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Navegando por entre os mares: capturando dados desvelados

4.2 OS CAMINHOS PELA MARES E MARÉS

4.2.2 Navegando por entre os mares: capturando dados desvelados

A nossa construção se deu de fato na pesquisa numa trajetória exploratória, participativa, com vontade de uma aproximação com o fenômeno investigado, das muitas interrogações e desejos de saber, de ver o desvelamento desse fenômeno e como nossas hipóteses se comportariam diante de tal evento.

Nossa grande tarefa com esta pesquisa pode ser sentida nas intervenções, nas quais teremos a pesquisa participante definida como:

[...] um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto (SCHWARTZ; SCHWARTZ, 1955 apud MINAYO, 1999, p. 135)

Dessa forma, a pesquisa participante se insere na pesquisa prática, classificação apresentada por Demo (2000, p. 21), para fins de sistematização. Segundo o autor, a pesquisa prática

[...] é ligada a práxis, ou seja, a prática histórica em termos de usar conhecimento científico para fins explícitos de intervenção; nesse sentido, não esconde sua ideologia, sem com isso necessariamente perder de vista o rigor metodológico. Há na pesquisa participante um componente político que possibilita discutir a importância do processo de investigação tendo por perspectiva a intervenção na realidade social. Guariente e Berbel (2006) afirmam que a pesquisa participante é um método que proporciona ao pesquisador o conhecimento da realidade alvo e também possibilita integrar, através de uma contínua Ação-Reflexão-Ação da situação definida, os participantes- pesquisadores, pela conscientização e entendimento para tomada de decisão, visando à transformação.

Com relação ao conhecer o outro em sua realidade, destacamos como ponto central desta metodologia a preocupação com o processo em si, e não com o produto. Para tanto, torna-se essencial a interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado, proporcionando espaço, no qual as pessoas falem por si mesmas, desvelando a sua realidade, interagindo e ensinando-se mutuamente. Neste sentido, a população envolvida na pesquisa participante tem parte em todo o processo. População e pesquisador tornam-se partícipes do processo em construção para a transformação.

Para a realização da pesquisa participante, o pesquisador deve adquirir algumas habilidades e competências, tais como: ser capaz de estabelecer uma relação de confiança

com os sujeitos; ter sensibilidade para pessoas; ser um bom ouvinte; ter familiaridade com as questões investigadas, com preparação teórica sobre o objeto de estudo ou situação que será observada; ter flexibilidade para se adaptar a situações inesperadas; não ter pressa de adquirir padrões ou atribuir significado aos fenômenos observados; elaborar um plano sistemático e padronizado para observação e registro dos dados; ter habilidade em aplicar instrumentos adequados para a coleta e apreensão dos dados; verificar e controlar os dados observados; e relacionar os conceitos e teorias científicas aos dados coletados (SCHWARTZ; SCHWARTZ, 1955 apud GUARIENTE; BERBEL, 2006).

Dentre as perspectivas possíveis, seguimos a mesma orientação filosófica proposta pela MARES, de fundamento fenomenológico e hermenêutico-dialético. O pesquisador se apresenta na condição de participante total na classificação proposta por Raymond Gold (MINAYO, 1999. p 141). Desta forma:

[...] o pesquisador, no trabalho de campo que inclui a observação participante, está mais livre de prejuízos uma vez que não é, necessariamente, prisioneiro de um instrumento de coleta de dados ou de hipóteses testadas antes, e não durante o processo de pesquisa. A fluidez da própria observação participante concede ao pesquisador a possibilidade de usufruir ao mesmo tempo de dados que os ‘surveys’ proporcionam e de uma outra abordagem não estruturada. Na medida em que convive com o grupo, o observador pode retirar de seu roteiro questões que percebe como irrelevantes; consegue também compreender aspectos que se explicitam aos poucos, e que o pesquisador que trabalha exclusivamente com questionários certamente desconheceria. A observação participante ajuda, portanto, a vincular os fatos a suas representações e as contradições vivenciadas no próprio cotidiano do grupo.

Nesta pesquisa, acompanhamos o grupo por quinze semanas, em encontros semanais com duração de quatro horas, no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, assim divididos: um encontro para efetivação das inscrições através de uma explicação sobre o curso de extensão, qual o seu propósito e a temática a ser abordada, esclarecendo dúvidas e questionamentos surgidos no dado evento; doze encontros de intervenção propriamente ditos; um encontro para entrevistas de profundidade, com o intuito de aprofundar saberes — para tal escolhemos os participantes que tiveram os maiores e menores escores na escala de resiliência —; e um encontro de devolução, no qual podemos conversar sobre as alterações percebidas durante a intervenção.

Podemos dizer que o último encontro foi um dos momentos mais valiosos da experiência, pois a troca se fez presente em uma grande roda de conversa, vários desnudamentos e um desabrochar de possibilidades que surgiram como uma flor de lótus que teima em sair, mesmo os seres achando que o ambiente que ela brota nada tem de auspicioso.

Logo, assumimos a interação que surgiu nas experiências como uma relação entre sujeitos em um processo de formação, havendo uma implicação, ou melhor, uma participação da pesquisadora no ambiente de investigação. Neste tipo de pesquisa, parece ser impossível não participar. O fato de estar presente ou não já é uma forma de participação, a temática escolhida, os instrumentos selecionados, a metodologia tracejada, tudo se faz partícipe da experiência.

O que de fato assumimos foi a experiência como algo maior, algo que vai além das fronteiras limitantes vistas nas diversas pesquisas ainda em nossos tempos. A ideia de evento participativo trazida por Ferrer (2002, p. 82)

Pode envolver a participação criativa não apenas de nossas mentes, mas também de nossos corações, corpos, almas e essência mais vital. Além disso, as energias espirituais não estão confinadas ao nosso mundo interior, mas também podem fluir de relacionamentos, comunidades e até lugares.

Assim, com a modalidade participativa ampliada, houve a possibilidade da pesquisadora também colaborar para a criação de situações, além de ter acesso a interações e comportamentos, também de sentimentos e atitudes, desejos, dificuldades e adversidades contidas no espaço no qual eles estavam inseridos, principalmente a reação negativa em relação ao curso e profissão escolhidos, que em outra forma de observação não seria possível, ou pelo menos seria insuficiente, um olhar tendencioso de alguém que não estava ali vivenciando os anos de construção e constituição do ser docente.

A inserção da pesquisadora no contexto formativo da UFPE tomou forma no cotidiano de suas atividades durante o ano de 2012, através da docência, o que possibilitou maior percepção das concepções acerca da dificuldade em se relacionar com as adversidades, de olhá-las como algo possível de ser vivenciado e superado de várias formas que permeiam os alunos (que manteve contato) integrantes da instituição, trazendo uma compreensão em profundidade dos trajetos que possivelmente contribuam para seu desenvolvimento. Houve, portanto, uma familiaridade com os grupos de alunas/os matriculadas/os no curso de formação em Pedagogia, possibilitando que as atividades transcorressem como cotidianamente. Desta forma, o grau de participação “observador participante” manteve sua característica fundamental de revelar a identidade da pesquisadora e os objetivos do estudo a todos os envolvidos. Tal situação permitiu, entre outros aspectos, o acesso a uma grande variedade de informações e uma relação ética e clara entre os sujeitos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

Antes do início das observações, foram realizados os acordos com os participantes inscritos no curso, estabelecendo nosso código de ética e responsabilidade perante o grupo, de modo que o vivenciado por eles naquele momento não poderia ser compartilhado fora daquele ambiente. Foi também esclarecido que não haveria risco aos alunos ou exposição indevida de seus cadernos de atividades e/ou entrevista, cada um recebendo um nome fictício sem possibilidades de identificação por parte de qualquer leitor deste trabalho.

Após a explicação geral dos objetivos da pesquisa e dirimidas as dúvidas, os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE (Apêndice 1).