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O Trabalho na Perspectiva da Formação Humana

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4. O PROEJA E O CURRÍCULO INTEGRADO

4.2. O Trabalho na Perspectiva da Formação Humana

Os sujeitos jovens e adultos que são estudantes trabalhadores precisam ser considerados em suas particularidades. Contudo, ressalta-se que a educação para esse público reconheça as diferenças próprias desses indivíduos, mas no sentido em que destaca Frigotto (2004 p. 57-58):

Reconhecer a diferença, então, não é o mesmo que legitimar a desigualdade. Pelo contrário, toma-se a diferença mesma, sobretudo aquela que é fruto da desigualdade, como ponto de partida real para a sua superação naquilo que diz respeito ao sistema educativo. Sabemos que a desigualdade não é gerada na escola, mas na sociedade. A escola pode reforçá-la ou contribuir para a sua superação.

Nesse sentido a educação forma para a conscientização, mediante a leitura e compreensão das relações de exploração da sociedade capitalista, ou seja, a educação não tem como alvo o “mercado de trabalho” ou a “preparação para o vestibular”, mas concebe a educação para jovens e adultos associado à vida e ao mundo do trabalho. Não o trabalho do ponto de vista do capital em que o sujeito é o capital e o homem é o objeto, mas resgata o trabalho no sentido ontológico. Mas, afinal o que é então o trabalho? Para Saviani (2007, p. 154):

Diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm que adaptar a natureza a si. Agindo sobre ela e transformando-a, os homens ajustam a natureza às suas necessidades. Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos sob o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico.

Portanto, o homem não nasce homem. Ele aprende a ser homem quando transforma a natureza e se relaciona com os outros homens. Essa transformação é guiada por objetivos, pois o homem faz planos sobre o futuro, enquanto os animais agem por instinto e se adaptam à natureza como condição oposta a do homem.

Com o surgimento da indústria e a introdução da maquinaria que passou a exercer a maior parte das atividades manuais, o trabalho que antes era somente executado pelo homem como função intelectual e manual indissociáveis, então se separa e incorpora-se à maquinaria. Essas funções manuais exercidas pela maquinaria é o trabalho intelectual objetivado.

Saviani (2007, p. 159) explica que “à Revolução Industrial correspondeu uma revolução educacional: aquela colocou a máquina no centro do processo produtivo; esta erigiu a escola em forma principal e dominante de educação”. Portanto, o impacto da Revolução Industrial contribuiu para a separação entre instrução e trabalho produtivo, “obrigando” a escola a se ligar, de alguma forma, ao mundo produtivo. Essa bifurcação da escola tem caráter classista, pois as escolas profissionais direcionavam-se aos pobres; a outra, “escolas de ciências e humanidade”, para os futuros dirigentes aos quais se requeria domínio teórico com o intuito de formar as elites condutoras nos diferentes setores sociais. Ainda, para o mesmo autor (2003, p. 133):

Na formação dos homens, deve-se considerar o grau atingido pelo desenvolvimento da humanidade. Conforme se modifica o modo de produção da existência humana, portanto o modo como o ser humano trabalha, muda as formas pelas quais os homens existem. É possível detectar, ao longo da história, diferentes modos de

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produção da existência humana, que passam pelo modo comunitário, o comunismo primitivo; o modo de produção asiático; o modo de produção antigo ou escravista; o modo de produção feudal; [...] o modo de produção capitalista [...] Esses diferentes modos de produção revolucionaram sucessivamente a forma como os homens existem. E a formação dos homens ao longo da história traz a determinação do modo como produzem a sua existência.

A produção da existência humana se faz mediada pelo trabalho, como característica inerente ao ser humano, por isso o trabalho é uma categoria ontológica. Em contraponto, está o trabalho que na sociedade capitalista caracteriza-se como trabalho assalariado. O homem vende sua força de trabalho a outrem e recebe um valor que pode ou não satisfazer as suas necessidades básicas.

Com a evolução das relações capitalistas foi concedido um destaque ao conhecimento científico e tecnológico, trazendo para a escola uma concepção de educação adequada à cultura mercantilista. Essa concepção de ensino, especialmente a educação profissionalizante, fundamenta-se na fragmentação do trabalho em especialidades autônomas. O objetivo é formar trabalhadores para o mercado de trabalho que domine o conhecimento apenas relativo à parcela do trabalho que lhe cabe executar. Tal concepção envolve a divisão entre os que concebem e controlam o processo de trabalho e os que o executam. Isso se contrapõe a noção de politecnia, que requer que o processo de trabalho seja desenvolvido de forma unitária em que os aspectos manuais e intelectuais sejam indissociáveis. Mas, Saviani (2003, p. 140) chama atenção para que não se compreenda politecnia com base no significado literal. O autor explicita:

Politecnia, literalmente, significaria múltiplas técnicas, multiplicidade de técnicas, e daí o risco de se entender esse conceito com a totalidade das diferentes técnicas fragmentadas, autonomamente consideradas. A proposta de profissionalização do ensino de segundo grau da Lei 5.692/71, de certa forma, tendia a realizar um inventário das diferentes modalidades de trabalho, das diferentes habilitações [...] A noção de politecnia não tem nada a ver com esse tipo de visão. Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos que devem ser garantidos pela formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do seu caráter, da sua essência.

Trata-se de formar profissionais teóricos e práticos que possam compreender o que está fazendo de forma aprofundada, os princípios científicos que condicionam as formas de se organizar o trabalho na sociedade. Mas, a escola precisa se tornar criadora para desenvolver a capacidade intelectual das crianças, jovens e adultos trabalhadores, de modo que possam se tornar também dirigentes. Portanto, o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para que o aluno da classe trabalhadora compreenda a realidade social e lute pela mudança estrutural da realidade.

O desafio é a construção de um modelo curricular, correspondente às necessidades do educando, considerando que a abordagem dos conteúdos e práticas deve ser interdisciplinar, contemplando metodologias dinâmicas e valorização dos saberes não-formais. Nesse sentido, além das dimensões formais de ordenamento de áreas específicas de saberes e das questões pedagógicas próprias, é necessário também considerar as dimensões sociais, políticas e ideológicas do conceito de currículo, como bem explicita Moreira; Silva (2005 p. 7-8):

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder; o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas; o currículo produz identidades

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individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal - ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.

Por isso a estrutura curricular para a educação básica integrada à formação profissional para a EJA necessita considerar as experiências históricas, culturais e de classe desses sujeitos e os saberes socialmente produzidos na sociedade, deverão ser incorporados em sua estrutura. Esses conteúdos deverão ser organizados de forma interdisciplinar, como sistema de relações de uma totalidade concreta que se quer compreender.Portanto, a concepção e a materialização de um currículo que integre os conhecimentos gerais e profissionais será um desafio, pois a construção coletiva dessa proposta curricular deverá assegurar o domínio dos conhecimentos que perfazem a trajetória formativa do aluno trabalhador. Para isso é importante que o professor saiba lidar com esse público e compreenda suas necessidades. A Resolução nº 01 de 2000, no seu artigo 17, corrobora com o exposto acima ao destacar a formação do professor para esta modalidade de ensino, como podemos comprovar abaixo:

A formação inicial e continuada de profissionais para a Educação de Jovens e Adultos terá como referência as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores, apoiada em: I- ambiente institucional com organização adequada à proposta pedagógica; II- investigação dos problemas desta modalidade de educação, buscando oferecer soluções teoricamente fundamentadas e socialmente contextualizadas; III- desenvolvimento de práticas educativas que correlacionem teoria e prática; IV- utilização de métodos e técnicas que contemplem códigos e linguagens apropriadas às situações específicas de aprendizagem. (BRASIL, 2000, p. 3)

Mas o que se percebe é que esse preceito legal existe apenas no plano formal. Na prática, ainda não se constitui uma realidade, pois a formação de professores para atuarem na educação de jovens e adultos acontece em situações raras e a prática pedagógica para essa modalidade de ensino se dá em condições bastante adversas.

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