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O Positivismo e o Projeto de uma Filosofia Técnico-Científica

Da Tecno-Ciência Moderna ao Linguistic Turn do Positivismo Lógico

1.2. O Positivismo e o Projeto de uma Filosofia Técnico-Científica

10 Itálicos da nossa responsabilidade.

11 A este respeito veja-se também HABERMAS, 1968, pp. 45-92; QUIVIGER, 2009, pp. 484-500;

Foi sob a senda da segunda hipótese de desenvolvimento da Filosofia atrás referida que começaram a traçar-se as primeiras linhas da tradição que mais tarde ficou conhecida como Positivismo Lógico. Remontando os seus fundamentos à problematização kantiana das «condições de possibilidade» do conhecimento, o Positivismo Lógico procurou imprimir uma metodologia científica — baseada nos princípios da lógica formal simbólica — em todos os domínios do pensamento filosófico, procurando por essa via deles eliminar qualquer orientação metafísica. Em sintonia com as linhas orientadoras que são proporcionadas pela delimitação do conhecimento à luz do «juízo sintético a priori», a tradição do Positivismo Lógico procurou assim transformar a filosofia num conhecimento exato (Cf., CARNAP/HAHN/NEURATH, 1929, pp. 101-110), cuja função consiste fundamentalmente em alargar os horizontes do conhecimento científico através da construção de uma análise lógica dos processos empíricos pelos quais se desenvolve a sua investigação, uma vez que:

«O objetivo a ter em mente é o de uma ciência unificada. Um esforço que consiste em construir uma ligação harmónica entre os vários feitos alcançados por investigadores individuais em diversos ramos científicos. Partindo deste objetivo comum segue-se a ênfase sobre os esforços coletivos, e também a ênfase sobre o que pode alcançar-se

intersubjectivamente; da qual se impulsiona a pesquisa por um sistema neutro de fórmulas,

por um simbolismo livre dos preconceitos das linguagens históricas; e também pela pesquisa de um sistema de conceitos universal. São almejadas a precisão e a transparência, rejeitando quaisquer distâncias obscuras ou profundezas indecifráveis. (Cit., CARNAP/HAHN/NEURATH, Op. Cit., p. 104)»12

Na raiz do Positivismo Lógico, delimita-se assim uma orientação epistemológica que se encontra por sua vez direcionada para a análise e compreensão dos problemas que são levantados pelas novas metodologias em uso pelos diversos ramos do conhecimento científico, os quais serão por sua vez validados de acordo com os pressupostos da lógica formal. No entanto, esta orientação epistemológica, quando definida nestes termos, não se mostra ainda suficiente para garantir a autonomia da filosofia dentro do contexto académico da modernidade tardia. A filosofia, quando

12 “The goal ahead is unified science. The endeavor is to link and harmonize the achievements of

individual investigators in their various fields of science. From this aim follows the emphasis on

collective efforts and also the emphasis on what can be grasped intersubjectively; from this springs the

search for a neutral system of formulae, for a symbolism freed from the slag of historical languages; and also the search for a total system of concepts. Neatness and clarity are striven for, and dark distances and unfathomable depths rejected.” (Tradução da nossa responsabilidade).

assim delimitada pelo Positivismo Lógico, apresenta-se como um saber instrumental,

i.e., como uma técnica de validação dos procedimentos que levam à construção do

conhecimento científico. Porém, para poder estabelecer-se como uma ciência empírica, à filosofia faltava ainda um objeto de estudo concreto, mas também capaz de garantir, simultaneamente, a sua autonomia académica e a sua pertinência epistemológica.

A escolha da linguagem como objeto de estudo da nova filosofia que é proposta pelo Positivismo Lógico segue por isso esta orientação. Esta escolha assenta as suas raízes sob o pressuposto de que só a linguagem se constitui como um objeto de investigação devidamente delimitado, que consegue fornecer à Filosofia a autonomia disciplinar desejada e que, do mesmo modo, lhe abre a possibilidade de construir uma investigação universal acerca do saber. Uma vez que todos os âmbitos do conhecimento humano, de uma ou de outra forma, fazem recurso da linguagem para se poderem constituir como um saber, de acordo com a escola positivista, por meio de uma análise lógica da estrutura da linguagem, tornar-se-ia possível à Filosofia constituir-se como uma ciência empírica concreta, ao mesmo tempo que poderia continuar a desenvolver uma «conceção científica do mundo», transversal a todos os domínios do conhecimento humano (Cf., RORTY, 1967, pp. 1-39).

O «Círculo de Viena», composto por pensadores como Moritz Schlick, Rudolph Carnap, ou Gustav Bergmann, foi o principal promotor deste movimento, sobre o qual teve também especial influência o pensamento de Gottlob Frege, Bertrand Russell e, sobretudo, Ludwig Wittgenstein, cujo Tratado Lógico-Filosófico, é ainda hoje considerado como um dos mais influentes textos desta tradição. Segundo a leitura que Richard Rorty desenvolve em torno da história desta tendência da Filosofia Contemporânea, uma vez tomada a linguagem como tema central da reflexão filosófica, a problemática nuclear com a qual o Positivismo Lógico se vem confrontar na sua tentativa de transformar a filosofia numa ciência empírica, passa sobretudo pela superação do problema da autorreferência implícita à investigação do seu objeto, i.e., do problema da «metalinguagem».

Na medida em que se pretende determinar a linguagem como uma figuração lógica do universo no qual o ser humano se encontra inserido e sobre o qual é capaz de pensar, qualquer tentativa de explicação da ligação que se estabelece entre o mundo e o pensamento através da linguagem — pela qual se expressa esse pensamento —, tem de fazer recurso a uma outra linguagem que se mostre capaz de demonstrar a correlação lógica entre esses três domínios que se interpenetram na construção do conhecimento. No sentido de conseguir explicar de que modo é possível à linguagem constituir-se

como uma representação dos «factos» que se manifestam no universo, torna-se necessário recorrer a uma outra linguagem que explique a forma como se processa essa representação no pensamento, mas que não necessite ela própria de ser explicada por uma terceira, de forma a evitar uma redução ao infinito na fundamentação da prática filosófica proposta pelo Positivismo. Na leitura de Rorty, apenas mediante a superação deste problema será possível ao Positivismo Lógico demonstrar que os próprios processos de construção do conhecimento podem ser compreendidos através de uma análise lógica da estrutura da linguagem pela qual são elaborados, sem fazer recurso dos tradicionais postulados metafísicos da filosofia (Cf., RORTY, 1991, pp. 85-87).

De acordo com Rorty, o problema da «metalinguagem» é por essa razão estruturalmente semelhante com aquele com o qual Kant já se tinha deparado ao longo da sua Critica da Razão Pura, uma vez que o último se viu na necessidade introduzir o domínio do «transcendental» como «condição de possibilidade» do conhecimento (Cf., RORTY, 1991, pp. 85-87). Do mesmo modo, Bertrand Russell viu-se também na necessidade de introduzir a «intuição intelectual» como o âmbito transcendente que fornece a justificação para os seus «objetos lógicos» — como modo de evitar uma possível autorreferência no processo de justificação da verdade inerente aos princípios da lógica formal que procurou fundamentar. No entanto, os conceitos que são assim fornecidos, e que pretendem prover o conhecimento empírico de uma fundamentação a

priori, não deixam de levantar as questões de caráter metafísico que o Positivismo

Lógico procura eliminar. Pois, e uma vez que a demonstração formal do conhecimento construído empiricamente se encontra dependente de um fundamento a priori que o transcende, essa mesma fundamentação não pode, por definição, ser comprovada sem recurso a um outro âmbito de explicação que, do mesmo modo, a justifique transcendendo-a, o que por sua vez implicaria seguir o caminho metafísico de demonstração da verdade desse mesmo fundamento que se procura justificar. Nas palavras de Rorty:

«Russell tentou resolver este problema através de uma reinvenção das ideias platónicas. Postulou um mundo de objetos lógicos extramundanos e uma faculdade de intuição intelectual com a qual poderiam ser apreendidos. No entanto Wittgenstein verificou que esta tese ia ao encontro com uma nova versão do «problema do terceiro homem» que Platão havia já colocado em Parmenides [o problema das entidades criadas para explicar o conhecimento] (…) Supunha-se que os objetos lógicos de Russell, as categorias kantianas e as ideias platónicas constituíam um outro conjunto de objetos — descritivos dos objetos empíricos, das intuições kantianas ou dos particulares materiais platónico-cognoscíveis. Em

qualquer caso, afirma-se que este tipo de objetos têm de relacionar-se com os primeiros antes que estes se encontrem disponíveis, antes que possam ser experimentados ou descritos. (Cit., RORTY, 1991, p. 83)»13

Fiel à motivação inicial do Positivismo Lógico, com o Tratado Lógico-Filosófico, Ludwig Wittgenstein apresenta uma tentativa de fundamentação das bases conceptuais necessárias para a construção de um novo modo de filosofar desprovido de todas as suas tendências metafísicas. Na tentativa de superar o problema da autorreferência da linguagem com que se deparou o Positivismo Lógico — que, tal como já foi referido, se manifesta sobretudo através da proposta de Bertrand Russell —, Wittgenstein procura demonstrar a possibilidade de reduzir os problemas da filosofia aos problemas de construção da linguagem pela qual são formulados. Para tal, Wittgenstein tem por isso de demonstrar que as leis lógicas que estabelecem o correlato empírico entre a «linguagem» — enquanto totalidade das «proposições» — e o «mundo» — como totalidade dos «factos» que são «figurados» por essas mesmas «proposições» — são em si mesmas suficientes, uma vez que se constituem como verdades apodíticas que não necessitam de qualquer outro tipo de justificação que não parta delas próprias, i.e., que não se encontre para além da sua demonstração empírica. Nas palavras do próprio Wittgenstein: «5.6 Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. (Cit., WITTGENSTEIN, 1922, p. 114)».

Ao correlacionar «mundo» e «linguagem» por meio de uma análise da estrutura formal simbólica da última — a qual, por seu turno, obedece às leis da lógica formal —, o Tratado Lógico-Filosófico procura sobretudo demonstrar que a «linguagem» é uma «figuração lógica do mundo», i.e., uma representação figurativa da realidade, desprovida de qualquer tipo de fundamentação cuja verdade se encontre dependente de uma entidade que a transcenda (Cf., KENNY, 1973, pp. 44-57). Nas palavras de Wittgenstein: «4.01 A proposição é uma imagem da realidade. A proposição é um modelo da realidade tal como nós a pensamos. (Cit., WITTGENSTEIN, Op. Cit., p. 52)»14 Ou ainda, tal como sublinha Bertrand Russell a este respeito:

13 “Russell avait tenté de résoudre ce problème en réinventant les formes platoniciennes. Il avait postulé

un domaine d’objects logiques extramondains et une faculté d’intuition intellectuelle destinée à les saisir. Mais Wittgenstein comprit que cela débouchait sur une nouvelle version du «problème du troisième homme», posé par Platon dans le Parménide (…) Les objects logiques de Russell, les catégories de Kant et les formes de Platon avaient également pour fonction de rendre connaissable ou descriptible un autre ensemble d’objects — les objects empiriques, les intuitions kantiennes ou les particules matérielles platoniciennes. Dans chaque cas, on laissait entendre que ces dernières objects exigeaient d’être mis en relation avec les premiers avant d’être à notre portée, c’est-à-dire avant qu’ils ne pussent faire l’object d’une expérience ou être decris.” (Tradução e parêntesis retos da nossa responsabilidade).

«Aquilo que tem que haver de comum entre a frase e o facto não pode, argumenta o sr. Wittgenstein, por sua vez ser dito. Na sua terminologia, só pode ser mostrado e não dito, porque tudo o que possamos dizer necessitará também por sua vez de ter a mesma estrutura. (Cit., RUSSEL, 1922, p. 3.)»

De acordo com o pensamento de Ludwig Wittgenstein, o correlato existente entre a «linguagem» e o «mundo» encontra-se assim manifesto nas «proposições» que podem ser construídas acerca do mesmo. O «mundo», de acordo com a perspetiva do autor, é composto por «factos» cujas relações apenas podem ser representadas pelas «proposições» que acerca dele são construídas. Uma «proposição elementar» representa por essa razão um «estado de coisas», i.e., uma figura daquilo que na realidade é dado; uma relação que se estabelece entre os «factos», cujo sentido advém da possibilidade do seu relacionamento, e cuja verdade ou falsidade pode ser empiricamente comprovada. Neste sentido, qualquer «proposição elementar», enquanto representação de um «estado de coisas», pode ser considerada como uma «figuração lógica» do «mundo», desde que manifeste um «facto» possível de comprovar empiricamente, uma vez que:

«Qualquer representação pode ser uma representação precisa ou imprecisa: pode fornecer uma figuração verdadeira ou falsa daquilo que pretende representar. Foi esta constatação que levou Wittgenstein a desenvolver uma investigação que tem por intuito a clarificação da natureza das proposições através de uma teoria da representação. Em qualquer representação existem sempre duas coisas que devem ser consideradas: a) o que é que a representação pretende representar b) se aquilo que pretende representar é representado de forma precisa ou imprecisa. A distinção entre estas duas características da representação corresponde-se, no que diz respeito a uma proposição, com a distinção entre aquilo que a proposição quer dizer, e se aquilo que ela quer dizer é verdadeiro ou falso — entre sentido e valor de verdade. (Cit., KENNY, Op. Cit., p. 44)»15

Para além das «proposições elementares», Wittgenstein admite também a existência de «proposições lógicas» na linguagem que, embora sejam desprovidas de sentido — uma vez que o seu valor de verdade não depende diretamente da experiência

15 “Any representation can be an accurate or inaccurate representation: it can give a true or false picture

of what it represents. It is this fact which led Wittgenstein to seek to clarify the nature of the proposition by means of a general theory of representation. In any representation there are two things to consider: (a) what it is a representation of ; (b) whether it represents what it represents accurately or inaccurately. The distinction between these two features of a representation corresponds to the distinction, concerning a proposition, between what the proposition means and whether what it means is true or false – between sense and truth-value.” (Tradução da nossa responsabilidade).

— têm de ser necessariamente verdadeiras ou falsas. As «proposições lógicas», embora se refiram ao «mundo», não apresentam uma «figuração» dos «estados de coisas» que nele são dados. As «proposições lógicas», ao contrário das «proposições elementares», tal como refere Wittgenstein em 6.121: «demonstram as propriedades lógicas das proposições ligando-as em proposições que nada dizem (…) o [seu] estado de equilíbrio mostra como estas proposições têm que ser constituídas logicamente. (Cit., WITTGENSTEIN, Op. Cit., p. 123)».16 Este é o caso das «tautologias» que, segundo

Wittgenstein, se definem como «proposições» capazes de apresentar todas as possibilidades relativas a um determinado «facto», mas que são em si mesmas desprovidas de sentido. Pois enquanto o valor de verdade das «proposições elementares» se determina empiricamente, com as «proposições lógicas», embora se faça também uma referência ao «mundo», o seu valor de verdade não é dele dependente uma vez que é determinado pela própria «proposição», i.e., pela forma lógica que este tipo de proposição vem representar. São, nesse sentido, proposições analíticas, uma vez que não se mostram como uma figuração da relação que se estabelece entre os «factos». Antes refletem a priori todas as possibilidades relativas a um determinado «facto», apresentando do mesmo modo a sua verdade — no caso das tautologias — ou falsidade — no caso das contradições. Tal como refere Ludwig Wittgenstein:

«6.124 As proposições da Lógica descrevem as traves-mestras do mundo, ou melhor ainda, representam-nas. Não «tratam» de nada. Pressupõem que os nomes têm uma denotação e as proposições elementares um sentido — e é esta a sua ligação com o mundo. Que certas ligações de símbolos — que essencialmente têm um certo carácter — são tautologias tem que revelar, claro, alguma coisa acerca do mundo. Eis o decisivo. Dissemos que, nos símbolos que usamos, algumas coisas são arbitrárias, outras não são. Na Lógica só exprimem estas: mas isto não significa que na Lógica nós não exprimimos o que queremos por meio de símbolos, mas antes que na Lógica a natureza dos símbolos necessários e naturais fala por si: se conhecemos a sintaxe lógica de uma linguagem simbólica então já temos todas as proposições da Lógica. (Cit., WITTGENSTEIN, Op. Cit., p. 125)»

Com a sua proposta de figuração do «mundo» por meio das «proposições» que podem ser feitas acerca dele, Wittgenstein — ainda em sintonia com os intuitos primordiais da filosofia kantiana — procura definir quais os limites do conhecimento filosófico. O «mundo», assim como tudo aquilo que pode ser pensado acerca dele, está delimitado pela linguagem que o representa simbolicamente através de «proposições».

Uma vez que a filosofia desenvolve a sua reflexão acerca de problemas que se dão nesse «mundo» do qual a «linguagem» se pretende «figura», para Wittgenstein, esses problemas podem por essa mesma razão ser resolvidos através de uma análise lógica das «proposições» pelas quais são formulados. No entanto, com o Tratado Lógico-

Filosófico, Wittgenstein vem comprovar que os problemas sobre os quais

tradicionalmente recai o pensamento filosófico — sejam estes de caráter metafísico, ético, ou estético — não possuem um correlato empírico comprovável, do mesmo modo que não refletem a forma lógica de um «facto». Por outras palavras, poder-se-á dizer que os problemas tradicionais da filosofia (e.g., imortalidade da alma, o telos («τέλος») da vida humana, a arte, etc.) não podem ser constituídos como um «facto» do qual a «linguagem» é «figura», uma vez que as «proposições» pelas quais são formulados não podem confirmar-se empiricamente como verdadeiras ou falsas, ou como logicamente possíveis ou impossíveis. Wittgenstein considera, por essa razão, que os problemas tradicionais da filosofia — que acaba por denominar como «místicos» (Cf., WITTGENSTEIN, Op. Cit., pp. 138-142) — se constituem antes como «pseudo- problemas», pois, embora sejam problemas que podem ser mostrados, qualquer análise lógica que seja feita em torno da linguagem pela qual são formulados irá apenas constatar a sua falta de sentido. O vínculo que se estabelece entre a «linguagem», pela qual são construídos, e o «mundo», que essa mesma «linguagem» delimita e do qual se pretende «figura», não pode ser comprovado empiricamente, do mesmo modo que não possui uma forma lógica expressa, o que implica a impossibilidade de demonstrar a veracidade ou falsidade das suas «proposições».

Como consequência, esta impossibilidade de analisar estruturalmente os problemas tradicionais que são investigados nestes âmbitos da reflexão filosófica leva Wittgenstein a defender uma “limpeza” da filosofia deste tipo de questões. “Limpeza” que tem por finalidade a transformação da filosofia de um conhecimento especulativo para um conhecimento analítico, cuja função consiste imperiosamente em clarificar os problemas e incongruências inerentes à estrutura lógica da «linguagem», descartando qualquer reflexão acerca de questões que não possuam uma correlação figurável com o «mundo». Tal como sublinha Wittgenstein:

«6.53 O método correcto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, i.e., as proposições das ciências naturais — e portanto sem nada que ver com a Filosofia — e depois, quando alguém quisesse dizer algo de metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foi dada uma denotação. A esta pessoa o método pareceria ser frustrante — uma vez que não sentiria que lhe estávamos a ensinar Filosofia

— mas este seria o único método estritamente correcto. (Cit., WITTGENSTEIN, Op. Cit., p. 142.)»

O intuito wittgensteiniano aqui manifesto marcou com os seus pressupostos toda uma escola de pensamento que, no contexto académico da filosofia contemporânea, se veio transformar naquela que hoje se denomina como a corrente analítica da filosofia. Para além disso, o contributo de Wittgenstein que é avançado com o Tratado Lógico-

Filosófico e, postumamente, também com as suas Investigações Filosóficas (1971),

demonstrou-se como um dos principais impulsionadores daquele que Gustav Bergmann denominou como o Linguistic Turn da Filosofia.17 Pois, mais que uma tentativa de

transformar a Filosofia numa ciência empírica desprovida das suas orientações metafísicas tradicionais, a proposta de Wittgenstein trouxe consigo uma tendência que, a par do Estruturalismo iniciado pelo trabalho de Ferdinand Saussure e a par da escola hermenêutica germânica, levou o pensamento filosófico de encontro com as questões levantadas pela correlação que se estabelece entre a linguagem, o pensamento, e o mundo (Cf., SURKIS, 2012, pp. 700-722).

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