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A Ofensiva Neoliberal na Educação: O Banco Mundial e a Reforma da Educação

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2. O SURGIMENTO DE NOVAS DEMANDAS DE QUALIFICAÇÃO E A

2.2. A Ofensiva Neoliberal na Educação: O Banco Mundial e a Reforma da Educação

O Banco Mundial tem o papel de agência financeira no capitalismo internacional, ou seja, realiza empréstimos e, desde que foi criado em 1962, tem-se interessado em estimular o desenvolvimento econômico mediante o investimento de capital. O próprio Banco, muitas vezes, toma a iniciativa de incentivar os empréstimos e, lógico, receber juros, geralmente o de

19 mercado. Entretanto, esses empréstimos são avalizados pelos países, o que não ocorre com os bancos comerciais, pois há um mecanismo de funcionamento do Banco Mundial vinculado ao Fundo Monetário Internacional. Sem o aval do fundo não é possível o empréstimo. Há quase uma unanimidade dos economistas, em apontar que as diretrizes do “Consenso de Washington”1 determinam a lógica do ajuste estrutural do mundo. Dois preceitos básicos regulam a formulação da política pública: privatização e a redução dos gastos públicos.

Para o neoliberalismo, as políticas de privatização são importantes, porque despolitizam as práticas regulatórias do estado, pois os mercados são mais abertos às mudanças e mais econômicos em relação aos custos no fornecimento de serviços comparado ao setor público. Entretanto, para Frigotto (2001, p. 83-4),

A idéia força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e equidade. Desta idéia-chave advém a tese do estado mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como o direito à estabilidade de emprego, o direito à saúde, educação, transportes públicos, etc. Tudo isto passa a ser comprado e regido pela férrea lógica das leis do mercado. Na realidade, a ideia de estado mínimo significa o estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital.

Com a ascensão da ideologia neoliberal, o Banco Mundial, que segue enfaticamente a Teoria do Capital Humano2, faz proposições referentes ao desenvolvimento econômico e à política educacional. Segundo sua filosofia, o investimento na qualificação dos trabalhadores é tão necessário quanto o investimento em áreas fundamentais do desenvolvimento econômico. Sendo assim, em relação a políticas educacionais especificamente, Torres (2001, p. 128) explica:

O Banco Mundial tem priorizado diferentes políticas desde sua criação, incluindo, em ordem relativamente cronológica, a construção de escolas, o apoio ao desenvolvimento da escola secundária, a educação vocacional e técnica, a educação informal e, mais recentemente, a educação básica, e a qualidade educacional (definida em termos de aproveitamento e desempenho escolar). Alguns dos indicadores que os experts do Banco Mundial projetaram para medir a qualidade da educação incluem o gasto por aluno, os materiais de instrução (livros didáticos), a duração do ano e da jornada escolar e a classe social do professor.

Uma das exigências do Banco Mundial é a criação de padrões de eficiências nos sistemas de ensino e na gestão dos recursos financeiros, visando torná-los mais econômicos. Estes princípios são a base do discurso político do Banco. A concessão de empréstimos é feita, conforme a evolução da sua política de desenvolvimento e as políticas setoriais, como no caso dos financiamentos para a formação profissional de nível técnico.

O interesse do Banco Mundial para com a educação profissional justifica-se, entre outros elementos, pela necessidade das economias precisarem de mão-de-obra flexível, para se adequar às mudanças ocorridas no mundo do trabalho, por isso investe na qualificação dos trabalhadores.

Para o Banco Mundial, o ensino profissionalizante não deve ser vivenciado durante o ensino médio, como uma forma de diminuição de gastos nesta área e para otimizar o tempo destinado à formação do trabalhador. Assim, orienta-se que a formação profissional seja realizada em módulos, o que para o Banco Mundial permitirá uma formação rápida, oportunizando a qualquer momento a entrada do indivíduo no mercado de trabalho.

1 Consenso de Washington trata do conjunto de instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial, Export-Import Bank, etc. Todas

localizadas em Washington e seguem a mesma lógica da economia político neoliberal (TORRES, 2001).

20 Dessa forma, os empresários brasileiros, para adequar a educação nacional aos interesses do capitalismo, inseriram-se nos debates educacionais, apropriando-se do discurso da universalização da educação básica. Assim, a burguesia nacional demarca sua participação na formulação das políticas educacionais, principalmente na educação profissional e na gestão do ensino, visando resultados imediatos. A ideologia neoliberal estimula a competitividade e a produtividade entre os alunos, inclusive com a inserção de sistemas avaliativos para os dois níveis da educação brasileira: básica e superior, o que para Fritotto, (2001, p.85-86):

O sistema de avaliação atualmente proposto pelo Ministério da Educação, além de confundir e reduzir esta questão a técnicas de mensuração, vai revelar o óbvio. A aplicação de um teste padrão, partindo de qualquer escolha arbitrária, no caso feito com assessoria de técnicos adestrados nos organismos internacionais, que definem a qualidade (total) esperada, vai mostrar uma brutal desigualdade que as pesquisas vêm apontando há décadas, no desempenho de acordo com a materialidade de condições sociais (extra-escolares) e das condições institucionais (intra-escolares). No plano social, basta tomar os dados da disparidade de distribuição de renda no Brasil para saber que vamos encontrar alunos com condições de educabilidade profundamente desiguais. No plano institucional da escola, a diversidade de formação, salários e condições de trabalho dos professores, técnicos e funcionários, nos oferecem elementos inequívocos para esperar desempenhos e resultados diferenciados.

Nessa perspectiva, a educação brasileira fica submetida aos interesses mercadológicos que, mediante as ações dos organismos internacionais, acabam aumentando as desigualdades sociais nos países em desenvolvimento, pois a relação entre trabalho e educação, sob a ótica neoliberal, prega o discurso da empregabilidade, fortalecendo o abismo existente entre ricos e pobres. Essa distância é justificada pelos defensores do ideário neoliberal como natural, uma vez que, apesar do investimento para desenvolver as capacidades individuais, nem todos obterão sucesso na disputa por vagas no mercado de trabalho. Portanto, haverá desempregados e trabalhadores precarizados.

Dessa forma, a educação nacional sofre uma forte influência dos empresários brasileiros, pois suas propostas educacionais são semelhantes às prescritas pelo Banco Mundial (BIRD) e seus interesses estão presentes nos documentos legais da educação, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, LDB nº 9.394/1996, Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 10.172/2001 e nas reformas educacionais posteriores, como está bem evidente no Decreto 2.208/1997 no seu artigo 1º, inciso III, em que consta como um dos objetivos da educação profissional “especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos” e no inciso IV: “qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho”.

As regras do Banco Mundial, para a educação profissional tratam de fortalecer o vínculo entre esse nível de ensino e as atividades econômicas, como explica Oliveira (2009, p.2):

Segundo o Banco Mundial, embora tenha ampla importância a educação primária e secundaria, bem como a educação profissionalizante, estas não devem ser articuladas. Ou seja, os resultados da educação profissionalizante podem ser muito melhores se esta não estiver sendo ministrada nos espaços de educação formal. Para ele, a educação profissionalizante necessita de um modelo flexível e, em sendo ministrada em instituições que detenham certa autonomia, poderá direcionar suas atividades considerando o movimento econômico. Neste sentido, recomenda que as instituições responsáveis por este tipo de formação estejam fora dos raios do ministério da educação, não obstante admita que escolas técnicas especializadas possam ficar sob responsabilidade desse ministério, caso sejam modificados seus

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entraves burocráticos, criando, assim, uma maior flexibilidade no sistema. Nessa circunstância, é recomendável que a educação profissional seja ministrada após o término do ensino secundário. Isto permitirá que os estudantes possam, realmente, escolher uma profissão no momento em que estejam próximos de entrar no mercado de trabalho, visto estarem mais maduros para fazê-lo e serem mais capazes de avaliar esta escolha em função do movimento de mercado.

Assim, a relevância na requalificação dos trabalhadores, citada no referido Decreto 2.208/1997, é sinônima de formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, o que constitui forte marca da legislação educacional e da filosofia política do governo federal, como explica Frigotto (2006 p.9-10):

As novas roupagens ou máscaras, a que se refere Gentilli, são as novas categorias de sociedade do conhecimento, qualidade total, formação flexível, formação de competências e empregabilidade, que na realidade apenas efetivam uma metamorfose do conceito de capital humano. Os componentes da formação, apenas com uma materialidade diversa exigida pela nova base científico-técnica, são os mesmos que constituem o constructo capital humano: habilidades cognitivas (educação abstrata, polivalente) e traços psicossociais, atitudes, valores etc. (criatividade, lealdade, espírito de equipe, colaboração com a empresa etc.). A subordinação unidimensional do educativo aos processos capitalistas de produção contínua intacta, ainda que mais sutil, velada e, por isso, mais violenta. Essa subordinação vem hoje sobredeterminada pela avassaladora onda neoliberal que estatui o mercado como deus regular das relações, transformando direitos como os da saúde, da educação, da habilitação etc., em mercadoria.

O interesse empresarial pela “formação humana e valorização do trabalhador” e a defesa da educação básica, visando à formação do cidadão, são estratégias empresarias dissimuladas para adaptar a educação e a qualificação aos seus interesses. Por isso, exibe um discurso ideológico que decorre da própria inconstância apresentada pelo novo padrão produtivo. Assim, o capital, compelido pela mutabilidade e complexidade de sua base organizacional, passou a se interessar pelo desenvolvimento de qualidades sócio-psicológicas do trabalhador (lealdade, responsabilidade, criatividade, capacidade de abstração) e de novos conceitos: formação para a qualidade total, formação abstrata, polivalência e qualificação flexível. Trata-se, pois, de educar o trabalhador para que ele disponibilize seu potencial cognitivo e comportamental a serviço da produtividade da empresa. Assim, o trabalhador estará devidamente preparado para executar tarefas e contribuir para a difusão do processo capitalista.

Entretanto, é preciso superar esse modelo de escola centrado no cidadão operário, treinado para a mera execução de tarefas e que se busque uma escola que seja desinteressada, capaz de transformar a classe trabalhadora também em cidadãos dirigentes da sociedade da qual faz parte, como defende Gramsci.

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