiente natural, uma área plantada, uma cidade, uma rodovia, cada elemento com suas cores, sons e funções (MOREIRA, 2006).

Em uma perspectiva de construção histórica do momento registrado pela paisagem, Santos (2008b

exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e agem percebida no momento presente é fruto das decisões, escolhas e ações da geração anterior. Ao mesmo tempo, a paisagem futura, percebida pelas gerações seguintes, será resultado das ações da geração atual.

A alteração na paisagem por meio da ação humana, além de representar a alteração do espaço geográfico pelo homem, do ponto de vista da economia ambiental, envolve a perda

diretamente aos seres humanos sem a interferência do sistema econômico; exemplos incluem

15(ANDERSEN, 2007, p. 135).

Aqui, há de se considerar a relevância que a questão econômica adquire diante do modelo capitalista vigente, sendo percebido por Santos (2008b, p. 104), ao abordar o espaço

mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em dado momento,

Além disso, sobre a relação da sociedade com o espaço, conforme Santos (2008b, p. 110), a situação como um todo é definida pela sociedade atual, enquanto sociedade e como espaço E a cada momento, na reciprocidade dessa relação, a sociedade age sobre si mesma, e jamais sobre a materialidade exclusivamente. A dialética não é entre sociedade e paisagem, mas entre sociedade e espaço. E vice-versa .

Ao abordar o espaço a ser destinado pela sociedade para a destinação dos seus resíduos, especialmente na instalação de empreendimentos como o aterro sanitário, envolve o papel do poder público em articular os diversos atores sociais e agentes produtivos, para a deliberação das medidas que vão impactar o próprio espaço construído pela sociedade.

Além disso, significa buscar uma forma de definir a ocupação, conforme os valores culturais envolvidos, que podem ser refletidos a partir das decisões no passado e os resultados que se colhe no presente, dentro de um processo histórico de construção e reconstrução do espaço humanizado. Incluindo a isso, a perspectiva econômica adotada, entre uma de distanciamento do homem em relação à natureza ou de seus processos produtivos e de consumo integrados à natureza, influencia de forma relevante as decisões quanto ao uso dos espaços pela sociedade.