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Do Mundo como Vontade à Vontade de Poder

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 153-172)

Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para ele próprio não se tornar um monstro. E quando se olha longamente para um abismo, o abismo olha também para nós. Nietzsche, Para Além de Bem e de Mal

Compreender o modelo perspectivista nietzschiano é relevante para se poder posicionar Deleuze como um perspectivista, digamos, pós-nietzschiano. Ao longo desta dissertação temos vindo a identificar alguns dos pontos de influência e de pilhagem, termo que o próprio Deleuze usa, a Nietzsche, porém, para estabelecer a ponte entre o conceito de Desejo deleuziano e o de Vontade de Poder teremos de recuar fazendo uma breve incursão na própria origem deste conceito.

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Regressemos a Schopenhauer e a Mundo como Vontade e Representação. Haverá vários conceitos que Nietzsche usará, desenvolvendo ou corrigindo a toada, e podemos dizê-lo porque em alguns casos menciona claramente que o seu mestre errou ao defini-los, na compreensão ou melhor, na interpretação que os originou. Vamos focar-nos apenas no conceito de «vontade» em Schopenhauer e como este é convertido em «vontade de poder» e numa manifestação do «niilismo».

Até certo ponto o trabalho de Nietzsche sobre o conceito de niilismo parece ser resultado de uma reacção forte a algumas conclusões de Schopenhauer quanto ao processo de manifestação da vontade, sob influência das teorias orientais relativas ao desejo de viver. Desejo que Nietzsche contesta directamente corrigindo-o para desejo de poder ou vontade de poder:

“Aquilo que constitui a ocupação de qualquer ser vivo, o que o mantém em movimento, é o desejo de viver. Pois bem, uma vez assegurada esta existência, não sabemos que fazer dela, nem em que a empregar! Então intervém a segunda mola que nos põe em movimento o desejo de nos livrarmos do fardo da existência, de o tornar insensível, «de matar o tempo», o que quer dizer fugir do aborrecimento. Deste modo vemos a maior parte das pessoas ao abrigo das necessidades e das preocupações, uma vez desembaraçadas de todos os outros fardos, acabarem por ser uma carga para eles mesmos, dizerem a cada hora que passa: tanto ganho! a cada hora, isto é, a cada redução dessa vida que eles tanto empenho têm em prolongar, visto que até aí consagraram todas as suas forças a esta obra. O aborrecimento, porém, não é um mal que se possa negligenciar: com o tempo ele coloca sobre o rosto uma verdadeira expressão de desespero. Como a necessidade para o povo, o aborrecimento é o tormento das classes superiores. Há na vida social a sua representação, o domingo; e a necessidade, os seis dias da semana.”437

Schopenhauer apresenta assim a sua análise do percurso humano, à semelhança do que Nietzsche fez depois ao teorizar sobre os acontecimentos que levam ao eclodir do niilismo. Assim, a vontade de viver, primeiro afirma-se na necessidade de encontrar meios de subsistência e depois nega-se no momento em que sente que essa sobrevivência está assegurada e perde, por assim dizer, o seu sentido existencial caindo no tédio, numa doença da vontade, no que se chamará niilismo ou ausência de valor.

Para Schopenhauer, a tomada de consciência da posição existencial, chamemos-lhe assim, do ser humano leva-o a compreender que leva uma vida vazia, que é arrogante quando julga saber alguma coisa, supondo-se importante. Portanto, o percurso evolutivo passará pela humildade que deve vergar a vontade e ensinar o homem a procurar nega-la e assim negar a própria ilusão.

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“Na verdade custa a crer a que ponto é insignificante, vazia de sentido, aos olhos do espectador estranho, a que ponto é estúpida e irreflectida, para o próprio actor, a existência que a maior parte dos homens leva. (…) Eis os homens: relógios; uma vez montado funciona sem saber porquê.”438

“A vida de cada um de nós, se a abarcarmos no seu conjunto com um só olhar, se apenas considerarmos os traços marcantes, é uma verdadeira tragédia. (…) cada dia traz o seu trabalho, a sua preocupação; cada instante, o seu novo engano, cada semana, o seu desejo, o seu temor; cada hora, os seus desapontamentos. (sem sentido) por mais apressadas que as pequenas e as grandes preocupações estejam para nos encher a vida, para nos manter a todos sem respirar, em movimento, não conseguem dissimular a insuficiência da vida para encher uma alma, nem o vazio e a insipidez da existência, também não conseguem afastar o aborrecimento. O homem fabrica para si, à sua semelhança demónios, deuses, santos; depois tem que lhes oferecer sem cessar sacrifícios, orações, ornatos para os templos, votos, cumprimentos, etc.; (…) o comércio que se mantém com eles, enche metade da vida, alimenta em nós a esperança, e, pelas ilusões que suscita, torna-se-nos por vezes mais interessante do que o comércio com os seres reais. Aí está o efeito e o sintoma duma verdadeira necessidade do homem, necessidade de socorro e de assistência.”439

Acresce a esta ideia de que o mundo falso da representação ou mundo fenoménico a que o homem tem acesso é uma mera ilusão, um conceito distorcido de justiça. Uma definição de justiça eterna que como em várias religiões, sugere que a justiça eterna existe, que tem uma lógica incompreensível para o homem e sugere uma atitude conformista, passiva e apática que é precisamente a descrição da etapa niilista do «homem que quer morrer» segundo Nietzsche.

“(…) o mundo estende diante do olhar do indivíduo sem cultura o véu de Maya de que falam os Hindus: o que se lhe mostra em vez da coisa em si é só o fenómeno sob as condições do tempo e do espaço, do princípio de individuação e as das outras formas do princípio de razão suficiente. (…) no meio dum oceano de dores senta-se tranquilo o homem ainda no estado de indivíduo, nos aspecto do fenómeno. O universo sem limites, cheio de uma dor inesgotável, com o seu passado infinito, o seu futuro infinito, este universo não é nada para ele. Não acredita mais nele do que num conto. (…) a distinção entre a nossa individualidade e o resto do mundo, esta distinção é verdadeira apenas para o fenómeno, não para a coisa em si. (…) mas o acordar há de chegar, e aquele que dorme perceberá que entre os sofrimentos da sua vida real e ele existia apenas a espessura duma ilusão.440

“Para uma inteligência que caminha apenas na sequência do princípio de razão suficiente e que está prisioneiro do princípio de individuação, a justiça eterna não é compreensível: ou a desconhece, ou a desfigura com as suas ficções. Vê o malvado, depois as maldades e as crueldades de toda a espécie, viver na alegria e sair do mundo sem ter sido afectado. Vê o oprimido aguentar até ao fim uma vida dolorosa, sem encontrar um vingador, um justiceiro. Para conceber, para compreender a justiça eterna é preciso abandonar o fio condutor do princípio de razão suficiente, subir acima deste conhecimento que se liga ao todo particular, elevar-se até à visão das Ideias, furar de lado a lado o princípio de

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Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 425. 439

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, pp. 426-427. 440

individuação, e convencer-se que às realidades consideradas em si mesmas já não podem aplicar-se às formas do fenómeno.”441

Associado ao conceito de justiça eterna está, na tradição oriental que inspira Schopenhauer, a questão da reincarnação, tema de uma repetição do todo que surgirá na ideia de Eterno Retorno mas com toda a carga teleológica e moral deliberadamente desactivada.

“o mito da transmigração das almas. Eis o que ele nos ensina: «Tereis que vos purificar de todo o sofrimento que infligirdes aos outros durante a vossa vida, numa vida ulterior e neste mesmo mundo, através de igual sofrimento; a lei é absoluta. (…) O que ele nos ensina é também isto: «uma vida má exige na sua continuação uma vida nova, neste mundo, sob a forma de qualquer ser infeliz e desprezado; o mau voltará a nascer numa casta inferior: será mulher, animal, pária, chandala, leproso, crocodilo, etc.» E todas as misérias com que o mito nos ameaça são misérias que vemos no mundo real, são aquelas que as criaturas sofrem sem saber como as mereceram; como inferno isto é suficiente. Por outro lado, como recompensa, o mito promete-nos um renascimento sob formas mais perfeitas, mais excelentes. (…) e fá-lo sob a forma de uma promessa que aparece muitas vezes: «Tu não voltarás a nascer.», tu não voltarás a assumir a existência fenomenal. Tu alcançarás o Nirvana onde já não encontrarás estas quatro coisas: o nascimento, a velhice, a doença, a morte. Já Pitágoras e Platão foram buscar este mito aos Hindus e Egípcios.”442

“A fonte donde emanam os indivíduos e as suas forças é inesgotável e infinita, tanto como o tempo e o espaço, visto que, como o tempo e o espaço eles são apenas o fenómeno e a representação da vontade. Nenhuma medida infinita pode avaliar esta fonte infinita: do mesmo modo cada acontecimento, cada obra asfixiada em germe tem ainda e sempre a eternidade inteira para se reproduzir.”443

O ponto alto do niilismo de Schopenhauer, colocando a análise do ponto de vista de Nietzsche, está no inverso ponto alto de reflexão existencial que compreende que a vontade é ilusão e decide negá-la e assim negar-se a si, ao seu «falso eu», desejando a morte, ou o nada - um nada de vontade - o niilismo.

“(…) a Vontade desliga-se da vida: ela vê nos prazeres uma afirmação da vida, e tem horror deles. O homem chega ao estado de abnegação voluntária, de resignação, de calma verdadeira e de paragem absoluta do querer. (…) aquele que vê para além do princípio de individuação, a sua vontade dobra-se: ela já não afirma a sua essência, representada no espelho do fenómeno; ela nega-o. Já não lhe basta amar os outros como à sua pessoa, e fazer por eles o que faria por si mesmo: nasce nele um desgosto contra a essência da vontade de viver. (…) Sendo no fundo apenas um fenómeno da vontade, ele deixa de querer o que quer que seja, e recusa-se a ligar a sua Vontade a qualquer apoio, esforça-se por assegurar a sua perfeita indiferença.”444

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Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 469. 442

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, pp. 472-473. 443

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 238. 444

“(…) a negação do querer-viver é o único acto da nossa liberdade que se manifesta no fenómeno.”445

“Uma vez conduzidos pelas nossas especulações a ver a santidade perfeita na negação e no sacrifício de todo o querer, uma vez libertados (…) a última palavra da sabedoria consiste, para nós, daqui em diante, apenas em nos afundarmos no nada. “446

“Constatámos que o mundo em si era a Vontade. (…) o nada é o que resulta da negação do mundo aparente da representação; o nada é o conhecimento ou êxtase de perceber a ilusão e a calma que daí advém.”447

Em Nietzsche, porém a supressão do mundo que se identificava com a vontade não redunda no nada, o eliminar o mundo ilusório não produz um mundo real mas antes uma transmutação de todos os valores, na medida em que se percebe que ambos os lados (essência e aparência) eram mera ilusão, mera perspectiva.

Para Schopenhauer, a noção de vontade que se manifesta na vontade de viver, no desejo, acaba por se negar quando se percebe que o desejo é fonte da conflitualidade e tem origem numa necessidade, num desequilíbrio que não pode ser sanado sem causar sofrimento ao próprio ou a outro sobre o qual essa vontade será imposta.

A noção de vontade surge aparentemente muito próxima nos dois autores, porém enquanto que em Schopenhauer se revela um «personagem conceptual» cuja função é fazer desaparecer, conduzir à destruição de outros conceitos como de sujeito, livre arbítrio, teleologia, etc., em Nietzsche vem reinstaurar a diferença e a filosofia.

A própria noção de conflito e de injustiça em Schopenhauer fornecerá instrumentos para Nietzsche desenvolver a sua teoria das forças na Vontade de Poder. Enquanto em Schopenhauer o mundo fenoménico é apenas a manifestação da vontade, em Nietzsche as perspectivas e as formas de vida, já que vida e pensamento são imanentes e não separados, são apenas manifestações do modo como as forças lutam e prevalecem numa ou noutra interpretação conforme são apropriadas por um ou outro tipo de vontade de poder. A vida, é tanto num como noutro autor apropriada, percorrida pela categoria mais próxima possível do «em si», a que ora se chama vontade ora vontade de poder. A diferença é, apesar de tudo, total, pois num a compreensão que o conflito é uma constante da vida conduz a uma saída passiva e auto-aniquilante, enquanto no outro a compreensão do jogo de forças implica uma atitude vivificante do pensamento.

445

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 527. 446

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 542. 447

“Esta invasão no domínio onde a vontade é afirmada por outrem é bem conhecida pelo nome de injustiça. A vítima da injustiça sente essa invasão na esfera por um estranho; experimenta imediatamente uma mágoa moral muito distinta. A injustiça manifesta-se ainda em todo o acto que tem como efeito submeter outrem ao nosso jugo, reduzi-lo à escravatura, em toda a usurpação dos bens de um outro, pois imaginem que esses bens são o fruto do seu trabalho e verão que essa usurpação é no fundo idêntica ao acto precedente e que entre os dois a relação é a mesma que existe entre uma ferida e um assassinato. (…) injustiça é o carácter próprio da acção de um indivíduo que estende a afirmação da vontade enquanto manifestada pelo seu próprio corpo até negar a vontade manifestada pela pessoa do outro. (…) não se falaria nunca de direito se nunca houvesse injustiça. A noção de direito encerra apenas exactamente a negação do injusto. (…) tenho o direito de negar uma vontade estranha opondo-lhe a quantidade de força necessária para a afastar; este direito pode ir, é evidente até ao aniquilamento do indivíduo em que reside essa vontade estranham neste caso, para repelir o dano que me ameaça, posso proteger-me contra as invasões dessa força exterior pelo meio de uma força suficiente para a afastar.”448

De forma interessante podemos notar que o mesmo enunciado é interpretado de maneira completamente diferente e produz resultados opostos: a vontade em Schopenhauer é um erro a eliminar e em Nietzsche é a máxima que permite operacionalizar a ideia de transmutação dos valores num personagem que é o sujeito que tem para si que - o querer liberta!

“Fora do tempo há apenas vontade, a coisa em si de Kant, e a ideia de Platão que é a sua objectivação adequada. (….) aquilo que tu queres, no fundo de ti mesmo, eis o que é preciso que tu sejas; e aquilo que tu és, é aquilo que tu queres.”449

“ (…) «Tu és isto» Aquele que pode dizê-la a si mesmo, com um conhecimento claro daquilo que diz, e uma firme convicção, em face de cada ser com que se relaciona, esse está seguro de possuir toda a virtude, toda a nobreza de alma: ele está no caminho recto que conduz à libertação, isto é, à abdicação de toda a vontade de viver.”450

Em Nietzsche a noção de perspectivismo não está logo presente nos escritos de

Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral, de 1873, essa noção mostra-se mais

forte, mais madura, se assim se pode dizer, nos textos finais como aqueles da Vontade de

Poder de 1906. Talvez a longa reflexão sobre o próprio processo do niilismo tenha

resultado numa consciencialização do teor perspectivista do conhecimento e da forma como, por um lado a humanidade mediante este se liberta da metafísica clássica, dualista, e por outro, se coloca no risco do sem-sentido e da auto-destruição. Um risco até hoje muito presente.

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Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, pp. 442-443. 449

Schopenhauer, A., O Mundo como Vontade e Representação, op cit, p. 487. 450

Para Nietzsche o niilismo é o resultado da aplicação dos valores da metafísica e da religião; nasce no coração da moral cristã que deprecia a existência em nome de outra vida. Posta a dúvida sobre a interpretação moral do universo, dá-se a desagregação de uma perspectiva e o colapso de todas aquelas que assentavam no seu fundamento, ocorre a suspeita de que todas as explicações possam talvez ser falsas. Esta suspeita corre como a peste contagiando toda uma imagem do pensamento. Do ponto de vista histórico é notável e libertador da perspectiva monocentrada, porém nesse ponto o niilismo atinge o seu ponto máximo no qual a humanidade perde a sua razão de ser, arrisca-se ao anseio do não-ser.

“ - 2 Aquilo que agora vou relacionar é a história dos próximos dois séculos. Hei-de escrever o que acontecerá, o que acontecerá necessariamente: o triunfo do Niilismo. (…) Toda a nossa cultura Europeia se vem contorcendo desde há muito numa tensa agonia que acresce a cada década como se na expectativa duma catástrofe (…)” 451

O risco maior é que o ponto mais intenso do niilismo seja aquele que coincide com a convicção de que a vida é absurda e que resulta da consciencialização global do episódio da morte de deus. Quando um filósofo postula tal evento, não o cria, mas enuncia-o como sintoma e assim dá uma visibilidade ao acontecimento, deve estar preparado para propor alguma coisa, para dar alguma coisa em troca. Se por um lado esse acontecimento se identifica com a libertação de valores que tornaram impossível a vida, por outro lado, a esperança e energia investida em tal desejo agora perde o seu sentido e a humanidade arrisca-se a cair numa apatia e morte lenta. Este receio é claro em Nietzsche dado que, menciona várias vezes os riscos daquilo que chama o pessimismo de Schopenhauer, pessimismo esse que crê acabar no niilismo pleno.

Para o ser humano perceber que o Ser não permanece, que é Devir e que não é teleológico, que não tem um destino, que nada almejou, que nada deseja, causa uma «doença da vontade» que se designa por Niilismo, porém, embora o Devir, como a vontade em Schopenhauer, não tenha um fim ou propósito, ele não implica a perda total de sentido, implica aceitar um outro tipo de compreensão do real, uma construção do seu sentido, um perspectivismo.

O primeiro passo do niilismo não é o de uma alienação completa mas o de consciencialização de que a imagem do mundo era uma ficção que servia a uma forma de vida, a um tipo de Vontade de Poder, era necessária para a sobrevivência de um tipo de humanidade que não poderia, até então, suportar tal verdade. Com o niilismo, o momento

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histórico implica um momento de maturidade do homem em que está preparado para mudar de paradigma.

“ (…) No momento em que o homem compreender que este mundo foi concebido apenas para o propósito de certas necessidades psicológicas, e que não tem qualquer direito a ele, chega á existência a forma final do Niilismo, que é composta por uma negação dum mundo metafísico, e que, proíbe até toda a crença num mundo real. (…)

O sentimento de falta de valor foi sentido quando se percebeu que nem a noção de «Propósito», nem a de «Unidade», nem a de «Verdade», podiam ser usadas para interpretar o carácter geral da existência.” 452

“(…) todos estes valores são, psicologicamente resultado de certas perspectivas de utilidade, estabelecidas com o propósito de manter e aumentar o domínio de certas comunidades: mas falsamente projectadas na natureza das coisas. (…)” 453

Porém, tal como referimos anteriormente, a destruição dessa imagem do pensamento implica também abandonar todas as noções da metafísica clássica, não apenas algumas, a própria noção de em-si é abandonada como função do pensamento para conceber o real, ou pelo menos a possibilidade convicta de tal ser pensado é abandonada. Nietszche considera que não há nenhuma coisa em si, supondo que esta renúncia, além de coerente com o seu pensamento pretende estrategicamente suspender toda a réstia de valor verdadeiro, de oposição aparente-ideal. Se se mantivesse um em-si, a ideia de perspectiva seria inútil porque seria associada ao erro ou à ilusão, seria o novo nome para o conceito de aparência e Nietzsche não pretende meramente substituir as palavras.

“ (…) nenhuma «coisa em si». Este em-si é apenas Niilismo, e do mais extremo. Revela-se que o valor das coisas consiste precisamente no facto de que estes valores não são reais

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 153-172)