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A OUTRA FACE DO RECONHECIMENTO: violação, privação de direitos

3 SER DOCENTE: quando um só não dá conta de me fazer acreditar que

3.3 A OUTRA FACE DO RECONHECIMENTO: violação, privação de direitos

Segundo Rosenfield e Saavedra (2013), para tornar a sua teoria admissível, Honneth buscou encontrar na história social traços de uma tipologia tripartite negativa da estrutura das relações de reconhecimento. Para tanto, deve cumprir duas tarefas: (1) para cada esfera de

relação de reconhecimento deve surgir um equivalente negativo, com o qual a experiência de desrespeito possa ser esclarecida, seguindo a estrutura da forma de reconhecimento correspondente; (2) a experiência de desrespeito deve ser ancorada de tal forma em aspectos afetivos do ser humano que a sua capacidade motivacional de desencadeamento de uma luta por reconhecimento venha à tona.

A primeira esfera de reconhecimento, o amor, corresponde às formas de desrespeito definidas por Honneth como maus tratos e violação. Nesta forma de desrespeito o componente da personalidade atacado é aquele da integridade psíquica, ou seja, não é diretamente a integridade física que é violentada, mas sim o autorrespeito que cada pessoa possui de seu corpo e que, segundo Winnicott, é adquirido por meio do processo intersubjetivo de socialização originado através da dedicação afetiva (HONNETH, 2003, p. 214).

A forma de reconhecimento do direito corresponde à forma de desrespeito intitulada privação de direitos. Nesta esfera do reconhecimento, o componente da personalidade que é ameaçado é aquele da integridade social. Também aqui o desrespeito se refere a um tipo específico de autorrelação: o autorrespeito. Central para a análise das formas de desrespeito feita por Honneth é o fato de que todo o tipo de privação violenta da autonomia deve ser visto como vinculado a uma espécie de sentimento. O sentimento de injustiça ocupa um papel importante na análise que Honneth faz do direito (HONNETH, 2003, p. 219). Porém, apesar de Honneth ressaltar em um primeiro momento o papel do sentimento de injustiça, logo em seguida a sua análise passa a considerar um tipo de respeito cognitivo da capacidade de responsabilidade moral, que um ator social vivencia numa situação de desrespeito jurídico. Portanto, o que significa ser uma capacidade para responsabilidade moral de uma pessoa deve ser medido no grau de universalização e também no grau de materialização do direito (HONNETH, 2003, p. 219).

A forma de reconhecimento da solidariedade corresponde à forma de desrespeito da degradação moral e da injúria. Honneth entende que a dimensão da personalidade ameaçada é aquela da dignidade. A experiência de desrespeito deve ser encontrada na degradação da autoestima, ou seja, a pessoa aqui é privada da possibilidade de desenvolver uma estima positiva de si mesma (SOBOTTKA; SAAVEDRA, 2008).

Para melhor elucidar as formas de desrespeito, Honneth adota o conceito psicanalítico de patologia, em que todas essas formas de desrespeito são, portanto, uma forma de patologia. Assim, uma teoria do reconhecimento deveria ser capaz de indicar a classe de sintomas que os

atores sociais atingidos pela forma de desrespeito em seu estado patológico deixam transparecer. Os sinais corporais do sofrimento psíquico devem ser vistos, portanto, como expressões exteriores, ou melhor, como reações externas de sentimentos patológicos interiores ou psíquicos. Dessa forma, somente as experiências de injustiça que acarretam fenômenos patológicos devem ser consideradas fenômenos de desrespeito (SOBOTTKA; SAAVEDRA, 2008).

Com ajuda dos estudos desenvolvidos por Dewey, Honneth procura mostrar que uma experiência social de desrespeito atua como uma forma de freio social que pode levar à paralisia do indivíduo ou de um grupo social. Por outro lado, ela mostra o quanto o ator social é dependente do reconhecimento social. Honneth sustenta que o indivíduo está sempre vinculado em uma complexa rede de relações intersubjetivas e que, consequentemente, ele é dependente estruturalmente do reconhecimento dos outros indivíduos. A experiência do desrespeito, então, deve ser tal que forneça a base motivacional da luta por reconhecimento, porque essa tensão afetiva só pode ser superada quando o ator social estiver em condições de voltar a ter uma participação ativa e sadia na sociedade. É exatamente porque os seres humanos nunca reagem de forma neutra a esse tipo de enfermidade social que o sentimento de injustiça acaba sendo o estopim da luta por reconhecimento.

Honneth (2003) sustenta que, ao contrário dos modelos atomísticos, utilitaristas ou intencionistas de explicação dos movimentos sociais, o surgimento de um movimento social deve ser explicado a partir da existência de uma semântica coletiva que permita a interpretação das experiências individuais de injustiça, de forma que não se trate mais aqui de uma experiência isolada de um indivíduo, mas sim de um círculo intersubjetivo de sujeitos que sofrem da mesma patologia social. Aqui, Honneth está fazendo jus à crítica hegeliana do atomismo à medida que ele retira do indivíduo a capacidade de explicar os problemas sociais. O indivíduo só pode ser considerado como tal se é considerada a existência anterior de uma sociedade que lhe dá sentido.

Portanto, quanto mais forte for a influência da luta por reconhecimento de um determinado grupo, ou quanto maior for o número de exigências sociais em função de uma mudança específica, mais haverá de surgir, por consequência, uma espécie de horizonte de interpretação subcultural que explicará a relação motivacional entre sentimento individual de injustiça e luta coletiva por reconhecimento. Na inserção em um grupo social que busca um determinado tipo de reconhecimento, os atores sociais experimentam, concomitantemente, um tipo de reconhecimento antecipado de uma sociedade futura em que a sua reivindicação social

será reconhecida socialmente e, dessa forma, o indivíduo tem de volta um pouco do reconhecimento perdido.

Em resumo, o reconhecimento é entendido, por Honneth, como uma construção intersubjetiva, dialógica e histórica, por meio da qual os sujeitos buscam a sua realização em três domínios essenciais: o afeto/amor, os direitos e a estima social, dos quais advém, respectivamente, a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima. Na contramão dos pensamentos, Honneth deposita especial atenção aos conflitos nas interações sociais, sobretudo àqueles que se efetivam como força moral, promovendo a busca de reconhecimento por meio da luta política.

A partir disso, podemos dizer que é possível encontrar as três esferas propostas por Honneth em cada um dos quadrantes, o que ressoa a ideia de que o reconhecimento proposto pelo autor e a forma como ele é posto favorece o sujeito e suas buscas. A ênfase nas relações dada por Honneth pode ser ampliada para cada um dos quadrantes, nos quais teremos os pontos convergentes e divergentes, porém que irão proporcionar um olhar ampliado.

Se tomarmos o quadrante inferior esquerdo, que fala da cultura e das relações, usarmos as esferas e fizermos um detalhamento, encontramos que o amor, ligado às relações primárias, vai influenciar no modo como cada sujeito se reconhece, a partir das relações básicas estabelecidas, com isso há todo uma reverberação nas demais relações. Para tanto, não estamos estabelecendo uma condição sine qua non entre as relações, ou seja, bom estabelecimento de relações básicas não determina boas relações no campo maior, interpessoais, não garante que os sujeitos se sintam adaptados, adequados ou integrados aos modelos culturais dispostos na sociedade. Trata-se dos grupos e de como este marca o reconhecimento, através da aceitação ou recusa do sujeito, através dos muitos conflitos acontecidos no âmbito grupal, onde essa dimensão moral dos conflitos confere visibilidade e consideração à rede cotidiana das relações, estabelecendo uma continuidade entre interações, social e historicamente construídas, e as vivências cognitivas e afetivas pessoais, especialmente quando, e sempre que, ocorrem experiências de desrespeito, mobilizando sentimento de injustiça.

A formação da identidade pessoal retém e reconstrói, portanto, padrões sociais de reconhecimento, sob os quais um sujeito pode-se saber, ou querer ser, respeitado em seu entorno sociocultural, e, “[...] se essas expectativas normativas são desapontadas pela sociedade, isso desencadeia exatamente o tipo de experiência moral que se expressa no sentimento de desrespeito” (HONNETH, 2003, p. 258).

O amor, afeto, é responsável pela autonomia nas relações sociais e impacta na autoconfiança por mobilizar a dependência. Se o sujeito tem essas dificuldades, como ele pode circular pelos elementos AQAL, de maneira positiva, de integração consigo? Assim, com essa possível ruptura, os demais quadrantes sofrerão uma visão referenciada a partir dessa construção inicial.

Um sujeito sem autonomia é geralmente visto como dependente, fraco, incapaz, dentro dos julgamentos do grupo que vai se inserindo.

Não obstante, foi possível perceber que, neste encontro, ao tratarmos das esferas, como o reconhecimento afeta inclusive sua caminhada, as relações pessoais, profissionais, no e com o meio que vivem, um modo de não enfrentamento dos seus direitos, uma apatia ou sensação de fracasso. Os participantes pareciam muito tristonhos quando ouviram sobre quão enrolados estamos nessa rede, e o pior era ver que muitos tinham o desejo de mudar, de fazer algo verdadeiro por si. Era como se um grito ecoasse na sala: me ajuda a me salvar, mesmo que muitos não tivessem a consciência do pedido. (DIÁRIO DE BORDO DA AUTORA)

A esfera do direito envolve a questão da dignidade e se relaciona com o autorrespeito na medida em que diz respeito à participação das pessoas na esfera pública, ao seu reconhecimento (ou não) como dignas das mesmas prerrogativas e consideração que as demais; como encarar essa esfera no quadrante do nós?

Uma vez respeitadas como sujeito de direito, as pessoas tendem a buscar condições para desenvolver sua autonomia, de modo a decidir racionalmente sobre questões morais, partindo da ideia do direito, na qual a expectativa é respeitar o outro, viabilizar sua autonomia, propiciando empoderamento e reconhecimento dos direitos e deveres, que terão um peso grande nas mais diversas relações.

Segundo Wernet, Mello e Ayres (2017), a estima social remete aos valores e à sua consideração na apreciação das contribuições sociais, movimentando a questão da autoestima e do entendimento de possuir capacidades valorizadas positivamente pelos membros da comunidade. Em sua expressão positiva, a estima social ultrapassa a esfera dos direitos, determinando-a, avalizando, por assim dizer, a proposição/aceitação pública de novos padrões de normatividade moral e social, na qual se legitima a própria.

Essa é uma pequena aproximação das milhares de tessituras que podemos elencar entre Honneth e Wilber. Cada um na sua perspectiva, porém colaborando para que ampliação da consciência, empoderamento do sujeito, para que ele possa tornar-se hólon, respeitando a si e outro, desenvolvendo a autonomia, autoeficácia, autocontrole, a liberdade.