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O S C ATÓLICOS NO G OVERNO DA R EPÚBLICA

A 9 de Novembro de 1928, o núncio anota no seu diário189 que Oliveira Salazar permanece como ministro das finanças» no novo Governo presidido por Vicente de Freitas190. A 13 de Novembro de 1928, o núncio escreve ao Cardeal Pietro Gasparri, salientando a obra financeira de Oliveira Salazar e as ameaças de que é vítima, quer por parte da Banca, que se sente atingida nos seus interesses, quer por parte da Maçonaria, que o odeia pelo facto de ser católico, quer ainda por parte dos «inimigos da Ditadura que consideram Salazar o verdadeiro alicerce do actual Regime». O ministro Salazar terá até sofrido golpes desferidos por alguns dos seus colegas maçónicos, fazendo estes eco do «coro que denunciava alarmado o triunfo da reacção e do anticlericalismo». Procuravam assim afastá-lo do Governo, mas Salazar «gorou a manobra, declarando ao Presidente da República a impossibilidade de colaborar com ministros que boicotavam a sua obra, e que por isso se encontrava na necessidade de pedir a sua demissão», acabando por arrastar o gabinete. Mas o Exército exigiu que continuasse no Governo e, assim, o Presidente da República encarregou Vicente de Freitas de formar um novo ministério, desde que Oliveira Salazar permanecesse na pasta das Finanças e que juntamente com ele escolhesse os restantes ministros. Salazar terá assim, na opinião do núncio, eliminado do ministério «os elementos refractários à sua reforma», exigindo ainda que lhe fosse novamente garantido que não seriam tomadas medidas

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Relatório nº 35 do Núncio sobre sua chegada a Lisboa e apresentação de credenciais, dirigida ao Cardeal Gasparri, 18 de Agosto de 1928 (rascunho). ASV, Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola nº 439 (1), fl. 35 e 35 v.

189 Diário de Beda Cardinale enquanto Núncio na Argentina e em Portugal. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 394 P.O., fasc. 154.

190

José Vicente de Freitas (1869-1952) – oficial do Exército, combateu em França na Grande Guerra e foi director da Escola do Exército, Presidente do Conselho Superior de Disciplina do Exército e do Supremo Tribunal Militar. ministro do Interior de Setembro de 1927 a Julho de 1929, passando a acumular esse cargo com a Presidência do Ministério em 1928. Cessou funções a 8 de Julho de 1929. Foi ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa, sendo demitido em 1933.

legislativas «lesivas dos direitos da Igreja»191. Foi então por isso que saíram do Governo os ministros dos Estrangeiros, da Justiça, da Instrução, do Comércio e da Agricultura, os quais foram substituídos por homens da confiança de Oliveira Salazar. Mesmo se estas afirmações do representante da Santa Sé são exageradas, é então que entra no Governo um outro nome destacado do Centro Católico, Mário de Figueiredo, «homem de grande valor e crente sincero e praticante». Católico é também o ministro da Instrução – Gustavo Cordeiro Ramos – e para pasta dos Estrangeiros foi escolhido Henrique Trindade Coelho, «homem de convicções católicas, e de completa fidelidade a Salazar». O núncio salienta o número e a qualidade dos membros católicos do novo Executivo, considerando ser assim legítimo pensar que em breve «se chegue à reforma das leis jacobinas existentes». No entanto, faz a ressalva de que em Portugal a revolução é um estado endémico, e lembra os maçónicos portugueses exilados em Paris, «os quais, sob os auspícios do grande Oriente de França, conspiram contra o regime actual em Portugal e contra o renascimento da vida católica. Anuncia-se de facto uma grande ofensiva contra a Igreja, procurando por todos os meios (...) tornar a levantar a questão religiosa»192.

Deste relatório, Gasparri valoriza apenas a suposta «ofensiva contra a Igreja», afirmando não duvidar que «a vigilância e a perspicácia» do núncio «saberão estimular e coordenar os cuidados e a actividade dos sagrados pastores e a força de todos os católicos; que a Igreja terá muito a sofrer com os atentados dos maçónicos»193.

No dia 15 de Novembro, o núncio escreverá no seu diário que visitara Aníbal Mesquita Guimarães194, interino da pasta dos Estrangeiros, tendo-lhe este dito que «para a paz interna de Portugal era indispensável extinguir a maçonaria», o que surpreendeu o núncio vindo de «um homem que não é de sentimentos católicos».

191

Esta afirmação encontra-se também num excerto das notas manuscritas de Mário de Figueiredo que relatam a crise dos sinos: «Então o Salazar cai, quero dizer pede a demissão, com o fundamento essencial de que a portaria não introduz direito novo, mas simplesmente interpreta o existente, de sorte que a sua anulação importava um agravamento para os católicos do direito dos cultos violando assim um compromisso com ele tomado a quando da sua entrada para o ministério». Rita Almeida de Carvalho e António de Araújo, «A Voz dos Sinos: o “Diário” de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929», Estudos, Nova Série nº 5, 2005, p. 487.

192

Relatório nº 147 do Núncio a Pietro Gasparri, 13 de Novembro. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 95, fl. 4-6

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Ofício nº 2571, de 29 de Novembro. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 95, fl. 4-9. 194

Aníbal de Mesquita Guimarães (1882-1952) – oficial de Marinha, desempenhou o cargo de ministro da Marinha de 18 de Abril de 1928 a 8 de Julho de 1929. Foi interino dos Negócios Estrangeiros de 10 de Novembro de 1928 a 19 de Dezembro de 1928 e das Colónias de 18 de Maio de 1929 a 8 de Julho de 1929. Voltou a exerceu o cargo de ministro da Marinha (1932-1936). Promovido a contra-almirante em 1941, foi ainda inspector da Marinha, vogal do Supremo Tribunal Militar e governador do Banco de Portugal.

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Relativamente à nomeação de Quintão Meireles para titular dos Estrangeiros195, a 19 Dezembro de 1928 o núncio considera que este não está preparado para o cargo e que se não percebem quais as suas convicções religiosas, embora «sempre demonstrou muito respeito com a Igreja», manteve as melhores relações com o núncio, cobrindo-o «de atenções e gentileza». Neste momento, o núncio volta a dar conta da instabilidade política existente, falando mesmo de uma remodelação ministerial iminente, «que teria por consequência a saída do Gabinete de alguns elementos de esquerda e a sua substituição por outros mais conservadores» e, por conseguinte, «um governo mais homogéneo e mais forte». A ser assim, «a Igreja ganharia muito, porque com um tal governo seria possível uma reforma das leis jacobinas existentes». Tal dependeria apenas do «elemento militar, que até agora domina a situação, mas que desgraçadamente não está unido». Assinala que, a bem da Igreja, o ministro das Finanças continua a ser o elemento principal do Executivo e o alicerce da Ditadura. Salazar, coadjuvado pelo seu colega da Justiça e dos Cultos, desenvolve com prudência mas com eficácia uma obra favorável à Igreja. Muito mais quereriam fazer, mas são impedidos pela surda hostilidade de alguns colegas ministros. O núncio transmite a Gasparri que cessou o temor de «uma reacção anticlerical», uma vez que, «os mesmos elementos que ameaçavam a Igreja, conspiravam contra a ditadura», tendo sido descobertos pela polícia e enviados pelo Governo, de modo quase «fulminante», para o cárcere uns e para as colónias portuguesas de África e de Ásia outros. Em síntese, o núncio considera que as coisas vão melhorando lenta mas seguramente e que o futuro da Igreja depende de «um bom governo» que reconheça os seus direitos196.

Entretanto, a 16 de Novembro de 1928, o padre franciscano António Correia de Santa Maria197 escreve de Roma à Secretaria de Estado, congratulando-se pelo facto de ter agora o Governo dois homens do Centro Católico e um ministro da Instrução que era também «um

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Manuel Carlos Quintão Meireles (1880-1962) – oficial de Marinha, foi ministro dos Negócios Estrangeiros de 19 de Dezembro de 1928 a 8 de Julho de 1929. Candidatou-se às eleições presidenciais de 1951 pela oposição, acabando por não se apresentar a sufrágio.

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Relatório nº 225, do Núncio a Gasparri, 16 de Janeiro de 1929. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 360 P.O., fasc. 95, fl. 14-15.

197 Trata-se de António Correia da Silva/Frei António de Santa Maria (1864-2938) – nasceu na Vila Marim, Mesão Frio, a 1 de Março de 1864. Filho de João Correia da Silva e de Maria da Glória Correia, tomou hábito no convento de Varatojo a 1 de Março de 1882 e emitiu os votos simples a 3 de Março de 1883 e a profissão solene a 21 de Abril de 1886 e foi ordenado sacerdote a 15 de Setembro de 1889. Formou-se em Roma em Filosofia e Teologia, leccionou no convento de São Boaventura de Montariol (Braga) a partir de 1893, ano em que o elegeram Definidor da Província. Nomearam-no guardião de Montariol em 1895. A Santa Sé nomeou-o Visitador Apostólico da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas em 1895. Ofereceu-se para a Missão da Beira, tendo deixado Montariol a 12 de Maio de 1898. De 1902 a 1908 esteve em Roma na qualidade Definidor Geral da Ordem. Terminado o mandato, regressou a Montariol a 6 de Outubro de 1909. A República levou-o de novo a Roma por onde ficou e faleceu a 7 de Agosto de 1938. Informação cedida pelo padre franciscano Henrique Pinto Rema a quem agradeço a amabilidade com que me recebeu.

fervoroso católico»198, três «jovens cheios de vida e de engenho [...] de uma piedade exemplar, que se confessam todas as semanas, recebem a comunhão todos os dias». Considerando que eles são os titulares dos «três postos mais importantes do Governo», conclui que assim seria mais fácil acabar com a campanha contra os franciscanos199.