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A Orientação Técnico-Científica do Estruturalismo

Da Tecno-Ciência Moderna ao Linguistic Turn do Positivismo Lógico

1.3. A Orientação Técnico-Científica do Estruturalismo

O Linguistic Turn que marcou grande parte da filosofia desenvolvida ao longo do séc. XX, é caracterizado como a viragem da reflexão filosófica moderna para os problemas suscitados pela própria linguagem. Esta viragem, tal como se procurou até aqui demonstrar, é fortemente influenciada pela racionalidade técnico-científica que predominou no contexto académico pós-revolução industrial. Tal como foi ainda referido no final do ponto anterior, a par do Positivismo Lógico, destacam-se ainda as tradições do Estruturalismo e da escola hermenêutica germânica como reflexos do alcance do Linguistic Turn na filosofia continental. Com o Estruturalismo, a busca por uma prática filosófica objetiva, tal como foi demarcada pela filosofia crítica kantiana, não deixa de se mostrar como um dos intuitos inerentes à viragem linguistica que foi operada dentro desta tendência do pensamento filosófico continental. No entanto, e ao contrário do Positivismo Lógico, a transformação da Filosofia numa ciência empírica não foi definida como uma prioridade para esta tradição que, não obstante, possuí o intuito de delinear um método concreto para a investigação que vem a ser desenvolvida pelas «ciências humanas».

Num primeiro momento, o Estruturalismo, nomeadamente no que diz respeito à sua formulação saussureana, destaca-se como uma tradição que procurou estabelecer uma metodologia capaz de proporcionar à teoria linguística uma compreensão clara dos processos de construção do significado da linguagem a partir da análise das relações que se estabelecem entre os seus elementos. A distinção que, no Curso de Linguística Geral (1916), Ferdinand de Saussure delimita entre os conceitos de «língua» («langue») e «fala» («parole») é feita nesse sentido (Cf., SAUSSURE, 1916, pp. 47-50), pois, e tal como o seu próprio nome indica, o Estruturalismo é conceptualizado como uma proposta técnico-metodológica de compreensão da linguagem que parte da análise da sua estrutura, i.e., da forma como a partir da relação — de afinidade ou oposição — que se estabelece entre os elementos linguísticos se constroem os conteúdos significativos

que, por seu turno, delimitam a própria linguagem (Cf., SAUSSURE, Op. Cit., pp. 121- 171).

O pressuposto teórico basilar do Estruturalismo sustem-se sobre a ideia de que é a estrutura da linguagem a responsável pela produção dos seus conteúdos significativos, uma vez que os elementos linguísticos, quando tomados isoladamente — i.e., independentemente das relações que estabelecem entre si — nada significam.18 No

campo da reflexão filosófica, o impacto do Estruturalismo manifestou-se em várias propostas que foram apresentadas por diversos autores do séc. XX — de entre os quais podem aqui destacar-se nomes tais como os de Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes ou Jacques Lacan — cuja reflexão em torno dos conceitos centrais do pensamento estruturalista transportou a sua abordagem metodológica para além do âmbito da linguagem, desenvolvendo-se posteriormente como uma técnica de análise e interpretação filosófica que recai sobre as mais variadas questões; sejam estas de caráter social, psicológico, político, ou até mesmo estético (Cf., CULLER, 1975).19 No entanto,

tal como evidencia Jonathan Culler, há que sublinhar que:

«De acordo com a teoria estruturalista, a identidade do estruturalismo deverá evidenciar-se a partir dos contrastes inerentes ao sistema de pensamento moderno, das diferenças partilhadas por um grupo de pensadores, e não a partir de uma filiação histórica. De facto, o termo ‘estruturalismo’ é normalmente usado para designar o trabalho que remonta as suas origens à linguística estrutural e que faz recurso de um vocabulário saussureano, inclusivé,

signo, significante e significado, sintagma e paradigma. Existem diversos textos, de

Aristóteles a Chomsky, que partilham da orientação estrutural para analisar os objetos como produtos de elementos estruturais dentro de um sistema, mas se não partilharem das raízes saussureanas, normalmente não são designados de estruturalistas, independentemente das afinidades que possam ter com outros textos que se enquadrem nessa designação. (Cit., CULLER, 1998, p. 175)»20

18 Um exemplo clássico desta posição estruturalista pode encontrar-se na proposta apresentada por

Algirdas Greimas, nomeadamente no que diz respeito ao seu modelo de um «quadrado semiótico» para a construção do significado. De acordo com Greimas, o significado de um termo da linguagem, e.g., «positivo», só é possível de ser compreendido quando relacionado com o seu oposto, e.g., «negativo». Sem o último, o primeiro termo não possuiria qualquer significado. Daí que para o pensamento estruturalista, o conteúdo significativo da linguagem não se encontre nas próprias palavras, mas sim na relação que estas estabelecem entre si, assim como com toda a estrutura da linguagem onde se inserem.

Cf., GREIMAS, 1966.

19 A este respeito veja-se também STURROCK, 1986.

20 “According to structuralist theory, the identity of structuralism should come from contrasts within the

system of modern thought, from the differences shared by a range of thinkers, rather than from a historical filiation. In fact, the term ‘structuralism’ is generally used to designate work that marks its debts to structural linguistics and deploys a Saussurian vocabulary, including sign, signifier and

signified, syntagmatic and paradigmatic. There are many writings, from Aristotle to Chomsky, that share

Depreende-se da análise até aqui construída que a concomitância entre o Estruturalismo e o Positivismo Lógico se manifesta sobretudo em dois sentidos. Por um lado, ambas as tendências tomam os processos de construção da linguagem e da sua relação com o mundo como objeto de estudo fundamental, muito embora, e no que ao Estruturalismo diz respeito, a análise dos processos de construção do significado centre mais a sua atenção na dimensão formal da linguagem que no modo como esta se encontra dependente da experiência empírica. Por outro lado, tanto o Estruturalismo como o Positivismo Lógico procuram fundamentar conceptualmente uma técnica de análise da linguagem que procura guarnecer a investigação desenvolvida no contexto das «ciências do espírito» de uma cientificidade equivalente àquela que é possibilitada pelas técnicas que são usadas no contexto de investigação das ciências exatas. Ambas as tradições procuram neste sentido construir uma técnica de investigação cuja aplicação se demonstre transversal a todo o conhecimento humanista.

No entanto, e para além dos seus pressupostos teóricos fundamentais, cada uma destas tradições não deixa de se distinguir da outra por um aspeto fundamental, nomeadamente no que diz respeito à autonomia académica pretendida para as suas propostas. Enquanto o Positivismo Lógico procura estabelecer-se a si mesmo como um âmbito disciplinar autónomo, — i.e., como uma disciplina científica que resulta da evolução do pensamento filosófico tradicional para uma sistematização do mesmo enquanto ciência empírica — o Estruturalismo não partilha dessas pretensões de autonomia académica que caracterizam as posições positivistas, não pretendendo ir para além da sua caracterização enquanto «tendência metodológica», razão pela qual foi apropriado como técnica de investigação por tão diversas vertentes do humanismo.

Porém, mesmo ao ter em conta este afastamento, na orientação técnico- metodológica do Estruturalismo é ainda possível determinar aquele que talvez seja o mais importante ponto de comunhão que partilha com o Positivismo Lógico. Orientação que poderá ser também compreendida como uma das consequências históricas da institucionalização da racionalidade técnico-científica, enquanto paradigma do saber vigente na cultura ocidental moderna. A análise estrutural da linguagem, a par da análise lógica que é proposta pela tradição positivista, procura fornecer às «ciências humanas» uma técnica de investigação que visa eliminar dos estudos humanistas as variáveis subjetivas que a natureza do intelecto humano lhes tem vindo a impor,

within a system, but if they do not display a Saussurian ancestry, they are often not deemed structuralist, whatever their affinities with the writings so designated.” (Tradução da nossa responsabilidade).

subjugando o seu objeto de estudo aos intuitos almejados pelos seus investigadores. Neste sentido, é possível verificar que em ambas as tradições filosóficas são aplicadas técnicas de redução positiva do seu objeto de estudo — i.e., do ser humano, através da sua representação linguística — de modo a poder garantir uma maior objetividade dos resultados alcançados.

A determinação científica do Estruturalismo, tal como foi já verificado com a orientação científica que se manifesta na tradição do Positivismo Lógico, encontra-se por essa razão ligada à forte influência que foi exercida pelos desenvolvimentos decorrentes da aliança das ciências naturais e exatas com a técnica moderna, que por sua vez dominou o contexto académico e cultural da modernidade tardia. A técnica da redução positiva da linguagem parece por isso manifestar-se como a característica essencial do Linguistic Turn. Pois tanto da parte do Positivismo Lógico como da parte do Estruturalismo, denota-se esta tendência metodológica reducionista que assim partilha dos pressupostos delineados pela racionalidade técnica dominante na segunda metade do séc. XIX, e início do séc. XX.

Capítulo 2:

A Hermenêutica Contemporânea como Esforço de

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