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A oposição na determinação do conceito

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 76-79)

1.2. O problema dos pressupostos ou o início da filosofia deleuziana 12.1 A Filosofia e a máscara

1.2.4. O que é uma imagem do pensamento segundo Gilles Deleuze

1.2.4.3. O elemento da representação

1.2.4.3.3. A oposição na determinação do conceito

A repetição não se pode explicar somente como diferença sem conceito, como resultado da imperfeição da conceptualização. Enquanto a diferença estiver subjugada à identidade do conceito, existindo negativamente e através da representação e a repetição for entendida como diferença exterior, isto é, diferença empírica entre objectos diferentes representados por defeito por um mesmo conceito, a explicação é ainda insuficiente para Deleuze.

“(...) Mas porque pressentimos que o problema não está bem situado enquanto procuramos nos factos o critério de um principium individuationis? É que uma diferença

196

Deleuze, G., DR, op cit, p. 41. 197

pode ser interna e não conceptual. Há diferenças internas que dramatizam uma Ideia antes de representar um objecto. A diferença, aqui é interior a uma Ideia, se bem que seja exterior ao conceito como representação de objecto. (...)”198

.

A diferença pode ser pensada como princípio interno e primeiro e existindo fora do domínio da representação, para isso, Deleuze começa a introduzir a possibilidade de pensar a diferença como gerada de uma repetição contínua, a repetição como elemento diferencial199 (que é o Eterno Retorno), porém insiste que o conceito da diferença não se reduz a uma diferença conceptual, assim como a essência positiva da repetição não se reduz a uma diferença sem conceito.

“Talvez o engano da filosofia da diferença, de Aristóteles a Hegel passando por Leibniz, tenha sido o de confundir o conceito da diferença com uma diferença simplesmente conceptual, contentando-se com inscrever a diferença no conceito em geral. Na realidade, quando se inscreve a diferença no conceito em geral, não se tem nenhuma ideia singular da diferença, permanecendo-se apenas no elemento de uma diferença já mediatizada pela representação. Encontramo-nos, pois, diante de duas questões: qual é o conceito da diferença - que não se reduz à simples diferença conceptual, mas que exige uma Ideia própria, como uma singularidade na Ideia? Qual é, por outro lado, a essência da repetição - que não se reduz a uma diferença sem conceito, que não se confunde com o carácter aparente dos objectos representados sob um mesmo conceito, mas que, por sua vez, dá testemunho da singularidade como potência da Ideia?” 200

É somente no capítulo A Diferença em si mesma201 que Deleuze introduz a possibilidade de se pensar a diferença por si mesma e não numa relação de construção da identidade202. A característica da oposição desenha-se aqui. No «feliz momento grego, aquele em que a diferença é reconciliada com o conceito»203, a diferença passa a princípio selectivo das determinações e determina quais as diferenças que devem ser inscritas no conceito. A diferença designa um processo de selecção a partir do princípio do grande e do pequeno, essa selecção é feita pela oposição no conceito.

Na lógica aristotélica dois termos diferem e, neste sentido, há diferença quando dois termos convêm não por si mas por outra coisa (a diferença não por si mesma mas pela identidade); dois termos convêm em género para as diferenças de espécie e dois termos são segundo a analogia para as diferenças de género.

198

Deleuze, G., DR, op cit, p. 78.

199 “Ora, em Leibniz, a afinidade das diferenças extrínsecas com as diferenças conceptuais intrínsecas já exigia o processo interno de uma contínua repetitio, processo fundado num elemento diferencial intensivo que opera a síntese do contínuo no ponto para engendrar o espaço por dentro.” Cf. Deleuze, G., DR, op cit, p. 79. 200

Deleuze, G., DR, loc cit. 201

Deleuze, G., DR, op cit, p. 78.

202 “Tirar a diferença do seu estado de maldição parece ser, assim, a tarefa da filosofia da diferença. Não poderia a diferença tornar-se um organismo harmonioso e relacionar a determinação com outras determinações numa forma, isto é, no elemento coerente de uma representação orgânica?” Cf. Deleuze, G.,

DR, op cit, p. 83.

203

“Aristóteles diz: há uma diferença que é, ao mesmo tempo, a maior e a mais perfeita (...). A diferença em geral distingue-se da diversidade ou da alteridade, pois dois termos diferem quando são outros, não por si mesmos, mas por alguma coisa; portanto, eles diferem quando convêm também em outra coisa, quando convêm em género, para as diferenças de espécie, ou mesmo em espécie, para as diferenças de número, ou ainda “em ser segundo a analogia”, para as diferenças de género. - Qual é, nestas condições, a maior diferença? A maior diferença é sempre a oposição.” 204

A diferença é aqui operada pela oposição que é um dos quatro aspectos de submissão da diferença à representação porque a oposição é o momento de maior diferença na Lógica aristotélica, porém esta diferença serve a identidade, serve para operar a distinção de conceitos.

“Mas, de todas as formas de oposição, qual é a mais perfeita, a mais completa, aquela que melhor “convêm”? (...) Só a contrariedade representa a potência que faz com que o sujeito, ao receber opostos, permaneça substancialmente o mesmo (pela matéria ou pelo género). (...) Portanto, só uma contrariedade na essência ou na forma nos dá o conceito de uma diferença que seja ela mesma essencial. Os contrários, então, são modificações que afectam um sujeito considerado no seu género. Na essência, com efeito, é próprio do género ser dividido em diferenças, tais como “pedestre” e “alado”, que se coordenam como contrárias. Numa palavra, a diferença perfeita e máxima é a contrariedade no género e a contrariedade no género é a diferença específica.” 205

A diferença está subordinada à oposição, porque nesta tem a função de estabelecer a identidade conceptual por selecção, por oposição dos predicados contidos nos conceitos. A diferença específica é determinada pelos predicados contidos no conceito, pela compreensão do conceito. Desta forma e segundo o poder da representação operando no conceito, a diferença continua submetida à identidade no conceito tendo um carácter negativo de limite, de oposição lógica de predicados.

1.2.4.3.4. Analogia no juízo

Pela via da abstracção que separa a identidade da diversidade, a unidade da pluralidade, o que é comum a muitos seres das diferenças que os distinguem, nunca se chega a uma unidade totalizante que contenha toda a realidade. Deixar-se-ia sempre fora do conceito comum e unívoco algumas diferenças. Assim, a unidade suprema que engloba toda a realidade deverá, ao mesmo tempo, significar o comum e o diverso, a unidade e a pluralidade, a identidade e a diferença.

204

Deleuze, G., DR, op cit, p. 84. 205

Essa unidade é o conceito análogo de ser. Revela-se então a estrutura dialéctica deste conceito que pela sua generalidade é o mais abstracto e indeterminado dos conceitos e, ao mesmo tempo, o mais concreto pois significa a realidade singular com todas as diferenças individuantes. O conceito de ser é a analogia fundamental e última que sustenta todas as outras. A suprema unidade analógica é, simultaneamente, a condição de possibilidade da pluralidade de conceitos unívocos.

Todo o dado particular é referido a um primeiro termo, pois todos os entes finitos são afirmados com relação necessária a ele. Tem-se assim uma verdadeira unidade de ordem em que subsiste à pluralidade. Esta espécie de analogia em que uma propriedade se diz de um ser, por referência a um outro do qual depende chama-se analogia de atribuição. A propriedade significada pelo termo realiza-se na sua plenitude formal no ser de que os outros dependem.

“Ora se se pergunta qual é a instância capaz de proporcionar o conceito aos termos ou aos sujeitos de que é afirmado, é evidente que tal instância é o juízo, pois este tem, precisamente, duas e apenas duas funções essenciais: a distribuição, que assegura com a partilha do conceito, e a hierarquização, que assegura pela medida dos sujeitos. A uma corresponde a faculdade que, no juízo, se chama senso comum; à outra, corresponde a faculdade quê se chama bom senso (ou sentido primeiro). As duas constituem a justa medida (…)”206

1.2.4.4. O “negativo” do erro207

A Imagem dogmática do Pensamento reconhece o erro como o seu maior inimigo. O erro é assim o “negativo” do pensamento decorrente de mecanismos externos. O erro e não a estupidez.

A única forma da boa vontade do pensador e da boa natureza do pensamento serem ludibriadas é pelo erro de tomar o falso pelo verdadeiro. O erro, operado por uma falsa recognição, confunde o objecto de uma faculdade com o objecto de outra. O erro define-se na Imagem do Pensamento dogmática como uma falsa repartição dos elementos da representação e uma falsa avaliação da oposição, da analogia, da semelhança e da identidade. Segundo Deleuze, o erro rende homenagem à “verdade”, na medida em que, não tendo forma, dá ao falso a forma do verdadeiro.

A possibilidade do erro é constituída pelo segundo postulado, do senso comum ou da recognição, pois este modelo instiga as faculdades a se exercerem sobre um objecto,

206

Deleuze, G., DR, op cit, p. 89. 207

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 76-79)