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A PESAR DE T UDO , UM E NTENDIMENTO C ORDIAL

A 21 de Dezembro de 1932, o Monsenhor Lima Vidal, bispo de Vila Real, escreve um apontamento, hoje guardado no Arquivo da Sagrada Congregação dos Assuntos

2.3 A PESAR DE T UDO , UM E NTENDIMENTO C ORDIAL

Apesar das críticas à Constituição por parte da hierarquia católica, era cada vez mais evidente o bom entendimento com o Governo. A 22 de Maio de 1933, Trindade Coelho escreve ao ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Mata, a partir de Roma:

O Cardeal Secretário de Estado, com quem anteontem estive, uma vez mais me comunicou que continuava recebendo excelentes notícias da situação portuguesa, pelo que vivamente me felicitava.

Tive a certeza de que o justo elogio que de V. Exa. lhe fiz (...) apenas confirmou as informações do núncio, que, em carta particular que há dias me dirigiu, se mostrou encantado com Vossa Excelência e com o acolhimento que V. Exa. lhe dispensou298.

A 25 de Maio de 1933, realiza-se um grande banquete na Nunciatura em honra do Santo Padre presidido pelo Presidente da República, no qual participaram o Cardeal Patriarca, o Presidente do Conselho e os outros membros do Executivo, excepto dois ministros que se encontravam doentes (Colónias e Obras Públicas). Na opinião do Beda Cardinale, o evento correu muito bem, tendo o Presidente da República ficado satisfeitíssimo, impressão que lhe transmitiu «repetidamente»299.

Por uma referência que consta do diário do núncio, de 26 de Maio de 1933, sabemos que nesse dia foi visitado pelo Cardeal Patriarca, que o informou sobre a «solução dada à modalidade da cerimónia religiosa que o Governo mandou celebrar pelo aniversário da Ditadura»300.

A 8 de Junho o núncio é recebido pelo Presidente da República em Belém, ao qual agradece a participação no almoço na Nunciatura. Nas palavras de Beda Cardinale, o Chefe

297

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 96, fl. 48. 298

AHD-MNE, Santa Sé, GSG, M 9 (pt. 2). 299

Diário de Beda Cardinale enquanto Núncio na Argentina em Portugal. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 394 P.O., fasc. 154.

300

Diário de Beda Cardinale enquanto Núncio na Argentina em Portugal. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 394 P.O., fasc. 154.

de Estado foi, «como sempre», «amabilíssimo», tendo reafirmado a sua devoção em relação à autoridade religiosa, «não só por ser a sua propensão natural, mas também pela alta opinião que tem da Igreja, factor moral de primeiríssima ordem, que o governo deve ter em grande conta». Carmona terá mesmo solicitado ao núncio que transmitisse ao Santo Padre os seus sentimentos de profundo respeito»301.

Outro facto evidencia as boas relações entre o poder civil e o poder religioso: o envio de missionários portugueses para Angola, noticiado pelo Diário de Notícias de 13 de Outubro de 1933, e transmitido à Santa Sé pelo encarregado de negócios da Nunciatura, Adolfo Tondini302.

No dia 1 de Dezembro de 1933, Tondini escreve a Monsenhor Pizzardo, enviando-lhe notícias e recortes de imprensa sobre a sublevação sufocada em Bragança, encabeçada pelo engenheiro Sarmento Beires303. Segundo testemunha, a sublevação tinha por programa:

A reposição da Lei da Separação do Estado e das igrejas em fórmulas que concorram para um mais eficaz laicismo do país, impeçam a ingerência do clero na propaganda política (suspensão dos direitos políticos) e instituição da obrigatoriedade do beneplácito do Estado para toda e qualquer autoridade eclesiástica, considerada, para o efeito, como representante dum Estado estrangeiro. Nacionalização e arrolamento dos bens móveis e imóveis eclesiásticos que serão considerados propriedade do Estado. Supressão de seminários e aplicação dos edifícios bem como de outros estabelecimentos eclesiásticos adequáveis à instalação de sanatórios, hospitais e manicómios, liceus, etc. Instituição de um imposto sobre o funcionamento dos templos304.

Como se pode ver deste programa de intenções, a subjugação desta ameaça foi, sem qualquer dúvida, favorável aos dois poderes.

Bem recebido pela Santa Sé foi também o Decreto-lei nº 23.447, de 5 de Janeiro de 1934:

Art. 4º É permitido o ensino religioso nos estabelecimentos de ensino particular, de harmonia com o que preceitua o artigo 17º do Decreto nº 11.887, de 15 de Julho de 1926.

301

Diário de Beda Cardinale enquanto Núncio na Argentina em Portugal. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 394 P.O., fasc. 154.

302

Relatório nº 2760. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 96, fl. 22.

303 José Manuel Sarmento de Beires (1893-1974) – engenheiro militar, escritor e jornalista. Oposicionista à ditadura Militar e ao salazarismo, foi preso a 11 Novembro de 1933 acusado de reorganização do movimento reviralhista. Condenado a 7 anos de desterro, foi-lhe fixada residência em Macau, de onde se evadiu. Exilado em Marrocos, em França e no Brasil, regressa a Portugal em 1951, sendo reintegrado no posto de major (na reserva). Luís Farinha, «Beires, José Manuel Sarmento de). In Dicionário de História de Portugal, coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica, vol. 7 (Suplemento A/E). Porto: Figueirinhas, 1999, p. 178.

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§ único. Ainda que ministrado a alunos em comum, o ensino religioso não é compreendido na fiscalização por parte do Estado definida neste Decreto.

Pela mesma altura, Tondini escreve a Pizzardo, Secretário da Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, referindo o «renascimento cristão de Portugal» e a «carta de Pio XI sobre a Acção Católica», enviando ainda um recorte do Diário de Notícias, de 9 de Fevereiro, no qual se diz:

Recebemos do Patriarcado a seguinte nota oficiosa que esclarece, em relação ao Centro Católico, o alcance da carta de Sua Santidade Pio XI ao sr. Cardeal Patriarca:

“A Carta do Santo Padre a Sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca, reconhecendo a liberdade política dos católicos que militam na Acção Católica, não faz senão confirmar a doutrina das ‘Bases para a Organização da Acção Católica’, publicadas em Novembro, que reconhecem igualmente essa liberdade na “Base C”.

As “Bases”, e portanto a Carta do Santo Padre que as aprova, não invalidam a existência do Centro Católico, “órgão de defesa da Igreja no campo legal”, “distinto e separado da Acção Católica”, cuja necessidade o Episcopado reconhece, “enquanto se mantiverem as circunstâncias que determinaram a sua fundação”, na “Nota oficiosa” de 16 de Novembro passado.

Relativamente aos Católicos que militam na Acção Católica, as “Bases” e a Carta do Sumo Pontífice, pelo facto de as aprovar, exigem, para os corpos gerentes de qualquer organização da Acção Católica, o sacrifício de toda a “actividade incompatível com a independência política da Acção Católica Portuguesa”.

Anteriormente, no dia 8 de Fevereiro de 1934, noticiara-se que Lino Neto deixara de presidir ao Centro Católico para enfileirar na Acção Católica. Dois dias depois, Lino Neto faz publicar o seguinte comunicado:

«Vendo publicada hoje nas Novidades uma Nota Oficiosa do Patriarcado em que se reconhece que a minha interpretação à Carta de S. Santidade sobre a ACP não é a que ela deve ter, venho declarar que me conformo absolutamente com a interpretação oficial, e que, agora como sempre, ponho ao serviço da Igreja o meu melhor esforço, como o tenho feito em todas as circunstâncias, com a mais submissa e filial dedicação»305.

Numa carta do ministro de França em Lisboa, de 26 de Março de 1934, este transmite ao Quai d’Orsay:

«As relações dos poderes públicos com a Igreja Romana e o Episcopado português são actualmente excelentes. [...] Mas, apesar das tendências fortemente clericais do seu Chefe, o Sr. Oliveira Salazar, católico praticante, inteiramente favorável aos interesses

305

Relatório nº 2895, de Adolfo Tondini,, Lisboa, de 11 de Fevereiro de 1934, fls. 11-14. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 97.

da Santa Sé, o Governo de Lisboa deve actuar no terreno religioso com extrema cautela, pois é impossível ignorar os sentimentos liberais da esmagadora maioria do povo lusitano: este, embora se mantenha fiel à fé católica, partilha com efeito de uma desconfiança instintiva para com as iniciativas do clero, e considera que a manutenção da Lei da Separação bem como a afirmação da laicidade do Estado constituem as garantias necessárias garantias à independência do poder temporal»306.

Entretanto, persistia a boa vontade do Governo relativamente à Igreja Católica, sendo demonstrada através, quer da satisfação de algumas das reivindicações dos católicos, quer em actos públicos, e até privados, que ajudaram a criar um ambiente propício a futuras negociações. É o caso, por exemplo, do Te Deum realizado na igreja de S. Domingos a 26 de Maio de 1934, no quadro das comemorações do 28 de Maio, que conta com a presença de Cerejeira307. No final do mês de Abril 1936, é atribuída ao Patriarca a Grã-Cruz de Santiago numa cerimónia de homenagem que decorreu na Sociedade de Geografia, a qual, presidida por Óscar Carmona, contou com a presença de Oliveira Salazar308. Dois anos mais tarde, a 27 de Abril de 1938, a Assembleia Nacional homenageia Oliveira Salazar; no hemiciclo o deputado e cónego Correia Pinto, «homem de Coimbra e do CADC, conviva frequente das refeições do Chefe do Governo», propõe uma moção declarando Oliveira Salazar «Benemérito da Pátria», no que será bem sucedido309.

Já se falou na intensificação, com a chegada de Oliveira Salazar ao poder, da devolução dos bens iniciada com o Decreto da personalidade de Manuel Rodrigues. A devolução era feita com a intermediação do Centro Católico e, deste modo, os sucessivos ministros do Interior vão forçando o poder local a devolver certos bens às corporações de culto católico, devoluções que embora publicadas continuavam, por variadíssimas razões, por executar.

No quadro da reforma da Constituição realizada 1935 verifica-se, ao nível do ensino uma alteração ao artigo 43º, § 3 da Constituição de 1933, cujo texto ditava originariamente que «O ensino ministrado pelo Estado é independente de qualquer culto religioso, não o devendo, porém, hostilizar». Na alteração constitucional (Lei nº 1.910, de 22 de Maio de 1935), que resultou da iniciativa da deputada e Comissária Nacional da Mocidade Portuguesa Feminina, Maria Guardiola, estabelecia-se que o ensino estatal visava «a formação do carácter

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Ministère des Affaires Étrangères (Paris), Correspondance politique e commercialle, Europe, 1918-1929, Portugal, 21 (série Z).

307

João Morais e Luís Violante, Cronologia dos Factos Económicos e Sociais. Portugal 1926-1985, Lisboa: Livros Horizonte, 1986, p. 60.

308

Franco Nogueira, Salazar, vol. 2. Coimbra: Atlântica Editora, 1977, p. 364. 309

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e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas pelos princípios da doutrina e da moral cristã, tradicionais no País».

Já a determinação da Base XIII da Lei nº 1.941, de 11 de Abril de 1936, tornou obrigatória a fixação do crucifixo nas escolas públicas do ensino primário elementar «como símbolo da educação cristã determinada pela Constituição». Esta determinação está na origem de uma circular de 17 de Junho de 1937 da Direcção-Geral do Ensino Primário do Ministério da Educação que obriga à colocação do crucifixo de modelo oficial, o qual se tornaria uma das condições para que a escolas pudessem funcionar:

Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que Sua Exa. o ministro determinou que [...] não fosse autorizado o funcionamento ou restabelecimento de qualquer escola ou lugar sem se verificar que, além do mobiliário e material didáctico a que se refere o Decreto nº 25.305, existe também o crucifixo, do modelo oficialmente aprovado310.

Ao que parece, no entanto, e muito à maneira de Oliveira Salazar, a imprensa foi impedida de noticiar tal acontecimento. Atente-se no que afirma Querubim Guimarães na sessão da Assembleia Nacional de 25 de Março de 1939:

O Sr. Dr. Carneiro Pacheco é animado por esse espírito da contra-revolução que estamos vivendo quando afirma a necessidade de a escola voltar para Deus, em vez de continuar d'Ele afastada.

Quando legislou que era preciso regressar o Cristo às escolas estava perfeitamente dentro desse espírito da contra-revolução, que, no dizer do grande pensador brasileiro Tristão de Ataíde no seu trabalho A contra-revolução espiritual, se não compreende não estando ao serviço do Evangelho, pois que o contrário da Revolução é o Cristo. O que é pena, e digo-o do alto desta tribuna, é o paradoxo a que lamentavelmente assistimos de a lei mandar que o Crucifixo esteja nas escolas e não ser permitido à imprensa referir que a lei se cumpriu.

Espanta que tal se dê, e bom será que a censura à imprensa pondere esta circunstância, para que, como disse, o paradoxo termine. Nas pequenas aldeias, onde tantas vezes tenho assistido à colocação dos crucifixos, o facto deixa boquiaberto o rural, que se admira de o jornal local não poder referir-se à sensibilizadora cerimónia e à interessante sessão solene que a sua escola realiza nesse dia de festa e que tanto o impressiona e comove. Chega, e com razão, a concluir, que afinal é crime cumprir a lei e que há um outro poder acima do Estado que não concorda com a colocação do Crucifixo na escola e que por isso se opõe a que os jornais falem311.

310

Amândio Sena Freirinha e José Maria Gaspar, Legislação Completa do Ensino Primário, vol. 1. Porto: Editorial domingos Barreiro, 1950, p. 366.

311

Note-se que em Espanha, logo a 8 de Março de 1938, em plena Guerra Civil, os crucifixos regressaram às escolas que se encontravam sob o controlo dos nacionalistas312, enquanto na Itália de Mussolini estes viriam a ser reintroduzidos em 1923, não só nas escolas mas também nos tribunais313.

Numa carta de Gennaro Verolino, encarregado de negócios da Nunciatura Apostólica de Portugal, à Cúria Romana, sobre a instrução religiosa nas escolas públicas, datada de 30 de Setembro de 1936, informa-se que está em preparação no Ministério da Educação Nacional um Decreto que irá estabelecer o ensino religioso nas escolas primárias no ano lectivo seguinte. Uma medida que não se iria aplicar ao ensino secundário:

O Governo diz que não pode concedê-lo, não existindo ainda uma Concordata com a Santa Sé. Todavia obteve-se ao menos alguma coisa. E aproveitando a ocasião de uma certa matéria, intitulada «Higiene moral e Física», obrigatória nos últimos dois anos criou-se um curso de «Educação moral e cívica» e estendeu-se a todos os 7 anos do Liceu. Neste curso far-se-á a exposição da moral cristã, mas não só, procurar-se-á também introduzir elementos da doutrina cristã, da vida de Nosso Senhor, informações sobre a difusão do cristianismo no mundo, da Igreja e dos seus ensinamentos, sobre a solução católica para a questão económico-social.

Não foi possível obter mais porque o Governo insiste que a opinião pública não está ainda preparada. É porém de esperar que praticamente os resultados serão ainda maiores. Porque é feita a promessa que, sendo muito reduzido o programa do Ministério, deixar-se-á plena liberdade aos professores de ministrarem como quiserem, de modo a fazerem também um curso completo de doutrina cristã. De outra parte asseguraram que eram só pessoas boas, que poderiam até ser sacerdotes: neste caso será acordado com a Autoridade Eclesiástica.

O mesmo encarregado de negócios entende que tais medidas, mesmo com alguns limites, constituem um primeiro passo, esperando que se seguissem outros «ainda mais decisivos, para uma orientação mais cristã da educação da juventude». Aliás, Verolino considera que os programas de algumas disciplinas têm já «qualquer coisa desta nova orientação». Dá o exemplo do ensino do português, cujos textos não poderão conter «matéria que possa desenvolver nos alunos tendências prejudicais», e do ensino da História, que tem por objectivo «provocar uma compreensão dos aspectos da sociedade contemporânea e dos

312

William J. Callahan, La Iglesia Católica en España (1875-2002). Barcelona: Crítica, 2003, p. 275; Guy Hermet, Les catholiques dans l'Espagne franquiste, vol. 2, Chronique d'une dictature. Paris: Presses de la Fondation nationale des sciences politiques, 1980-1981.p. 91.

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valores que dominam a sua estrutura, com particular referência à missão histórica da nação portuguesa, centro do ideal cristão»314.

Monsenhor Pizzardo, Secretário da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, responde a Gennaro Verolino, a 13 de Outubro de 1936, congratulando-se com o Decreto e lembrando que a instrução religiosa só será eficaz se ministrada por professores competentes. Na sua opinião, melhor seria ainda «que o ensino religioso fosse atribuído a sacerdotes ou a mestres laicos autorizados pelo Ordinário». Pede, assim, ao encarregado de negócios que apresente ao Governo português as «disposições correspondentes nas recentes concordatas»315.

A 14 de Outubro de 1936 foram promulgados os Decretos nº 27.084 e 27.085, que procedem à reforma do ensino liceal. Neste último, que aprova os programas, introduz-se a cadeira de Educação moral e cívica nos três anos do ensino liceal. A 22 do mesmo mês, Verolino pede a Monsenhor Pizzardo que, dependendo o ensino da religião dos professores, este exorte os ordinários portugueses a se empenharem no ensino do catecismo e na execução das «excelentes modificações feitas aos programas». Considerando que o ministro da Educação é uma pessoa muito bem-intencionada, informa que está para breve a publicação do Decreto relativo à instrução primária, constando que o ensino do catecismo será obrigatório, e que os bispos serão consultados quanto à idoneidade dos professores316.

A 6 de Novembro de 1936, Pizzardo diz que o Papa tomou conhecimento de tudo quanto a Nunciatura o informara e, preocupado com a «falsa propaganda do Comunismo», consolou-se com esse vislumbre de esperança nos programas do dito “Curso de Educação Cívica e Moral” nas escolas secundárias estatais porque se poderá através dos tais cursos fazer com que o ensino religioso coloque uma barreira à perniciosa ignorância religiosa do comunismo». Em conformidade, o Cardeal Secretário de Estado ordena ao episcopado que defina um plano de trabalho, levando em consideração os seguintes pontos:

- Necessidade de destinar sacerdotes ao ensino da Educação cívica e moral;

- Formação idónea dos sacerdotes, para o que sugere a criação de cursos de carácter prevalentemente didácticos;

- Preparação de um livro de textos, onde a doutrina e a tradição católica seja exposta em harmonia com os programas estabelecidos.

314

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 409 P.O, fasc. 166, fsl. 10-11. 315

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 409 P.O, fasc. 166, fl. 12 316

Contra a difusão ameaçadora do comunismo, haverá que promover, além da religião na escola, «o ensino paroquial do catecismo, a boa e eficaz organização da Acção Católica, a boa educação dos jovens nos colégios católicos, e a obra de assistência aos estudantes»317.

Efectivamente, o Decreto-lei nº 27.279, de 24 de Novembro 1936, aprova algumas disposições relativas ao ensino primário, afirmando o propósito de substituir «um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança» pelo «ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e a exercer as virtudes morais de um vivo amor a Portugal», introduzindo ainda a disciplina de Moral.

As bases da reforma do ensino primário são promulgadas pela Lei nº 1.969, de 2 de Maio de 1938318. Desta Lei cabe destacar a afirmação de que o ensino primário, para além de dever habilitar os alunos «a ler, a escrever e contar, a compreender os factos mais simples da vida ambiente» deve ainda prepará-lo para o exercício das «virtudes morais e cívicas». Já sabemos que estas virtudes deveriam ser «orientadas pelos princípios da doutrinal e da moral cristã».

Numa carta de Verolino a Pizzardo, datada de 28 Junho 1937, informa-se:

«O ensino religioso nas escolas médias será aplicado no fim de Outubro. Será leccionado por sacerdotes escolhidos pelos ordinários, e só excepcionalmente (serão 4 ou 5 casos, ao todo, por causa da falta de clero) a laicos. (...)

Para a escola primária foi dado um passo pelo Decreto que estabeleceu o ensino da moral tradicional, publicado em 29 de Março. (...) No livro único para a classe elementar, ordenado pelo Ministério da Educação Nacional, [...], garantem-me que parte relativa à doutrina cristã, irá redigir-se de acordo com a Autoridade Eclesiástica»319.

O início, a partir de Dezembro de 1936, das emissões regulares da Rádio Renascença, «a segunda emissora católica, após a do Estado do Vaticano», pode ser enquadrado também neste conjunto de medidas de recristianização da sociedade portuguesa320.

Outra medida favorável à Igreja Católica consistiu no Decreto nº 26.643, de 28 de Maio de 1936, que reorganizou os serviços prisionais e instituía a possibilidade da assistência religiosa nas prisões. Determinou-se que «a religião é considerada como um grande força moral, meio poderoso de ressurgimentos moral dos indivíduos; ora em problema tão grave o

317

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 409 P.O, fasc. 166, fls. 42-46. 318

Diário das Sessões da Assembleia Nacional nº 129s, 2 de Maio de 1938, p. 1-3. A proposta de lei encontra-se no Diário das Sessões da Assembleia Nacional nº 147, 27 de Novembro de 1937, p. 11-36.