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A C ONSTITUIÇÃO DO G RUPO DE D ISCUSSÃO

4 O P ROJECTO O FICIAL DO G OVERNO P ORTUGUÊS

4.1 A C ONSTITUIÇÃO DO G RUPO DE D ISCUSSÃO

Para a análise e reformulação do anteprojecto da Santa Sé foi constituído um grupo de trabalho do qual fariam parte, para além do próprio Oliveira Salazar, Mário de Figueiredo, Domingos Fezas Vital, Luís Teixeira de Sampaio e Manuel Rodrigues Júnior. Tratava-se de um grupo informal e apenas três dos seus membros gozavam àquela data de legitimidade institucional: Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, acumulava a pasta dos Negócios Estrangeiros; Teixeira de Sampaio era secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros; Manuel Rodrigues Júnior era ministro da Justiça. Porém, aparentemente, a legitimidade dos seus elementos residia mais no reconhecimento do valor de cada um dos restantes membros do grupo. Neste capítulo, procuraremos descortinar os critérios que presidiram à escolha destas personalidades (representação institucional, representação política, competência técnica, confiança política, confiança pessoal); o seu grau de influência na fixação do projecto definitivo, considerando de que modo as preferências políticas e ideológicas, os traços de personalidade, as convicções pessoais influíram, se é que o fizeram, no texto que viria a ser proposto oficialmente à Santa Sé. É ainda importante perceber se este grupo se constituiu enquanto corpo de decisão colectiva ou se a reunião deste indivíduos visava apenas o aconselhamento de Oliveira Salazar.

António de Oliveira Salazar, Mário de Figueiredo, Manuel Rodrigues Júnior e Domingos Fezas Vital tinham várias características em comum. Com trajectórias sociais semelhantes, os três primeiros foram seminaristas. Os quatro foram alunos e docentes da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra527. O seu relacionamento data desses anos. Consta até que os três primeiros eram convivas regulares no antigo Convento dos Grilos,

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Mário de Figueiredo e Manuel Rodrigues tinham sido alunos destacados desta Faculdade. Ver intervenção de Bustorff Silva na Assembleia Nacional, Diário das Sessões da Assembleia Nacional nº 40, 8 de Março de 1946, p. 676. Manuel Rodrigues e Fezas Vital serão transferidos para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, respectivamente, em 1927 e em 1934.

residência de Oliveira Salazar e Cerejeira em Coimbra, local onde discutiam habitualmente a situação política do país528. Salazar e Fezas Vital foram suspensos da actividade docente por suspeita de infidelidade ao regime republicano. Todos eles eram juristas de renome: Fezas Vital, especialista em direito constitucional e direito administrativo; Manuel Rodrigues, civilista; Mário de Figueiredo, civilista e especialista em Direito Internacional privado; e Oliveira Salazar que se destacara no domínio das ciências económicas e financeiras. Todos apoiaram o golpe de 28 de Maio de 1926 e Oliveira Salazar, Figueiredo e Rodrigues foram ministros na Ditadura Militar529. Além do próprio Salazar, Manuel Rodrigues e Mário de Figueiredo foram também membros do Conselho Político Nacional, órgão consultivo criado em 1931 para dar parecer sobre todos os assuntos de política e administração que interessassem ao Estado, tais como os projectos de Constituição530. Os quatro participaram, ainda que de modo muito variável, na elaboração da Constituição de 1933. Salazar e Rodrigues eram então dirigentes da União Nacional531. Já Teixeira de Sampaio e Manuel Rodrigues eram ouvidos por Salazar nas remodelações ministeriais532 e sobre aspectos jurídicos533. Manuel Rodrigues era à data ministro da Justiça, enquanto Mário de Figueiredo e Fezas Vital tinham recusado, já depois do advento do salazarismo, vários convites para ocupar pastas ministeriais534. O último era ainda presidente da Câmara Corporativa.

Teixeira de Sampaio, Mário de Figueiredo e Fezas Vital eram monárquicos e católicos. Mário de Figueiredo, tal como Salazar, fora dirigente do Centro Académico de Democracia Cristã e do Centro Católico. Já Manuel Rodrigues era republicano e, embora em

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Franco Nogueira, Salazar, vol. 1, Coimbra: Atlântida Editora, s/d, p. 146-147. 529

Para Fezas Vital ver A Voz, 13 de Outubro de 1946. 530

Ver António de Araújo, «O Conselho Político Nacional nas origens da Constituição de 1933», separata de

Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, vol. 2, Coimbra: Coimbra Editora,

2005, p. 9. 531

Salazar era presidente da Comissão Central (1932-1969); Manuel Rodrigues foi também vogal desta Comissão (1932-1944).

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A título de exemplo, os dois foram consultados quando Armindo Monteiro transitou da pasta das Colónias para a dos Negócios Estrangeiros (1935). Ver Franco Nogueira, Salazar, vol. 3, p. 326.

533

Fezas Vital foi ouvido sobre o problema do património da Casa de Bragança (Ver Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 226), questões de Direito Administrativo (Ver carta de Fezas Vital de 11 de Novembro de 1944, ANTT, AOS/CP-257) e o tratamento jurídico dos espanhóis fugidos para Portugal em meados dos anos trinta (Franco Nogueira, Salazar, vol. 3, p. 21). Manuel Rodrigues colaborou na redacção das leis eleitorais de finais de 1934.

534

Para o convite feito a Mário de Figueiredo em 1932, ver Correspondência entre Mário de Figueiredo e

Oliveira Salazar, Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros/Comissão do Livro Negro sobre o Regime

Fascista, 1986, p. 17. Figueiredo e Fezas Vital foram convidados em 1934 para ocupar a pasta da Instrução. Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 287. Fezas Vital foi ainda convidado em 1936 para substituir Armindo Monteiro nos Estrangeiros. Franco Nogueira, Salazar, vol. 3, p. 55.

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1926 tenha afirmado ser hostil ao Centro Católico, também era católico535. Dos seus escritos sobressai, especialmente, a defesa da ordem e da autoridade, atribuindo ao Estado a função de «dar unidade a todos os que nele existissem»536.

Mário de Figueiredo, um dos membros deste pequeno conselho que havia de fixar o projecto oficial da Concordata, professor universitário e director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, era um jurista e um católico de renome. Para Franco Nogueira possuía uma «inteligência fulgurante»537 enquanto Salazar o considerava «um emotivo»538. Foi o autor da já referida e controversa «portaria dos Sinos», datada de 26 de Junho de 1929. No mesmo período em que a publica, afirma em Conselho de Ministros ter também a pretensão de rever o Código do Registo Civil para acabar com «a precedência do registo do nascimento e do óbito, sobre o baptismo ou enterro religioso539.

No Conselho Político Nacional, «afasta-se da corrente dominante em aspectos nucleares, como a oportunidade de aprovar uma nova Constituição e o recurso a um plebiscito»540. Contra Salazar, modera «o anti-parlamentarismo» do projecto constitucional, defendendo «a presença dos ministros na Assembleia para melhorar a fiscalização deste órgão sobre o Executivo», ao mesmo tempo que «discorda da possibilidade de emissão, pelo governo, de Decretos de urgência durante o período de funcionamento da Assembleia»541.

No início do ano de 1933, segundo o próprio testemunhou em carta enviada a Salazar, corria o rumor de que perfilhava a opinião de que o Estado Novo se devia inclinar mais para a «direita», circunstância que Presidente do Conselho imputava ao facto de ele ser «um caceteiro», e de estar despeitado por «o ter deixado cair, quando caiu», quer dizer, na sequência da «questão dos sinos»542.

Manuel Rodrigues Júnior é, por seu turno, a figura mais controversa deste grupo de discussão. Tinha obtido em exame de formatura a mais alta classificação com que a Faculdade

535

Para além das várias referências já citadas, a intervenção de Fezas Vital na Sessão Plenária da Câmara Corporativa de homenagem a Rodrigues Júnior, em 12 de Março de 1946, aponta nesse mesmo sentido. Ver

Diário das Sessões da Assembleia Nacional nº 46, 13 de Março de 1946, p. 774.

536

Luís Mendonça, «De Te Fabula Narratur. O Pensamento de Franco Cipriani sobre justiça civil», Revista do

CEJ, nº 2, 1º Semestre 2005, p. 65-125.

537

Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 379.

538 Ver Marcelo Caetano, Minhas Memórias de Salazar, p. 540. 539

Ver Rita Almeida de Carvalho e António de Araújo, «A voz dos sinos: o «diário» de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929».

540

António de Araújo, «O Conselho Político Nacional nas origens da Constituição de 1933», p. 36. 541

António de Araújo, «O Conselho Político Nacional nas origens da Constituição de 1933», p. 36. 542

Correspondência entre Mário de Figueiredo e Oliveira Salazar. Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros/Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, 1986, p. 11.

de Direito de Coimbra distinguira qualquer dos seus alunos543, era um notável professor de desta faculdade e «a sua inteligência marcava-lhe uma posição de relevo na sociedade portuguesa; a sua cultura trazia-o a par do movimento jurídico de todo o mundo; a sua ponderação e equilíbrio mental garantiam-lhe o acesso aos mais elevados cargos sociais»544.

Como se disse atrás, Rodrigues Júnior integrou o primeiro Governo da Ditadura Militar, presidido por Mendes Cabeçadas, no início do mês de Junho de 1926, ocupando a pasta da Justiça, ao mesmo tempo que Oliveira Salazar era nomeado para a das Finanças e Mendes dos Remédios chamado a ocupar a pasta da Instrução Pública. Mas, «contrariamente aos seus colegas Oliveira Salazar e Mendes dos Remédios [...] o novo ministro da Justiça e dos Cultos constituía a essa época uma incógnita do ponto de vista ideológico; sabia-se tão só que integrara o politicamente muito heterogéneo grupo de subscritores do «Apelo à Nação», que em 1923 fora promovido pelo grupo da Seara Nova545. [...] Manuel Rodrigues Júnior aporta assim a Lisboa, sem que o tolhessem compromissos cívicos, políticos ou religiosos, circunstâncias essas que lhe conferem, [...], um amplo espaço de manobra»546. Rodrigues permaneceu no Executivo até 1928 enquanto os outros dois civis logo regressaram a Coimbra. Inicialmente, no Governo constituído a 18 de Junho de 1926, o ministro da Justiça, Manuel Rodrigues Júnior, «por diversas vezes falou na necessidade de realizar eleições, deixando a ideia de que se estava no início de um processo democrático, necessariamente diferente do que tinha vigorado até então. Nesse sentido, por exemplo, declarou ao Diário de

Lisboa, de 15 de Outubro de 1926, que, dentro de algum tempo, a Nação livremente

escolheria o Parlamento que lhe conviesse, sendo certo que este seria diferente dos anteriores nos processos e nos homens»547.

Paradoxalmente, o jurista Luís Mendonça afirma que Manuel Rodrigues «não era democrata nem liberal», mas antes defensor de um Estado autoritário, em que o indivíduo lhe está subordinado, de um executivo forte com primazia relativamente aos outros poderes, porque mais eficaz, já que era «composto por um pequeno número de indivíduos», «de maior categoria intelectual do que a generalidade das assembleias». O mesmo autor chama a atenção para o facto de Rodrigues considerar que «os órgãos do poder não podem estar à mercê de

543

Sessão Plenária da Câmara Corporativa em 12 de Março de 1946, Diário das Sessões da Assembleia Nacional nº 46, 13 de Março de 1946, p. 774.

544

Leopoldo Nunes, A Ditadura Militar, Tipografia da Empresa do Anuário Comercial, Lisboa 1928, p. 127- 141.

545

Seara Nova, Março de 1923, p. 129-135. 546

Luís Bigotte Chorão, «Liberdade de Imprensa»: a censura prévia ao capitão Azevedo. Uma página de

História da Ditadura Militar, p. 294.

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movimentos inconscientes da opinião pública, sobretudo da opinião pública preparada artificialmente», nem à mercê «de forças políticas adversas»548.

Já se viu que foi o autor do chamado «Decreto da personalidade» (Decreto nº 11.887, de 15 de Julho de 1926), que conferiu personalidade jurídica às corporações encarregadas do culto, permitiu o ensino religioso nos estabelecimentos particulares e reconheceu o direito de aposentação aos párocos. Porém, muitas das suas disposições, bem como as dos Decretos regulamentares que se lhe seguiram, foram considerados atentatórias dos direitos e da liberdade de acção da Igreja Católica. É o caso, por exemplo, da concessão de personalidade jurídica às corporações locais encarregadas do culto e não às paróquias e às dioceses; da imposição de que a décima parte das receitas das corporações fosse destinada à assistência pública (o que acabou por ser revogado a 15 de Julho de 1926); da exigência feita às corporações de terem escrita e contabilidade, que deveriam ser enviadas às autoridades administrativas no final de cada ano; da não devolução da propriedade dos bens mas apenas do seu usufruto; da condição de prova de que os bens eram efectivamente indispensáveis ao culto e de que a corporação era idónea; e da determinação de que os bens já destinados a serviços de utilidade pública fossem definitivamente cedidos para os mesmos serviços549.

Um dos arautos destas críticas foi o próprio Salazar, que entre outras coisas, dirá: «Em harmonia com o largo, profundo alcance da obra revolucionária a realizar, esperava-se sobre as relações do Estado com a Igreja qualquer coisa de completo e definitivo. Mas o Decreto sobre “a personalidade jurídica” não pode infelizmente considerar-se nem uma nem outra coisa»550. A Ditadura tinha então um mês e alguns dias e não deixa de ser curioso que já na Presidência do Conselho Salazar demore vários anos a encetar uma solução «definitiva» para o problema.

A propósito da execução deste mesmo Decreto, Manuel Rodrigues, para impedir que os juízes ordenassem a posse judicial de bens às corporações encarregadas do culto quando os mesmos estivessem já destinados a um fim de utilidade pública, adverte os presidentes dos tribunais da Relação que «o Estado é republicano e neutro em matéria religiosa». Esta medida foi tomada para acabar com uma situação de conflito, «que não convinha manter». Contudo, a

548

Luís Mendonça, «De Te Fabula Narratur. O Pensamento de Franco Cipriani sobre justiça civil», p. 65-125 549

Ver A União, Abril de 1927. 550

sua execução, na opinião do ministro, teria de ser cuidadosa, «para que não possa parecer que o Estado abdicou de alguma das suas prerrogativas fundamentais»551.

Defendendo-se da acusação de que a sua política enquanto ministro da Justiça, designadamente com a publicação do «Decreto da personalidade», era a política do Centro Católico, Rodrigues chega mesmo a afirmar: «eu não só não estou filiado no Centro, mas sou- lhe hostil»552. Embora, por diversas vezes, como referimos no capítulo anterior, se tenha declarado católico.

Num ofício com data de 28 de Dezembro de 1931, o ministro da França em Portugal diz que Manuel Rodrigues, de entre os indivíduos que compõem o Conselho Político Nacional, é um dos poucos que professam «tendências republicanas liberais»553.

Por todas estas razões, não é de estranhar que tivesse fama de «esquerdista» nos meios católicos, de que é expressão o já citado protesto de Joaquim Dinis da Fonseca quanto à inclusão de Manuel Rodrigues no primeiro Governo de Oliveira Salazar, em meados de 1932. Para Marcelo Caetano, Rodrigues era não só republicano como «tinha fama de socialista», embora estivesse contra a Primeira República. Considerava-o um homem simples, mas irreverente, que aceitava bem «a contradição e a discussão», que tinha «à vontade com todos», era «inteligente, culto e muito vivo»; «gostava do Poder» e «tinha amor a ser ministro». Quando, em 1928, Oliveira Salazar regressa ao Governo, Manuel Rodrigues culpa o ministro das Finanças por não ter sido convidado a integrar este novo Executivo. Pior ainda, «sentiu-se humanamente despeitado», porque deixava de ser «a primeira figura política, de entre os civis, da Ditadura»554.

Ainda segundo a perspectiva de Marcelo Caetano, Rodrigues era um homem «sarcástico», «capaz de amesquinhar «os ministros de quem não gostava» e de gracejar impiedosamente contra os políticos, entre os quais Salazar555. Já na qualidade de ministro da Justiça do Governo de Oliveira Salazar, a partir de 1932, diz-se que viria a agregar à sua volta os republicanos do regime, do mesmo modo que Teotónio Pereira agregava os Monárquicos556.

551

Circular reproduzida n’ A União, Abril de 1927, p. 12. 552

Diário de Lisboa, 22 de Junho de 1926. 553

José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares, Lisboa: Estampa, 1992, p. 169. 554

Marcelo Caetano, Minhas Memórias de Salazar, p. 106. 555

Marcelo Caetano, Minhas Memórias de Salazar, p. 107. 556

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Franco Nogueira também considerava Manuel Rodrigues uma «inteligência fulgurante»557, «talvez o homem mais inteligente e mais cínico de todo o Estado Novo», o qual, na sua opinião, viria a transformar «o seu gabinete do ministério da Justiça num centro de intriga, de manobras quase na fronteira da conspiração» contra Salazar e o seu regime558.

Em 1935 chega mesmo a correr o boato que este ministro queria substituir Salazar na Presidência do Conselho559. Na sequência deste episódio pede a demissão560, a qual Salazar recusou561.

No final do ano de 1938, publicou n’O Século um artigo intitulado «O Homem que Passou», onde, segundo Franco Nogueira, sugeria que era já tempo de Oliveira Salazar se retirar562. Para Marcelo Caetano, ao contrário, tratou-se de uma «página melancólica de um político que vê perderem-se as últimas esperanças de conseguir realizar a sua ambição pessoal», a de «suceder a Salazar»563. É provável que a razão esteja mais do lado de Marcelo Caetano do que de Franco Nogueira: numa missiva a Salazar, de 1940, Rodrigues intitula-se a si próprio de «veneranda relíquia» e diz estar velho e cansado, dando por terminada a sua vida na administração superior do Estado. Trata-se da resposta a uma carta de Oliveira Salazar, em que este lhe pergunta se quer continuar na pasta da Justiça e, não querendo, que nomes sugere para o substituir564.

João do Amaral, ex-intregralista e apoiante do Estado Novo, à data da morte de Manuel Rodrigues Júnior (1946) presta-lhe homenagem na Assembleia Nacional. Num testemunho credível, conta que o objectivo de Rodrigues era aproveitar a Ditadura para proceder ao «robustecimento do Estado», à «dignificação do Poder», à «fecundidade do Poder sobre as paixões partidárias». Reagrupados os valores políticos, poder-se-ia reintegrar a vida constitucional na «velha cadência de um novo rotativismo». Todavia, diz que o patriotismo, o civismo, a «grande solidariedade» para com o Exército impediram o jurista de manifestar a

557

Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 379 558

Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 239 e 287. 559

Carta de 13 de Outubro de 1935, ANTT, AOS/CP-242, fl. 229-234; Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Correspondência de Santos Costa para Oliveira Salazar. vol. 1 (1935-1950), Lisboa: PCM, 1988, p. 55.

560

Carta de 25 de Outubro de 1935, ANTT, AOS/CP-242, fl. 229-234. 561

Ver também Franco Nogueira, Salazar, vol. 2, p. 347.

562 Na sua leitura muito pessoal dos acontecimentos, Franco Nogueira dirá: «todos os observadores atentos não têm dúvidas de que Rodrigues traça o retrato de Salazar; este, cumprida a sua missão, devia retirar-se. Não é essa, no entanto, a opinião do chefe do Governo: não se sente ultrapassado, nem carecido de capacidade ou de apoios para continuar: nem julga cumprida a sua missão. De tudo se apercebe; mas não toca em Manuel Rodrigues; e prossegue o caminho que se impusera». Franco Nogueira, Salazar, vol. 3, p. 186.

563

Marcelo Caetano, Minhas Memórias de Salazar, p. 108. 564

sua discordância com o caminho seguido pela Ditadura Militar, embora o seu prestígio fosse de tal ordem que podia muito bem ter polarizado ao seu redor «todos os descontentamentos»565. Conta ainda que Manuel Rodrigues entendia, quanto ao programa da União Nacional, que os monárquicos só deveriam pertencer a esta agremiação se procedessem a uma «adesão formal ao regime». Não foi assim e «Manuel Rodrigues não gostou, resmungou»566; porém, continuou a servir a União Nacional.

Quanto ao papel que Manuel Rodrigues destinava ao catolicismo, não se duvida que por diversas vezes o ministro tomou disposições favoráveis à Igreja Católica, talvez movido mais por convicções políticas do que por crença religiosa. É neste contexto que deve ser entendido o Decreto da personalidade que, apesar de duramente criticado, regularia as relações entre o Estado e a Igreja até à assinatura da Concordata de 1940. O mesmo se poderá dizer sobre a reintrodução do juramento religioso prestado pelas testemunhas nos tribunais e o restabelecimento da assistência religiosa nas cadeias567, medidas que confirmam o seu alinhamento com a doutrina salazarista de matriz cristã.

A sua posição relativamente ao divórcio é claramente distinta da dos seus colegas. A partir das suas palavras depreende-se a recusa em reconhecer o carácter sacramental do casamento. A 21 de Dezembro de 1938, publica um artigo n’O Século considerando que há situações incomportáveis a qualquer existência e que exigem uma atenção cuidada: «a vida é só uma e quem a suporta tem de renunciar a ela mesma, e aqui a renúncia tem muito de doloroso e heróico. Mas também há muita ligeireza quando se entrega à vontade do homem a faculdade de se libertar de todos os liames que ele criou e que têm repercussão social»568. Preferindo não tomar partido, sugere ainda assim a limitação das causas do divórcio, designadamente as causas de «injúrias e sevícias graves», que em seu entender se converteu