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A objectividade kantiana para Deleuze

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 107-153)

Aquilo a que na vida quotidiana, a nível empírico, chamamos «realidade» desvanecia-se enquanto entidade a nível crítico e filosófico. Quer se reparasse nisso ou não, a Crítica oferecia o frutífero paradoxo de que o «realmente verdadeiro» não é o «verdadeiramente real. Oswaldo Market, Recepção da Crítica da Razão Pura

Kant pretendeu restituir toda a força à metafísica teísta e reabilitá-la das críticas e descrédito em que se viu no século XVIII; foi o autor cuja filosofia pretendia responder à questão «Que pode legitimamente a nossa razão?», uma intenção e um percurso que porventura resultou num caminho inverso ao programa desejado.292

Na perspectiva de Jean Lacroix, à época as ideias de Newton tinham chegado a um estado de direito, mas a metafísica, por oposição, permaneceu num estado de facto em que as opiniões se opunham sem convencer ninguém. Esta seria uma das críticas de Kant ao racionalismo tradicional que teria enfraquecido a razão teórica, tornando-a numa espécie de jogo intelectual em que tudo poderia ser dito e sustentado sem que acarretasse nenhum compromisso.293

Kant na sua investigação não procura nenhum carácter psicológico nem explicar como as representações aparecem ou desparecem na consciência, mas antes qual o valor que possuem quanto à verdade. Como tal, o problema não é o da causa mas o do

292 “Adverte-se que parte muito importante da obra de Kant não é sequer metafísica, no sentido em que não explora o ser e seus atributos essenciais, mas é, por ele próprio, instituída como uma «crítica transcendental», já que não tem como objectivo a extensão dos conhecimentos eles mesmos, mas somente a sua rectificação.” Cf. Marques, A., O Essencial sobre Metafísica, Lisboa, INCM, 1987, p. 43.

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fundamento dos juízos lógicos e saber quais os factores de qualquer conhecimento possível, não se pretende estudar o particular mas a possibilidade da razão ter um objecto e o seu limite. Esta noção de limite, é para Lacroix294 não uma demarcação exterior, mas uma função lógica da validade interna da teoria que Kant desenvolveu - a coisa em si - seria este limite teórico e representaria os limites do espírito humano.295

Este limite permite distinguir pensamento e conhecimento: o pensar é mais vasto que o conhecer, podemos apenas pensar na coisa em si enquanto Incondicionado pois representa o limite de qualquer saber objectivo e de qualquer conhecimento fenoménico. Kant opera no domínio lógico e, segundo Lacroix,296 desloca o problema da metafísica para um outro plano, na medida em que se conhecer é conhecer objectivamente um objecto, então essa não é a tarefa da filosofia, será talvez a da ciência pois a filosofia não conhece objectos297 e, por isso mesmo, a própria metafísica não deve permanecer teórica e abstracta como puro saber objectivo. Desse modo, as ideias metafísicas da razão pura não constituem propriamente um saber porém são reguladoras do pensamento e da acção; argumentação usada para salvar a metafísica do tribunal da crítica às metafísicas dogmáticas consideradas impossíveis.

Ainda na perspectiva do autor, Kant pretendeu fundar, com um novo método, a antiga metafísica pelo movimento de encontrar no conhecimento prático dados que forneceriam um conteúdo à ideia racional do incondicionado, dessa forma, confirmava a legitimidade das pretensões da metafísica contudo limitava-a ao mundo fenomenal, esta seria a sua salvação. Porém, a Crítica da Razão Pura, descobriria pela análise do mundo fenomenal os fundamentos da metafísica e poderia deste modo definir rigorosamente a priori a metamorfose que a metafísica deveria sofrer para se constituir em verdade.298 Aos olhos de Deleuze299, este movimento para salvar a metafísica operou por uma simples oposição lógica ilegítima, fez um decalque do empírico para fundamentar o transcendental. Foi aos limites encontrados no fenoménico e por inversão ou oposição lógica deduziu os fundamentos do que seria o numénico.

294

Cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 17. 295

Lacroix lê Kant de forma a pensar o ser humano enquanto receptor dos seus pensamentos sobre a realidade e não produtor da realidade dos mesmos, por oposição a um ser dotado de uma intuição originária e criadora que daria a si mesmo o que recebe, conduzindo esta interpretação para o campo da moral.

296

Cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 20. 297

Ainda que segundo Lacroix, Kant proponha indicações várias sobre o em si, surge o argumento lógico de que a própria existência do sujeito prova a existência de objectos no espaço e fora do sujeito, isto porque esta consciência da sua própria existência exige alguma coisa de permanente nas suas percepções que seja distinta das suas representações, a saber, a existência das coisas fora de si, argumento este amplamente criticado.

298

Cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 22. 299

Esta crítica terá sido formada inicialmente por Nietzsche [N 11], grande inspirador de Deleuze, numa passagem de cadernos compilados por Peter Gast, que acabou por se intitular Vontade de Poder:

“460. - Todos estes valores são empíricos e condicionados. Mas aquele que acredita neles e os honra, recusa-se a reconhecer este seu aspecto. Todos os filósofos acreditam nestes valores, e numa das formas que a sua reverência forma é o esforço de criar verdades a priori a partir deles. A natureza falsificante da reverência…”300

“507.- (…) Postulámos as nossas condições de existência como os atributos do ser no geral. Devido ao facto de, de maneira a prosperarmos, termos de ter estável a nossa crença, desenvolvemos a ideia de que o mundo real não era nem mutante nem evolutivo (…) ”301

“579. - Da psicologia da metafísica. - Este mundo é apenas aparente: portanto tem de haver um mundo real; - este mundo é condicionado: consequentemente tem de haver um mundo incondicionado; - este mundo é contraditório: consequentemente há um mundo livre de contradição; - este mundo está em evolução: consequentemente existe em algum lado um mundo estático: - uma carrada de falsas conclusões (fé cega na razão: se A existe, então o seu oposto B terá também de existir.) (…) ”302

É Nietzsche que referindo-se à relação entre a verdade e a moral (outro aspecto que Deleuze pilhou do seu mestre), e especificamente ao critério de verdade da metafísica tradicional (que aquele associava a uma avaliação moral da realidade), que sugere que Kant pretende criar verdades a priori a partir de grupos de valores, isto é, de categorias do pensamento como a substância, a identidade, etc., tendo como base dos axiomas e dos princípios do pensamento, valores puramente empíricos que, depois de esvaziados do seu carácter contingente seriam apresentados, como que invertidos, como se fossem puros.

Para Deleuze, o transcendental na sua imagem tradicional em Kant é determinado como o campo de uma consciência, de uma subjectividade, um eu. O transcendental dá-se no eu como plano de um puro sujeito de reflexão, como princípio sintético da realidade objectiva ou unidade do campo ontológico como campo da experiência possível.

A crítica de Deleuze pode resumir-se a considerar uma traição à imanência303 pensá- la como imanente a algo, como atributo de. Ser constituída por um movimento de um

300

Nietzsche, F., Vontade de Poder, op cit, p. 240. 301

Nietzsche, F., Vontade de Poder, op cit, p. 260. 302

Nietzsche, F., Vontade de Poder, op cit, p. 293. 303

A ideia de imanência em Deleuze é inspirada em Espinosa que a resume por «Deus sive Natura» (Deus é natureza). Esta defende que não há transcendência, principio ou causa externa para o mundo e que o processo da produção da vida está contida na própria vida, um desenvolvimento muito diferente daquele que se aplica ao idealismo, no qual o mundo não teria nenhuma causa externa além da mente. Em Deleuze, a imanência é contextualizada num empirismo transcendental em que a filosofia, a vida, o pensamento são imanentes no sentido em que não têm nenhuma causa ou princípio externo, um fundamento divino ou ideal. O pensamento deve ser produzido no próprio pensar e no perspectivismo que este implica.

sujeito que por reflexão se representa a si próprio como sujeito dessa atribuição . O Ser é subtraído à sua transcendência para ser atribuído a um sujeito. A ideia é a de que se produz um erro lógico ao operar-se o decalque do transcendental sobre o empírico modelando as condições (de constituição) pelo próprio condicionado, isto é, atribuindo a imanência a entidades transcendentes como o Sujeito.

O movimento de deduzir ou decalcar o ilimitado (em si) pelos limites do conhecimento empírico (fenoménico), implica modelar, criar as condições do conhecimento ou da metafísica a partir daquilo que é condicionado por elas, para de uma forma mais simples, tentar atingir o universal a partir das limitações que um caso particular de objecto em estudo forneceria por inversão lógica: - se este particular é finito, o universal será infinito - e assim por diante. Tal como Kant pretende salvar a metafísica conduzindo-a a outro plano, Deleuze procura salvar a imanência retirando-a do sujeito.

Um dos aspectos, quanto ao problema da objectividade, a salientar da solução kantiana será o facto de que em Kant, sendo a sensibilidade a única forma de intuição, isso implica que não poderemos conhecer senão objectos sensíveis ou fenómenos, que são apreendidos tal como nos aparecem, como são dados às formas puras a priori do espaço e do tempo, contudo, salienta, não apareceriam se não existissem.304 Reforçar esta ligação de causalidade entre o fenómeno enquanto dado, e a sua representação na consciência não é um forte argumento lógico para provar a existência do mundo ou do real, porém isso não significa que Kant chegue dos fenómenos aos númenos em virtude de uma espécie de raciocínio causal que os implique como causa e efeito: visto que há fenómenos é necessário que eles tenham uma causa, a saber, as coisas em si.

Para Lacroix,305 Kant condenou o uso transcendental do princípio de causalidade, tendo distinguido neste problema dois planos: no primeiro refere que pelo facto de existir causalidade no mundo não se infere que haja uma causalidade do mundo e que a correlação entre fenómeno e númeno não pode ser dada pela causalidade entendida desta forma pois isso seria ir ao encontro da crítica da causalidade de Hume.306

304

Cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 40. 305

Cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 41. 306

Hume considera que o facto de aceitarmos o real exterior como existente deriva da forma como estamos habituados a pensar. Ao pensarmos num objecto costumamos atribuir-lhe o atributo de existente, embora o facto de lhe atribuirmos ou não essa qualidade, nada mude nas nossas conclusões ou na possibilidade de o pensarmos. Aparentemente Hume entende este aspecto como uma espécie de vício do pensamento ou da forma como aprendemos a pensar: “Assim, ainda que toda a impressão e ideia de que nos lembramos se considere existente, a ideia de existência não deriva de nenhuma impressão particular. A ideia de existência identifica-se pois exactamente com a ideia daquilo que concebemos como existente. Reflectir simplesmente sobre uma coisa qualquer não difere em nada de reflectir nela como existente. Essa ideia quando conjugada com a ideia de qualquer objecto, nada lhe acrescenta.” Cf. Hume, D., Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, pp. 100-101. Aliás, a qualidade de existente é, para Hume, o resultado

Mediante a separação fenómeno-númeno, um tipo de argumentação que parece desde logo platónica,307 resolve-se de certa forma o problema da metafísica sem se recorrer ao argumento cartesiano de Deus para fundamentar a existência do mundo, do real exterior ao sujeito, porém a objectividade embora existente é construída aplicando-se a um sensível previamente recebido.308 Sendo o real construído pela mediação do entendimento e da imaginação, os cépticos retornam com a possibilidade de uma ilusão sempre presente nesta construção do mundo a que temos acesso - o fenoménico -, até porque os conceitos da razão afiguram-se difíceis de justificar e explicar como se aplicam aos objectos sensíveis. À medida que se aprofunda esta noção de construção do real, mesmo que apenas fenoménico, pelo modo da mediação da imaginação, ou seja, pelo

claro de qualquer espécie de programação interna: “Por consequência, uma vez que os objectos exteriores,

tal como aparecem aos sentidos, não nos fornecem nenhuma ideia do poder ou conexão necessária, pela sua operação em casos particulares, vejamos se esta ideia deriva da reflexão sobre as operações das nossas próprias mentes e é copiada de qualquer impressão interna.” Cf. Hume, D., Investigação sobre o

Entendimento Humano, Lisboa, Edições 70, 1989, pp.66-67.

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Lacroix rejeita esta aproximação de Kant a Platão mencionando que a diferença entre a coisa em si e o fenómeno é apenas subjectiva, isto é, implica uma diferença de relação da representação com o objecto de tal forma que o númeno apenas corresponde à ideia de intuição intelectual de entendimento intuitivo e não a um mundo separado como é lido em Platão, devolvendo Kant ao idealismo, cf. Lacroix, J., Kant, op cit, p. 42. Schopenhauer analisou, igualmente, esta possível aproximação entre Kant e Platão, concluindo pela não identificação dos autores mas aceitando uma proximidade que é a que pretendo referir nesta passagem da minha argumentação. Em O Mundo como Vontade e Representação, (Livro III, §31), Schopenhauer ao analisar as características do seu conceito de Vontade identifica-a com a coisa em si e indica que a ideia platónica não é mais do que a objectidade imediata da vontade, objectidade realizada num grau determinado. Daí conclui que a coisa em si de Kant e a ideia de Platão não são idênticas mas estão ligadas por um estreito parentesco: elas diferem uma da outra apenas por um único traço: embora seja evidente que o sentido profundo das duas doutrinas é exactamente o mesmo, isto é, que ambas consideravam o mundo sensível como uma aparência que em si não tem valor e só tem significação, realidade escondida, em virtude daquilo que se exprime através dele - as ideias, para Platão, a coisa em si para Kant. Porém, em Schopenhauer, apesar do acordo profundo de Kant e de Platão, e da concepção do mundo sobre a qual se guiava e dirigia a sua filosofia, a ideia e a coisa em si não são, contudo, completamente idênticas, a ideia é a objectidade mais adequada possível da coisa em si; é a coisa em si submetida à forma da representação. Para Schopenhauer, a ideia é a interpretação mais adequada daquilo que será a coisa em si, ou seja, a Vontade, na medida em que esta se manifesta no mundo e embora ela não seja a objectidade nem o mundo fenoménico mas aquilo que lhes subjaz. É aqui que descobrimos a razão desse acordo entre Platão e Kant, ainda que, com todo o rigor, aquilo de que eles falam não seja absolutamente idêntico.

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Através desta solução ultrapassa ou põe de parte, provisoriamente o problema que se coloca entre David Hume e Kant: “Vemos assim em que ponto se realiza a ruptura entre Kant e Hume. Hume tinha visto muito bem que o conhecimento implica princípios subjectivos, pelos quais superamos o dado. Mas estes princípios pareciam-lhe apenas princípios da natureza humana, princípios psicológicos de associação concernentes às nossas próprias representações. Kant transforma o problema: o que se nos apresenta de maneira a formar uma Natureza deve necessariamente obedecer a princípios do mesmo género (mais ainda, aos mesmos princípios) que aqueles que regulam o curso das nossas representações.” Cf. Deleuze, G., CK, op cit, p. 20. A hipótese de que as representações e o real são de uma mesma natureza facilitaria sem dúvida o problema, hipótese que é apresentada na generalidade de um «como se», porém Kant não se manteve na argumentação clássica: “No racionalismo dogmático, a teoria do conhecimento fundava-se na ideia de uma correspondência entre o sujeito e o objecto, de um acordo entre a ordem das ideias e a ordem das coisas. (…) A ideia fundamental do que Kant denomina a sua «revolução copernicana» consiste no seguinte: substituir a ideia de uma harmonia entre o sujeito e o objecto (acordo final) pelo princípio de uma submissão necessária do objecto ao sujeito. A descoberta essencial é que a faculdade de conhecer é legisladora ou, mais precisamente, que há algo de legislador na faculdade de conhecer.” Cf. Deleuze, G., CK, op cit, pp. 21- 22.

tema do esquematismo e da síntese que é operada para se unificarem os dados e se construírem os objectos, maior é a dificuldade de afastar o espectro da ilusão.

Em Kant, esta noção de possível ilusão deixa mesmo de ser um perigo a evitar mas uma parte da natureza do conhecimento, pois a razão que procura constituir um conhecimento objectivo com base nas Ideias tem consciência de que estas são apenas símbolos, centros imaginários para gerar uma unidade aparente. As ideias são hipóteses com um papel especulativo para que a razão reconduza regras do entendimento à unidade mediante certos princípios, contudo estes têm uma função meramente reguladora e não constitutiva. A ilusão da razão é constitutiva e inevitável e esse é o trabalho da crítica, identificar os limites da razão e ao identificá-los salvar a metafísica conduzindo-a ao campo da razão prática - já não se tratava de constituir um ser objectivo mas de cumprir um dever- ser.

Para Lacroix, Kant responde à pergunta sobre o que é o conhecimento de forma criativa, conhecer é imaginar, construir esquemas que se inserem na realidade para a compreender ou modificar, fazer esboços aproximativos que vão progressivamente encerrando o objecto a conhecer.309 Assim, o esquematismo é uma mediação entre o espírito e o mundo, o processo necessário para fazer corresponder a um conceito uma intuição que o determina. Parece haver um duplo movimento na argumentação kantiana, na medida em que constituir a objectividade com a noção de espaço, só faz sentido porque existe um tal real com essa característica e, por outro lado, a percepção de algo como situado no espaço é uma condição de conhecimento do próprio sujeito que a projecta sobre o que entende ser o real. Este movimento duplo fecha a argumentação do ponto de vista lógico, por um lado, e por outro, será alimentado com o próprio desejo de que tudo exista para que a vida mundana possa continuar.

Em Kant, a objectivação do objecto é feita mediante a espacialização, na qual a multiplicidade sentida adquire uma primeira objectividade ao ser unificada no espaço. O espaço é uma condição de objectividade, conhecer um objecto é conhecê-lo no espaço que não é uma substância, nem um acidente mas a maneira como o sentido apreende os fenómenos.

De que forma é que esta abordagem difere da deleuziana que propõe que se procure extrair o sentir da sensação?

Kant não é um subjectivista e, apesar de considerar que o uso da razão não tem sempre por fim a determinação do objecto e o conhecimento mas a determinação do

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sujeito e do seu querer,310 considera que o plano da realidade a que temos acesso é caracterizado como uma distribuição de representações segundo uma ordem rigorosamente determinada. O objecto é um tipo ideal de organização, a que nos devemos conformar de cada vez que pretendemos construir representações objectivas, aspecto que sugere o afastamento não só do subjectivismo como de um perspectivismo ao apostar na universalidade do transcendental ou, pelo menos, dos seus resultados. O mesmo não podemos dizer para já da proposta deleuziana de criação de um plano de imanência para o pensamento como forma de concretizar o processo de individuação.311

Com Kant temos como garantido que a sua teoria não elimina a existência do mundo exterior,312 simplesmente não apreendemos essa realidade tal qual ela é, apenas como se apresenta na estrutura da sensibilidade, como fenómeno. Não temos nenhuma intuição das coisas em si, apenas possuímos no ponto de partida, um dado que nos afecta, sendo que o homem não é o criador da matéria do conhecimento. Se o espírito humano é apenas capaz de intuição sensível e não tem nenhum conhecimento determinado do númeno, ainda assim esse conceito não deixa de ser legítimo e necessário, trata-se contudo de um conceito que é colocado como problemático ou negativo, nos termos de Kant: um conceito limitativo que impede a sensibilidade de considerar como absolutos os objectos da intuição. Um movimento do pensamento semelhante ocorre no que toca à ideia de infinito, este não pode ser representado como uma acumulação de finito pois é a totalidade de ser. Desse modo, para que possa servir de fundamento à possibilidade de todas as coisas é necessário pensá-lo mais a título de princípio que de conjunto.313 Em Kant, segundo

No documento O desejo maquínico em Gilles Deleuze (páginas 107-153)