Prolegómenos de uma Questão Necessária

Ao longo da primeira parte desta investigação, foi por diversas vezes destacado que, desde a segunda metade do séc. XIX, os desenvolvimentos modernos da técnica — nomeadamente no que diz respeito à objetividade e eficiência dos resultados que através do seu uso podem ser obtidos —, exerceram uma forte influência sobre todos os âmbitos da investigação académica, assim como no contexto sócio-cultural em geral. Porém, conceber esta influência como a raiz da necessidade que se verificou de construir uma reflexão crítica, que se desenvolve em torno dos principais desenvolvimentos proporcionados pela técnica moderna não se mostra, por si só, como uma fundamentação suficientemente sólida para justificar a emergência do posicionamento crítico, «meta-hermenêutico», que predomina na Filosofia da Técnica das Humanidades. Não obstante os pressupostos mais nefastos que são inerentes a alguns dos exemplos que foram utilizados ao longo dos capítulos antecedentes, a influência que os desenvolvimentos modernos da técnica vieram exercer sobre os mais diversos domínios sobre os quais se desenrola a existência humana é, na grande maioria dos casos, favorável para a humanidade. Por via do desenvolvimento dos diversos dispositivos e aplicações da técnica moderna, são garantidas as condições necessárias para um contexto existencial substancialmente mais afável do que aquele que era proporcionado no contexto histórico que foi marcado pelo uso da técnica pré-moderna. Embora possam ser enumerados alguns exemplos de dispositivos ou aplicações da técnica moderna capazes de pôr em causa a humanidade como um todo, a grande maioria dos restantes exemplos vêm, contudo, potenciar melhorias para o contexto existencial do ser humano, tal como até então nunca se tinham verificado.

É precisamente neste ponto onde se encontra a razão que levou vários dos pensadores inseridos no contexto da Filosofia da Técnica dos Engenheiros a compreender a Filosofia da Técnica das Humanidades como uma atitude romântica e, sobretudo, tendenciosamente pessimista, face às questões filosóficas que podem levantar-se acerca da técnica. Pois se as posições mais críticas face ao desenvolvimento técnico da modernidade assentam as suas propostas sobre uma fundamentação conceptual unívoca — que advém somente dos impactos negativos causados por alguns dos dispositivos e/ou possíveis implementações da técnica moderna —, na análise dos investigadores da Filosofia da Técnica dos Engenheiros, estas são propostas que se encontram a defender uma compreensão limitada, mas sobretudo unilateral acerca do

tema, uma vez que colocam fora do seu âmbito de interpretação todo o restante potencial que lhe é inerente.

Porém, e tal como se pode compreender da leitura das propostas avançadas pelos autores da Filosofia da Técnica das Humanidades que foram referidos ao longo da primeira parte do texto, este contexto de investigação não procura de forma alguma enraizar os seus fundamentos sobre uma conceção tendenciosa da técnica que desemboque numa posição vincadamente antitecnológica. Na crítica que em cada uma das propostas da Filosofia da Técnica das Humanidades se pode construir, não deixa de se manifestar uma interpretação objetiva e abrangente do fenómeno da técnica, onde se destaca a sua importância para o desenvolvimento do contexto social e intelectual da modernidade. Demonstra-se com eles uma conceção da técnica moderna que, embora adote um tom mais crítico perante as implicações históricas, antropológicas, sociais e éticas, dos seus desenvolvimentos na modernidade, continua a compreender a suma importância deste fenómeno, tanto na sua dimensão formal como prática, destacando-o sempre como a característica mais fundamental do período moderno, e sobre a qual se deverá debruçar atentamente toda reflexão filosófica contemporânea. A crítica que assim trespassa o contexto de investigação da Filosofia da Técnica das Humanidades, mais do que um posicionamento romântico e antitecnológico da filosofia, mostra-se como uma tendência do pensamento filosófico que procura destacar quais as linhas pelas quais se pode harmonizar a relação existente entre a técnica e a humanidade no contexto da modernidade tardia.

Posto isto, e no sentido de responder à questão que se levanta acerca dos fundamentos que levaram à necessidade de construir uma crítica «meta-hermenêutica» da técnica moderna, esta investigação terá por isso que ir para além do tema em si mesmo, tentando compreender quais os elementos culturais e antropológicos que na modernidade levaram a filosofia ao encontro da necessidade de colocar a questão acerca da técnica sob o enquadramento «meta-hermenêutico» pelo qual se desenvolve. Procurar-se-á por isso compreender quais as condições que levaram ao nascimento deste tipo de questionamento, dando-se um especial destaque à forma como se veio perceber o problema da técnica a partir da constatação da influência que esta tem vindo a exercer sobre o ser humano, nomeadamente a partir da determinação instrumental que tem vindo a fazer da sua existência.

Para poder ir ao encontro destes pressupostos, a questão que move esta investigação terá por isso que dar um passo atrás. Pois se se pretende compreender qual a fundamentação conceptual da crítica «meta-hermenêutica» da técnica moderna —

enquanto característica principal da investigação feita em Filosofia da Técnica das Humanidades —, torna-se antes de mais necessário refletir acerca das origens da própria crítica filosófica da modernidade que a determina de antemão. Sendo por isso fundamental compreender quais as razões que pela primeira vez levaram a filosofia a colocar em questão a relação que ela própria estabelece com a época na qual se desenvolve. De perceber quais são os elementos históricos que se mostram capazes de determinar o pensamento, e em que sentidos são eles capazes de exercer uma tal determinação.

4.2. Oswald Spengler e a Desilusão pela Técnica como Raiz do Declínio do