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A Reforma da Educação profissional no Brasil: Decreto nº 2.208/1997

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2. O SURGIMENTO DE NOVAS DEMANDAS DE QUALIFICAÇÃO E A

2.3. A Reforma da Educação profissional no Brasil: Decreto nº 2.208/1997

No Brasil, se começou a perceber mais fortemente a influência das ideias neoliberais a partir das reformas de Fernando Collor, que instituiu algumas ações como: abertura quase indiscriminada para entrada de produtos importados, extinção de instituições de pesquisa e órgãos governamentais de promoção e desenvolvimento de tecnologias nacionais, início de algumas privatizações, retirada de alguns direitos trabalhistas dos servidores públicos, entre outras. Porém, é com Fernando Henrique Cardoso, ainda como ministro da fazenda no final do governo Itamar Franco e início do seu governo, que realmente se concretiza o plano neoliberal. Então, o Estado brasileiro passou por um amplo processo de reformas e,

22 obviamente, o sistema educacional, particularmente a educação profissional, foi ajustado conforme os princípios neoliberais. E, embora encontrando fortes resistências de movimentos organizados da sociedade, esse plano avançou no país com mudanças em todas as áreas e, mesmo ao final do seu governo, com a eleição do presidente Lula, este deu continuidade aos projetos neoliberais do seu antecessor.

No ano de 1996, foi aprovada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/1996, cujo processo passou por longa tramitação no Congresso Nacional e foi construída a partir de acirradas disputas de interesses que se chocavam. Foi durante a sua trajetória, modificada através de várias emendas parlamentares, que contemplou em sua versão final as expectativas dos empresários, conforme explica Frigotto (2005, p. 25):

Sucessivamente, perdemos o apoio parlamentar para a aprovação da Lei em termos propostos e chegamos à LDB nº 9.394/1996 e, no ano seguinte, ao Decreto nº 2.208/1997. Enquanto o primeiro projeto de LDB sinalizava a formação integrada à formação geral nos seus múltiplos aspectos humanísticos e científico-tecnológicos, o Decreto n. 2.208/97 e outros instrumentos legais (como a Portaria nº 646/97) vêm não somente proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar formas fragmentadas e aligeiradas de educação profissional em função das alegadas necessidades do mercado. O que ocorreu também por iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de sua política de formação profissional.

Logo após a promulgação da LDB 9.394/1996, foi exarado um conjunto de documentos como Decretos, Portarias, Medidas Provisórias, que juntos promoveram ampla e profunda reforma na educação. O presidente FHC tinha o objetivo de reestruturar o país, adequando-o ao novo padrão de acumulação e ao processo de globalização da economia. Para isso, aceitou as exigências das agências multilaterais de financiamento e do empresariado brasileiro na área educacional, principalmente a educação profissional. Por isso, o então presidente ajustou-se às mudanças estruturais, que vinham ocorrendo desde 1970. Para cumprir o seu intuito, FHC enviou o PL nº 1.603/1996 para regulamentar a educação profissional, que encontrou forte resistência dos movimentos organizados dos trabalhadores da educação pública, ONGs, sindicatos e estudantes.

Como o trâmite para a aprovação do PL certamente seria longo, o governo FHC não queria perder tempo e resolveu então suspender o PL 1.603/1996, substituindo-o pelo Decreto nº 2.208/1997, com o argumento de regulamentar os artigos 39 a 42 da LDB, que trata da Educação Profissional. O referido decreto materializou a Reforma da Educação Profissional, estabelecendo a dualidade entre o ensino técnico e o médio que é a sua característica fundamental, o que Oliveira (2009, p. 5) explica da seguinte forma:

Para o BID, as escolas técnicas mostraram mais defeitos do que resultados positivos. As mesmas não cumpriram, com eficiência, sua função formativa para ingresso imediato no mercado de trabalho, já que a maioria de seus egressos direcionaram-se para a continuidade dos estudos, via entrada no ensino superior (...). A separação entre ensino médio secundário e formação profissionalizante – remetendo para a atividade pós-secundária à formação profissional – passa a ser para o BID o princípio norteador de suas políticas na área de qualificação profissional.

A reforma da educação profissional imposta pelo presidente FHC é um modelo dualista, pois oferece uma educação propedêutica destinada a preparar o aluno para a continuidade de estudo no nível superior e, por outro lado, uma formação técnico-profissional direcionada para o mercado de trabalho, compreendido como mera adaptação à organização produtiva. Entretanto, o horizonte que deveria nortear o ensino médio, como diz Frigotto (2005, p. 44), é “de consolidação da formação básica unitária e politécnica, centrada no trabalho, na ciência e na cultura, numa relação mediata com a formação profissional

23 específica que se consolida em outros níveis e modalidades de ensino”. Porém, para corroborar com a reforma, o governo baixou a Portaria 646/1997 com o objetivo de viabilizar adequações na Rede Federal de Educação Tecnológica (Escolas Agrotécnicas Federais, Escolas Técnicas Federais, Escolas Técnicas das Universidades e Centros Federais de Educação Tecnológica), visando à implantação dos artigos 39 a 42 da LDB e do Decreto nº 2.208/1997. Para Kuenzer (1999, p.135).

Esta proposta é conservadora porque retoma a concepção taylorista-fordista que supõe a ruptura entre o saber acadêmico, desvalorizado por não ser prático, e o saber para o trabalho, desvalorizado por não ser teórico, contrariamente à compreensão contemporânea que mostra, a partir da crescente incorporação da ciência ao mundo do trabalho e das relações sociais, a indissociável articulação entre ciência, cultura e trabalho, entre pensar e fazer, entre refletir e agir. Em decorrência, não reconhece transdisciplinaridade que caracteriza a ciência contemporânea.

A reforma é um retrocesso, pois não reconheceu avanços desde a Reforma Capanema (Lei 1.821/1953 da equivalência), e da primeira LDB nº 4.024/1961, da lei 5.692/1971, que integram as escolas profissionalizantes ao sistema regular, quando ambas consideram os conhecimentos adquiridos no trabalho como válidos, na tentativa de superar modelos pedagógicos duais.

Assim, a educação nacional passou a ter dois níveis escolares: a Educação Básica (composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e Educação Superior. A Educação Profissional não estava incorporada no nível básico de ensino, constituindo-se como modalidade3 técnica independente. Ela era tratada em um capítulo à parte. E essa independência estava explicitada na LDB 9.394/96, nos artigos 36 e 39 a 42, regulamentados pelo Decreto 2.208/97, Parecer nº 16/1999, Resolução CEB/CNE nº 04/1999 e apoiada por outros documentos legais.

O citado Decreto organizou a educação profissional em três níveis: a) Básico - caracterizado pela modalidade de educação não formal, destinada à qualificação, requalificação e reprofissionalização, independente de escolarização prévia, conferindo ao seu término certificado de qualificação profissional; b) Técnico - com organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser cursado na forma concomitante ou sequencial a este; c) Tecnológico - destinado a egressos do ensino médio ou do ensino técnico. Como bem esclarece Gama (2004, p. 24):

Os cursos de nível básico, nos moldes preconizados pelo Decreto 2.208/97, dispensam escolarização prévia e, nesse sentido, acabam por cumprir uma função alternativa ou substituta à escolarização regular. Essa política de natureza compensatória pode contribuir para a efetivação da terminalidade escolar ao nível das séries iniciais da educação fundamental ou mesmo à renúncia à educação formal a amplas parcelas da população. No que se refere às modalidades de nível técnico e nível tecnológico, a reforma expressa a continuidade da lógica da dualidade estrutural dos sistemas educacionais: no ensino médio, a separação da educação profissional do ensino regular amplia a dualidade que se estende ao ensino superior, de duração reduzida, destituídos de aprofundamento científico e tecnológico, limitados à atividade de ensino dissociada da extensão e da pesquisa, constituindo um modelo de ensino superior de baixo custo, alternativo ao modelo universitário.

A base filosófica da reforma é a lógica financeira em que o mercado fundamenta-se e não a formação humana em sua totalidade. Assim, o governo se “redime” do seu descaso com os trabalhadores socialmente excluídos do país, ofertando cursos de formação profissional, limitando novos horizontes, pois não lhes proporcionam uma sólida formação integrada entre

24 os saberes científicos, tecnológicos e humanos que permitam desenvolver o pensamento crítico a respeito do seu trabalho e da sociedade.

Portanto, a Educação Profissional apresenta as seguintes características: a) separação entre ensino médio e técnico; b) organização curricular em módulos com o objetivo de certificar cursos de curta duração (qualificações), assim, o módulo tem caráter de terminalidade; c) pedagogia das competências; d) redução da oferta do ensino médio nos antigos CEFETs e ex-Escolas Agrotécnicas, até sua completa extinção; e) as disciplinas poderiam ser dadas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente em função de sua experiência profissional.

Com essa concepção educacional restrita ao mercado, o ensino passa a ser focado sem considerar outros aspectos da formação humana que precisam ser desenvolvidos pela escola. E isso precisa ser fortemente superado a fim de criar uma escola que cumpra de fato, com a sua função social, e não formar indivíduos alienados para o trabalho.

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