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3 SER DOCENTE: quando um só não dá conta de me fazer acreditar que

3.6 UM MODO OUTRO DE OPERAR: UM OLHAR AMOROSO PELAS

Silva e Paiva (2018) relatam que o trabalho docente é um trabalho emocional, por ser também um trabalho interativo com outros seres humanos e pelo fato de ultrapassar as capacidades físicas e mentais, requerendo forte investimento afetivo.

Assim podemos afirmar que o nosso olhar para o sofrimento e adoecimento docentes remete-nos às suas dimensões afetivas, éticas e políticas. Como nos aponta Sawaia (1995, p. 155), "[...] é preciso colocar no centro da reflexão do adoecer", mal-estar, a maneira como cada indivíduo se relaciona consigo e com o mundo social como "ser ético" e "ser afetivo".

O "agir infrutífero" no trabalho, no sentido das reduzidas possibilidades do sujeito ético-político de atuar conforme o ideal de transformação social, produz o "sofrimento psicossocial"; o trabalho "deixa um gosto amargo na boca", sobrepõe o "tempo de viver" ao "tempo de morrer", espécie de "adormecimento intelectual" que, no limite, engendra o "sofrimento" como redução do indivíduo ao "zero afetivo" e às vivências depressivas que condensam "sentimentos de indignidade, inutilidade e desqualificação" (SAWAIA, 1995, p. 158-159).

A autorreflexão é um dos caminhos que pode propiciar um pensamento sobre a ressignificação do mal-estar docente e aquilo que o acomete, referindo que, mesmo inseridos nos processos de formação do nosso tempo, podemos buscar um arcabouço substancial de resistência para as relações empobrecidas na vida docente.

Nesse contexto, somos instigados a rever o modo de pensar, de sentir, de significar e de agir como educadores para a inteireza, reconhecendo preconceitos, ponderando exigências essenciais e imprescindíveis, assumindo uma atitude responsável e consciente de humildade diante de nosso próprio conhecimento (autoformação/autoconhecimento). O que está em jogo e em risco é nosso futuro para bem mais além do acadêmico-profissional, mas enquanto espécie.

As questões partem da disponibilidade dos docentes em aderirem esse processo de transformação. Será que estariam sensíveis e atentos a esse chamado? Estão preocupados em relação à integralidade, ao desenvolvimento das diferentes dimensões constitutivas: corpo, matéria, mente e espírito? Quais as possibilidades de formação continuada estão sendo aderidas? Por quê? Para quê? A favor de quem? Quais as notórias repercussões? Como respondem aos interesses institucionais?

Essas indagações remetem a uma reflexão sobre si, sobre seus atos e sobre seu próprio pensamento, assim como remete à autorresponsabilidade assumida ou que deveria ser e nos

esquivamos frente ao sistema, aos medos, ao sofrimento e aos traumas, vez que, nos mantendo assim, estamos aprisionados em um ciclo vicioso de permanência.

O mal-estar docente, o adoecimento e as adversidades enfrentadas pelos docentes são bem amplos, como vimos anteriormente, mas não é impossível que alguém os supere, aprendendo com a experiência e ultrapassando-as.

[...] uma encruzilhada onde pode continuar refletindo no espelho o materialismo científico, o pluralismo fragmentário e o pós-modernismo desconstrucionista, ou olhar para além do espelho escolhendo uma vereda mais integral, mais abrangente e mais inclusiva. (WILBER, 2003, p. 11)

É preciso alterar a sintonia, mudar a frequência e criar possibilidades de não encapsulamento no processo de adoecimento e mal-estar docente, buscando maneiras de sentir-se inteiro com as escolhas feitas; isso não nos remete a negligenciar acontecimentos, e sim olhar para cada um deles aprendendo com os mesmos.

Veloso et al (2016) relatam que a vivência de prazer no trabalho está relacionada ao bem-estar que o trabalho causa no corpo, na mente e nas relações interpessoais, manifestado por meio de realização, reconhecimento, liberdade, gratificação e valorização no trabalho. Para os autores, tais características são indicadores de saúde no trabalho, e a vivência de prazer no trabalho é caracterizada por um estado da carga psíquica adequada e por um melhor funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador.

Executar, desempenhar e ter atividades significativas que façam parte do processo do desenvolvimento profissional do sujeito sugerem que o mesmo vivencia o prazer no trabalho, além de sentir-se valorizado e reconhecido. A valorização, o sentimento de importância vivenciado pelo sujeito, o reconhecimento e a admiração pelo trabalho executado proporcionam a vivência de prazer no trabalho e agregam valores à sua vida e à organização a qual pertence (MENDES, 2008).

Sendo assim, o trabalho pode ocupar um lugar central na vida das pessoas, interferindo nas relações sociais e na formação da identidade do indivíduo (LOURENÇO; FERREIRA; BRITO, 2013), o que contribui também na realização do trabalhador enquanto pessoa e como fonte de prazer e saúde mental (SOUZA, 2015).

O reconhecimento, na concepção de Dejours, Lancman e Sznelwar (2008) e da Psicodinâmica do Trabalho, é a contrapartida que o trabalhador recebe por suas contribuições. Nesse sentido, as retribuições recebidas, sejam elas simbólicas ou econômicas, servem tanto para incentivar o trabalhador quanto para atribuir sentido à sua ação. Elas não só permitem

que haja identificação do profissional com aquilo que realiza, como também contribuem para a concepção do prazer no trabalho. Embora essa retribuição possa ser econômica, o autor enfatiza que ela pode ser mais significativa quando for simbólica.

Em sentido parecido, Mendes (2008) argumenta que o trabalhador reconhecido tem sua imagem caracterizada pela realização profissional. O próprio profissional internaliza essa visão ao mesmo tempo que ressignifica seu oficio. Desse modo, segue a autora, o reconhecimento permite a atividade de trabalhar ganhos de sentido e ressonância simbólica. Para Mendes, Araújo e Freitas (2008), sem o reconhecimento não há nem sentido nem prazer no trabalho, apenas o sofrimento patogênico e estratégias defensivas, o que levará à desmobilização. Desse modo, as formas de reconhecimento no mundo do trabalho demandam pelo sentido do coletivo, da equipe e da filiação. Nesse sentido, seguem as autoras, reconhecer e dar voz à participação dos professores é uma maneira de engajá-los para a ação, ao mesmo tempo que se permite a estruturação do coletivo, uma melhor dinâmica do trabalho e de sua organização.

Para Wilber, integral significa abrangente, equilibrado e inclusivo. Pensar, sentir e agir de maneira integral traz sempre um senso de totalidade ou plenitude, de que não deixamos de lado nada importante. Em geral, essa é uma experiência intuitiva. Tudo parece simplesmente mais correto, mais em contato com a realidade (WILBER et al., 2011, p. 49).

Ao nosso entender, a superação dos desafios locais e globais da atual sociedade depende de soluções baseadas na complexidade das relações humanas de forma integral, que favorece nos ver e ver o mundo de maneira completa e efetiva, percebendo os níveis físicos, emocionais, mentais e espirituais das pessoas e das ações. “É o conhecimento vivo que conduz à grande aventura da descoberta do universo, da vida e do homem!” (MORIN, 2007, p. 15).

A abordagem integral vem ao encontro de uma nova imagem do ser-si-mesmo educador, em que vão sendo indicados os novos desafios a serem vivenciados, tornando-se assim primordial uma transformação global das instituições, das circunstâncias, dos conceitos, das artes e das ciências, o que significa mudar o modo de pensar e a própria natureza na constituição interna do ser-si-mesmo educador — impulsos, alma, espírito — e exige “mudança de valores”.

Para compreendermos o ser-si-mesmo educador nas quatro dimensões do ser, é preciso destacar a relevância da educação dos sentidos, da ampliação da consciência, a promoção da resiliência, o reconhecimento, tornando possível propor a inclusão de um novo olhar, na

complexa relação entre a mente, o cérebro, a cultura e a sociedade desse sujeito complexo que está disponível nos modos de se conhecer.

É ter em mente o hólon educador, no qual os cinco elementos — níveis, estados, linhas, tipos e quadrantes —, de uma forma espiralada, estão presentificados, afetando e sendo afetados na existência do ser educador. Uma forma integrada do interno, externo e tudo que perpassa eles.

Segundo Fontoura (2016), pode-se perceber que a pessoa se faz constituinte e constituída do constructo que fornece e absorve da interação continuada com o mundo (interno e externo), em razão de tudo que está à sua volta e em seu interior, interagindo e agindo sistematicamente, de forma independente, conforme é possível observar a seguir.

Wilber (2007a) relaciona os quadrantes com os campos do conhecimento humano: o eu com o Estético, com a Beleza; o Nós com o Ético, com a Bondade; o Ele (Isso e Issos) com a Ciência, com a Verdade. Nesse sentido, para ser integral, é necessário distinguir essas dimensões, porém, não as dissociando, mas incluindo-as e transcendendo-as.

Pensando de forma mais pontual, conforme Wilber (2007b), na dimensão subjetiva - EU (QSE), a natureza da existência envolve a sensação de transcendência-e-inclusão de vários momentos de ser-estar-no-mundo. Na dimensão objetiva - ISSO (QSD), a existência envolve a auto-organização e a autorreprodução. Na intersubjetiva - NÓS (QIE), predomina o background cultural de significados compartilhados que se constituem como a base essencial da memória cultural e as relações. Na interobjetiva - ISSOS (QID), é o subconjunto dos fenômenos gerais da memória de sistemas sociais. Essas dimensões são padrões profundos e buscam o sentido de ser-estar-no-mundo-com-os-outros, assim, “você tem uma missão, um sentido na vida, que não poderá ser ignorado”, afirma um dos participantes da pesquisa.

Para Andrade e Portal (2014), olhar alguém por inteiro é perceber, compreender e respeitar seus limites, diferenças e escolhas, que nada mais são do que momentos de consciência ante aquilo que está contido no íntimo de cada um, ante aos anseios ocultos de paz interior, sublimados momentaneamente com distrações, mas que logo ocupam seu lugar no vazio que exige respostas.

Partindo dessa perspectiva, é possível vislumbrar um novo olhar, um outro caminho a ser tomado frente ao exercício da profissão docente. Algumas circunstâncias vão existir, vão exigir do professor prontidão, assim como este não vai conseguir dar conta de todas as demandas surgidas, porém o mais importante é a forma como cada professor vai encarar este caminho, o ofício, a fim de tornar-se conhecedor de si mesmo, das suas possibilidades e

limitações, vez que isso irá facilitar o enfrentamento das adversidades passadas, atuais e por vir.

Para Fontoura (2016), educar de forma integral é considerar a totalidade do ser, espiritualidade, a atenção, o respeito, a cooperação, o conhecimento, a cultura, dentre outros elementos que compõem a pessoa — fato que, por si só, já deveria ser fundamento suficiente para que a totalidade do ser faça parte do dia a dia escolar, haja vista a relevância de todos estes elementos para o despertar do pleno potencial humano, em termos de convívio e construção social, respeito e cultivo da cidadania, incentivo pleno da educação e do ensino, percepção das múltiplas possibilidades e potencialidades etc.

Desta maneira, podemos pensar que o ser educador está contido no rol de transformações, mudança, quebras de paradigma e barreiras, ultrapassando cristalizações próprias quanto ao meio, é promover a si mesmo condições de ser-no-mundo consigo e com os outros, é poder reinventar-se diante de si e das dificuldades, é ter mãos a si mesmo como ferramenta principal para o ato pedagógico; com isso não descartamos os conhecimentos cognitivos estruturais, mas abrimos espaço para as diversas formas de saberes.

O bem-estar e o prazer podem se fazer presentes no cotidiano docente e a escolha pode ser menos árdua, visto que sempre haverá dificuldades a serem vencidas. É preciso enfrentar nossas dificuldades, adversidades, sofrimentos, mas que isso não seja algo penoso, custoso, doloroso apenas, pois não podemos descartar essa possibilidade, vez que, como apresentamos, não somos criados para desenvolver um modo de enfrentamento dos problemas, é mais fácil tentar transmitir a outrem nossas responsabilidades.

A resiliência integral abraça aqui uma proposta nada piegas ou salvacionista, mas uma diferente forma de enfrentar as durezas de ser docente, sem precisarmos ficar doente. Caso fique, que a consciência ampliada possa ajudar no enfrentamento e na compreensão desse todo inseparável, mas visto através de quadrantes.

4 PERCURSO METODOLÓGICO: o nó do nó na rede do marinheiro, por entre as