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3 SER DOCENTE: quando um só não dá conta de me fazer acreditar que

3.1 KEN WILBER E SUA PERSPECTIVA INTEGRAL: um debruçar-se sobre

3.1.5 Quadrantes

Figura 11 – Quadrantes

Fonte: Blog Aqal, 2014

A teoria AQAL propõe quatro quadrantes, cada um dele inclui progressão, desenvolvimento, crescimento e evolução (WILBER, 2007a). Esta é a parte AQ do AQAL (todos os quadrantes). Wilber usou o quadrante como conceito organizacional e integrador de sua teoria. Quadrante é outra palavra para dimensão ou perspectiva.

Figura 12 – Os Quatro Quadrantes

Fonte: politicamenteintegral.wordpress.com, 2016

Partimos da figura acima dos quatro quadrantes — dois superiores (EU e ISTO) e dois inferiores (NÓS e ISTOS), dois representando aspectos exteriores (à direita – ISTO/ELE e ISTOS/ELES) e dois interiores (à esquerda – EU e NÓS).

Esses quadrantes representam quatro perspectivas /olhares fundamentais presentes em qualquer situação. Segundo Wilber (2007a, p. 87),

O assunto é que cada ser humano tem um aspecto subjetivo (sinceridade, honestidade), um aspecto objetivo (verdade, correspondência), um aspecto intersubjetivo (significado culturalmente construído, imparcialidade, correção) e um aspecto interobjetivo (encaixe funcional e de sistemas), e nossas diferentes asserções de conhecimento estão fundamentadas nessas esferas reais. E, assim, sempre que tentamos negar quaisquer dessas insistentes esferas, simplesmente terminamos, mais cedo ou mais tarde, por infiltrá-las na nossa filosofia, de um modo oculto e não reconhecido [...].

Didaticamente, podem-se representar estes aspectos citados por Wilber (2007a) por meio dos quadrantes, cuja distribuição apresenta as dimensões sintéticas que consistem em o sujeito.

O QUADRANTE SUPERIOR ESQUERDO (QSE) cobre os aspectos interiores individuais da consciência humana, como estudado pela parapsicologia, psicologia do desenvolvimento, tanto na sua forma convencional quanto contemplativa. O QSE é a perspectiva do “eu” ou a subjetividade, a respeito do que encontramos os estudos da consciência humana de Buda a Freud. Esse quadrante pode ser apenas alcançado por meio do diálogo ou da introspecção, não estando disponível diretamente aos sentidos.

Segundo Lima (2014), está relacionado a aspectos individuais interiores, consciência, realidades subjetivas que existem dentro de cada situação específica, o espaço “Eu”. Esse quadrante se refere à ideia, pensamentos, opiniões que temos sobre cada fenômeno, seu

significado, seus símbolos e imagens. Representa as motivações, visões, valores, visão de mundo e filosofia de vida. É o invisível para os outros.

Essa dimensão é aquela em que o sujeito vivencia a experiência dentro de si mesmo, na dimensão do Eu, que é a dimensão espiritual e estética; e essa garante o crescimento individual por meio das múltiplas fases de desenvolvimento, que vão do pré-pessoal ao pessoal e ao transpessoal. Esse é o campo da sensibilidade, do pensar filosófico, da espiritualidade, da introspecção psicológica, da criação artística e da percepção estética (ANDRADE, 2011).

O QUADRANTE SUPERIOR DIREITO (QSD) cobre os aspectos exteriores- individuais da consciência humana, como estudado pela neurologia e ciência cognitiva. Essa dimensão expressa as nossas experiências individuais internas, através das manifestações do nosso corpo, dos nossos sistemas fisiológicos (nervoso, circulatório, respiratório) e do nosso comportamento psicossocial. São elementos que podem ser estudados objetivamente, via os meios de mensuração. É o campo do Ele/Isto individual e comportamental.

Para Lima (2014), revela o exterior individual, o organismo, a base biológica e os comportamentos observáveis, é o olhar de fora da situação: o espaço “Isto”. Representa o corpo físico grosseiro, mas também o corpo sutil e o corpo causal. Ele reflete a forma objetiva do quadrante superior esquerdo, assim o superior esquerdo e o direito estão intimamente relacionados, o primeiro é o olhar subjetivo e o segundo o olhar objetivo do fenômeno.

Esse é o campo da fisiologia, da anatomia, da neurofisiologia, das ciências comportamentais em geral. Essa é uma dimensão até então privilegiada pelas pesquisas na área da formação dos educadores, por ser objetiva e facilitar as generalizações (ANDRADE, 2011).

O QUADRANTE INFERIOR ESQUERDO (QIE) cobre os aspectos interiores da consciência humana, como estudado pelas ciências da cultura, da antropologia, da hermenêutica e de etnometodologia. Nesse quadrante, busco o “nós”, ou a cultura, o aspecto subjetivo da coletividade. É nesse quadrante que o sujeito experiencia sua comunidade, os valores e os sentimentos de viver e conviver com o outro e com os outros, numa cultura e com valores comuns, que dirigem a sua própria vida.

Este quadrante como afirma Lima (2014) faz referência à cultura em que estamos imersos, destaca, dessa maneira, a cultura, a nossa vivência com o mundo, a consciência grupal, a percepção subjetiva coletiva — a intersubjetiva — os valores comuns, os sentimentos compartilhados, o espaço “Nós”. Os aspectos do quadrante superior esquerdo só

fazem sentido dentro de uma bagagem cultural que perpassa a situação, que influencia nossas percepções e, em algumas ocasiões, de maneira tão sutil, que não a percebemos.

É a dimensão do Nós, de nossa experiência, que se faz presente na formação e na vivência da ética e da moral. Essa dimensão está relacionada com as demais, num movimento de complementaridade. Resgatar essa dimensão na formação dos educadores é encontrar nossa própria identidade cultural (ANDRADE, 2011).

O QUADRANTE INFERIOR DIREITO (QID) cobre os aspectos exteriores coletivos da consciência humana, como estudado pela sociologia. Essa dimensão refere-se às relações sistêmicas que constituem a vida, através das relações interobjetivas; às múltiplas relações que agem e reagem entre si, constituindo sistemas de elementos e variáveis que determinam dialeticamente um modo de ser e de viver. É o campo do Ele/ Istos coletivo, que pode ser estudado, também, objetivamente, sob a ótica do funcionamento dos sistemas. Campo de interesse da sociologia, da história social, da política, das abordagens sistêmicas em geral (ANDRADE, 2011)

Refere-se à dimensão social, ao exterior coletivo, aos comportamentos externos do grupo, estruturas físicas e instituições; estruturas sociais; os comportamentos observados desde o exterior para o conjunto da humanidade, a natureza e o meio ambiente, o espaço “Istos”.

Assim, tomo um “todo/parte” ou hólon dos quadrantes para estudar a resiliência e o reconhecimento nos/dos educadores nos quatro quadrantes: a) a pessoa (a história de vida individual do educador) e os papéis que desempenha (homem, mulher, mãe, filho, educador, educadora, trabalhador, etc.), no QSE; b) o aspecto genético, parapsicológico e a estrutura hereditária, no QSD; c) a relação do educador x instituição em seus diferentes aspectos, no QIE; e, finalmente, d) as relações econômicas, políticas e sociais da formação e atuação, no QID. O quadrante representado pelo todo/parte representa-se num movimento quântico de ida e volta ao real, com considerações sempre provisórias e incertas. Uma ideia de multidimensionalidade e integralidade surge a partir da visão geral das análises e dos quadrantes, visto que tomamos o sujeito como um todo.

Essa perspectiva quádrupla, ou perspectiva integral, reduz bastante a possibilidade de enfoques reducionistas. No entanto, “há dois erros que podemos cometer em relação ao QSE. Um é torná-lo absoluto, por enfatizar que a formação pode ser reduzida ao domínio de conteúdos e das técnicas para transmiti-los; e o outro, por negá-los. A modernidade comete o primeiro; a pós-modernidade, o segundo” (WILBER, 2007a, p. 212).

Resumindo, os quadrantes representam o interior e exterior de um indivíduo isoladamente e deste nas suas experiências com o coletivo interior e exterior.

Figura 13 – Hólon dos quadrantes

Fonte: Wilber (2008), adaptado por Raynsford (2009)

Tanto Wilber (2000) como Röhr (2006) indicam que essas dimensões não constituem uma série de estágios lineares e monolíticos, que se sucedem à maneira de uma escada. Segundo Ferreira (2007), o primeiro autor indica a presença de diversas linhas ou correntes de desenvolvimento — tais como emoções, necessidades, auto identidade, moral, realizações espirituais [...] — “todas elas avançando no seu próprio compasso, à sua própria maneira, com a sua própria dinâmica” (WILBER, 2000, p. 31). Por sua vez Röhr (2006, p. 17, negrito no original) apresenta o aspecto dinâmico das dimensões através das “dimensões transversais [...] relacional-social, a prático-laboral-profissional, a político-econômica, a

comunicativa, a sexual-libidinal e de gênero, a étnica, a estético-artística, a ética, a místico-mágico-religiosa, a lúdica e a volitivo-impulsional-motivacional”.

Ainda Ferreira (2007), aponta que nessa visão o processo formativo auxilia o desdobramento das diversas dimensões, buscando favorecer ao educando uma maior compreensão do seu nível de desenvolvimento, de forma a poder encontrar caminhos que o auxiliem no fortalecimento das dimensões já presentes, na ampliação daquelas que se encontram pouco desenvolvidas e nos cuidados para solucionar algum transtorno ocorrido ao longo do desenvolvimento.

A possibilidade de achar padrões que conectam todos os elementos dispostos até aqui é uma grande conquista da abordagem integral, sendo o objetivo final de qualquer um que use essa teoria. São necessários padrões sinérgicos para resolver os problemas emergentes e complexos do mundo, incluindo a desigual distribuição de riqueza e renda, injustiças, desenvolvimento desigual, insegurança, conflito, agressão, insustentabilidade e as diversas formas de vulnerabilidade.

Cada problema possui quatro dimensões ou perspectivas (quadrantes), portanto é preciso recorrer a todos a fim de encontrar uma solução para o mesmo, respeitando a integração dos níveis. Ao pensarmos na formação docente, podemos ver, por exemplo, o problema da crescente do não reconhecimento/valorização profissional, que contém dimensões do eu interior (ética e estima) (QSE), os altos índices de adoecimento (QSD), os relacionamentos, divergências culturais (QIE), o sucateamento das instituições, salários de péssima qualidade (QID). Dentro de cada um desses quadrantes estão os níveis de desenvolvimento, incluindo estados, estágios, linhas e tipos.

Uma abordagem integral da prática move o ideal de integrar arte, moralidade e ciência (os quatro quadrantes) em concreto, ações (Wilber, 2001a, 2007b). Esta integração implica trazer todos os quatro quadrantes para cada situação de liderança, garantindo assim uma verdadeira representação das complexidades globais existentes. As pessoas precisam da ciência (ISTO e ISTOS), da arte (EU) e da moralidade (NÓS) para resolver os problemas complexos e emergentes da humanidade.

Mesmo tendo noção da imensa complexidade da abordagem, por motivos já falados incansavelmente aqui, fizemos uma escolha de usar uma lente diferente. Apoiamo-nos na filosofia e pensamento de Axel Honneth, a teoria do reconhecimento, que é a tentativa de construir uma teoria social de caráter normativo. Ele parte da proposição de que o conflito é intrínseco tanto à formação da intersubjetividade como dos próprios sujeitos. Tal conflito não é conduzido apenas pela lógica da autoconservação dos indivíduos. Trata-se, sobretudo, de uma luta moral, visto que a organização da sociedade é pautada por obrigações intersubjetivas (MARTINS, 2017).

Uma abordagem ou visão integral pressupõe que as pessoas tentam respeitar e aprender com muitas e muitas perspectivas. A intenção é ser o mais abrangente, inclusivo e atencioso possível, buscando a clareza da situação. Wilber (2007b) explicou que as pessoas que buscam uma visão integral do mundo farão a varredura automática dos quatro quadrantes, ajudando-os a mover seu pensamento para uma postura mais integral e inclusiva. Uma vez

que Honneth vai nos dizer que a luta pelo reconhecimento se dá na luta pelos conflitos, uma ideia integral faria com que os sujeitos pudessem pensar no outro, como em si mesmo, nessa troca e respeito, gerando possibilidades de autonomia, autorrespeito, liberdade e principalmente satisfação quanto às suas escolhas, caminhos, decisões.

As relações tornar-se-iam uma possibilidade de formação e constituição subjetiva de seres autônomos, pois se acredita que todo ser humano nasce com uma tendência inata ao desenvolvimento, que, para estabelecer-se, depende fundamentalmente do suporte de um ambiente provedor da satisfação de suas necessidades básicas.

Ao pensarmos nisso e juntarmos com as ideias de Wilber, os cinco elementos integrados da AQAL, onde tudo tem um significado, há lugar para tudo, não há certo e errado; podemos falar que o reconhecimento seria fruto da compreensão mais profunda de todos os quadrantes, ou melhor seria reconhecer as esferas as quais Honneth menciona em sua teoria: amor, direito e solidariedade em cada quadrante, perpassados por estados, tipos, linhas e níveis, num emaranhado teórico que nos permite olhar para o sujeito dentro de uma consciência maior consigo, com outro, com o social e com tudo que constitui e favorece sua condição de ser-no-mundo.

A provocação de Wilber conduz-nos a pensar, respeitar e tecer juntos aprendizados nos diversos âmbitos:

• o interior e o exterior;

• o indivíduo, o grupo e o sistema;

• o corpo, a mente (intelecto), o espírito e a sombra (emoções reprimidas); • as artes, as ciências e a moralidade;

• o ego (eu), o etno (nós) e o mundo (todos nós); • nós mesmos, os outros e a natureza;

• a beleza, a bondade e a verdade; • o grupo, a nação e o global; e

• o pessoal, o integrado e o transpessoal.

Para Ferreira (2010, p. 1), Wilber “[...] desenvolveu uma metodologia integrativa, e não eclética, no estudo da consciência humana, conseguindo integrar em uma cartografia harmônica as principais contribuições dos teóricos de diversas áreas do saber humano” e que são imprescindíveis no entendimento da complexidade do homem e suas dimensões.

Honneth vem colaborar e intensificar a perspectiva da abordagem integral, a nossa busca era mergulhar no reconhecimento como um viabilizador da promoção de resiliência,

porém ele está tão associado à teoria de Wilber (pelo menos na nossa condução) que não caberia colocá-lo em um outro lugar que não de uma lente poderosa e extremamente importante contida no prisma wilberiano.

A seguir iremos destrinchar a teoria de Honneth, para nos fazermos compreendidos quanto à escolha e por que a chamamos de lente poderosa contida na abordagem integral, tecendo as possíveis relações entre ambas e o processo de formação humana.

Tentaremos tecer uma relação entre os quadrantes, o reconhecimento e a resiliência, e a partir dessa perspectiva mostrar as reflexões contidas, na direção de uma formação humana integral.