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A NÁLISE DA S AGRADA C ONGREGAÇÃO DOS A SSUNTOS E CLESIÁSTICOS E XTRAORDINÁRIOS

Partindo da citação do projecto do Cardeal Cerejeira, importa cotejar os diversos documentos acima citados.

Preâmbulo – § 1 – Sua Santidade o Sumo Pontífice Pio XI e Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, concordes no desejo de regular de mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e o maior bem da Igreja e do Estado,

Esta primeira alínea do preâmbulo do projecto de Cerejeira (Novembro 1934) é muito diferente daquela que se apresenta no texto elaborado pelo padre António Durão no Verão de 1934, o único de entre os quatro que também tem preâmbulo. Quer dizer, enquanto o primeiro se limita a frases protocolares, o segundo apela ao papel da nação portuguesa para a «propagação do Evangelho e da civilização cristã nas mais remotas paragens do mundo». A fórmula de Cerejeira vai ser adoptada pelos cardeais da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, ainda que ligeiramente modificada.

Preâmbulo – §§ 2 e 3 – resolveram concluir entre si uma solene Convenção, que reconhece e garante a liberdade e direitos da Igreja, consagra e aplica os princípios e disposições da Constituição Política da República Portuguesa, mantém a Concordata respeitante ao Padroado Português do Oriente, assim como o Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas

e define a cooperação da Igreja e do Estado em vista do interesse colectivo, mantendo cada um a sua independência e competência.

A segunda alínea do preâmbulo do projecto de Cerejeira é também ela original, se bem que, depois das sugestões do núncio apostólico, a Sagrada Congregação para os Assuntos Extraordinários Eclesiásticos a modifique. Na verdade, o Cardeal Patriarca afirmava que a Concordata consagraria e aplicaria os princípios constitucionais. Ora, a Secretaria de Estado entende que não se podiam aceitar todos os princípios e disposições da Constituição portuguesa, «como, por exemplo, a separação da Igreja e do Estado, o laicismo deste», e por sugestão do núncio suprime esta afirmação, substituindo-a por outra, a «salvaguarda os interesses da Nação portuguesa». Quanto às missões e ao Padroado, opta-se pela seguinte fórmula: «salvaguarda os interesses da Nação Portuguesa também no que respeita às missões católicas e ao Padroado no Oriente»449. Esta última modificação contou com a oposição do Cardeal Rossi, o qual considerava que «uma Concordata não pode tratar de questões

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«Algumas observações e modificações da Secretaria de Estado, incorporando as sugestões do Núncio». In «Portogallo – Progetto di Concordato – Relazione», Relatório da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Janeiro de 1935. AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157.

eclesiásticas ou mistas. E mesmo as missões podem ser objecto de outro tratamento sem dizer que se salvaguarda os interesses de um Regime quanto às missões... as missões são para as almas, não para a política dos regimes»450. Mas, a sua crítica não vai ser acolhida pela Sagrada Congregação para os Assuntos Extraordinários Eclesiásticos451.

Preâmbulo – § 4 – Para tal efeito Sua Santidade nomeou Seu Plenipotenciário... e o Senhor Presidente da República Portuguesa ..

Os quais, trocados os seus respectivos plenos poderes e achados em boa e devida forma, acordaram nos seguintes artigos

A quarta alínea do preâmbulo de Gonçalves Cerejeira, semelhante na forma à do padre António Durão, não vai sofrer alterações por parte da Santa Sé452.

Artigo 1º, § 1º – A República portuguesa reconhece e assegura existência e personalidade jurídica à Igreja Católica em Portugal com a sua hierarquia, disciplina, e associações ou organizações.

No artigo 1º, parágrafo 1º, constante do projecto de António Correia (Agosto- Setembro 1932) afirma-se também explicitamente o reconhecimento da personalidade jurídica à Igreja Católica.

Monsenhor Colonna vai sugerir à Secretaria de Estado que se introduza neste preceito a menção de que a religião católica é professada pela totalidade dos portugueses e «que essa foi a sua glória»453. Porém, esta proposta não foi aceite. Será antes adoptada a sugestão do Cardeal Rossi, que vai no sentido de se referir um pouco mais explicitamente as ordens e congregações religiosas, indicando para este efeito, que, para além da alusão às associações e às organizações, seja feita uma referência aos institutos454.

Artigo 1, § 2º – A fim de assegurar as relações amigáveis entre a Santa Sé e a República Portuguesa, da maneira historicamente tradicional, um núncio apostólico continuará a residir em Portugal e um embaixador da República será nomeado junto da Santa Sé.

A questão da reciprocidade da representação diplomática, consagrada no parágrafo 2º, estava, com vimos, na ordem do dia desde há algum tempo, razão pela qual consta já dos projectos de concordatas anteriores à redacção de Cerejeira. Com excepção da terminologia

450 AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), fasc. 157, fl. 97 e ss. 451

Projecto de Concordata entre a Santa Sé e Portugal [anotado por Cerejeira]. 1.ª Fórmula. ANTT, AOS/CO/NE-29 (pt. 1, fls. 15-23).

452

Projecto de Concordata entre a Santa Sé e Portugal [anotado por Cerejeira]. 1.ª Fórmula. ANTT, AOS/CO/NE-29 (pt. 1, fls. 15-23).

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«Umilissima Osservazioni». AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, s.f. 454

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usada nos textos de António Correia de Santa Maria455 e de Trindade Coelho456 (Outubro 1932), que é exactamente igual, os outros dois projectos variam bastante na forma. De qualquer modo, também neste aspecto vinga a proposta de Cerejeira457, não tendo havido divergências assinaláveis a este respeito por parte da Santa Sé458.

Artigo 1, § 3º – É mantido, em favor de Portugal, nos termos das Concordata em vigor, o Padroado Português do Oriente e Extremo Oriente.

Cerejeira é o primeiro a considerar a questão do Padroado Português do Oriente nos projectos de Concordata459, embora antes Trindade Coelho tenho justificado esta ausência com os seguintes argumentos:

1º Porque este assunto já está regulado pelo Acordo de 1929;

2º Pelo perigo deste cair na hipótese de ruptura de relações com a Santa Sé;

3º Porque a Santa Sé não iria fazer uma verdadeira revolução nas circunscrições eclesiásticas recém-criadas460.

Logo em Janeiro de 1935, o núncio aponta para a necessidade desta matéria ser objecto de «um tratamento mais amplo e especial» e numa primeira fase contará com o apoio da Secretaria de Estado. No entanto, a redacção aceite pela Santa Sé será da autoria do Cardeal Rossi (ainda que com pequenas alterações) e determina o seguinte:

As convenções estipuladas entre a Santa Sé e o Governo Português a 15 de Abril de 1928 e a 1 de Abril de 1929, relativas ao Padroado Português do Oriente, mantêm-se em vigor, salvas as modificações que poderão ser determinadas de comum acordo entre as duas Altas Partes461.

Efectivamente, a Sagrada Congregação para os Assuntos Extraordinários Eclesiásticos, após reuniões de 4 e 13 de Fevereiro de 1935, manifesta-se a favor da proposta do Cardeal Rossi, justificando que, muito embora a mesmo deixe «a questão em aberto», permite no entanto o estabelecimento, no futuro, de «frutuosos acordos sobre o Padroado» e

455

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 368 P.O., fasc. 111, fls. 1-34. 456

Projecto de Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé. ANTT, AOS/CO/NE-29 A (pt. 2, fls. 47- 60)

457 ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, fl. 10-17v. 458

Projecto de Concordata entre a Santa Sé e Portugal [anotado por Cerejeira]. 1.ª Fórmula. ANTT, AOS/CO/NE-29 (pt. 1, fls. 15-23).

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ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, fl. 10-17v. 460

Projecto de Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé. ANTT, AOS/CO/NE-29 A (pt. 2, fls. 47- 60)

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«a conclusão de uma Concordata vantajosa para o bem das almas em Portugal e nas suas vastas colónias»462.

Artigo 2º, § 1 – É garantido à Igreja Católica o livre exercício do seu poder espiritual, podendo dentro da esfera da sua competência exercer os actos do seu magistério e jurisdição, sem qualquer impedimento.

Este parágrafo fora também considerado por António Correia de Santa Maria463, redacção que Trindade Coelho adoptará, embora este se limite a afirmar que será reconhecido o regime espiritual da Igreja Católica, quer na metrópole, quer nas colónias464. No texto de Cerejeira são introduzidas pequenas alterações, tal como a substituição do termo «magistério»465 por «poder de ordem», a fim de contemplar também o ministério466 – uma sugestão do Cardeal Rossi.

Artigo 2º, § 2 – A Igreja Católica pode livremente promulgar leis, Decretos e quaisquer determinações pertencentes ao seu governo espiritual.

Esta redacção tem a aprovação da Santa Sé.

Artigo 2º, § 3 – A Santa Sé goza da plena liberdade de comunicar e corresponder-se com os prelados, o clero e todos os católicos de Portugal, sem qualquer ingerência do poder público; assim como os prelados e demais autoridades diocesanas, com o clero e os fiéis, dentro do seu ministério pastoral, não carecendo da prévia aprovação do Estado, para se publicarem e correrem dentro do País, as bulas, pastorais e quaisquer instruções e determinações.

Os projectos de Concordata de 1932 também contemplam o princípio da livre comunicação entre bispos, clero e fiéis. Na proposta do padre António Durão refere-se explicitamente a não submissão da autoridade eclesiástica à censura prévia. Cerejeira adopta uma formulação ligeiramente mais subtil467, e a redacção da Santa Sé, uma vez ouvido o núncio, irá no sentido de tornar mais explícita a afirmação da liberdade dos bispos e demais autoridades diocesanas se corresponderem com o clero e com os fiéis468.

Artigo 2º, § 4 – No exercício do seu ministério espiritual é devida aos eclesiásticos a protecção do Estado, do mesmo modo que aos funcionários e autoridades públicas: o Estado impedirá, nos

462

ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, fl. 99. 463

ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 368 P.O., fasc. 111, fls. 1-34. 464

Projecto de Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé. ANTT, AOS/CO/NE-29 A (pt. 2, fls. 47- 60)

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O modo como a Igreja transmite os seus ensinamentos. 466

A pregação da Palavra e a administração dos sacramentos. 467

ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, fl. 10-17v. 468

«Algumas observações e modificações da Secretaria de Estado, incorporando as sugestões do Núncio». In «Portogallo – Progetto di Concordato – Relazione», Relatório da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Janeiro de 1935. ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157.

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termos das leis gerais, as ofensas à sua pessoa e qualidade de eclesiásticos, e bem assim que sejam perturbados no exercício do seu ministério.

Tal como Cerejeira, o padre António Durão contemplou a protecção do Estado aos eclesiásticos. No entanto, o núncio vai sugerir que se retire a palavra «espiritual» do texto de Cerejeira, «não só para evitar eventuais interpretações demasiado restritivas, mas também para tornar mais uniforme a formulação do texto devendo terminar “no exercício do seu ministério”»469. Esta disposição constituirá no projecto da Santa Sé o artigo 4º, § 1.

Artigo 2º, § 5 – Aos eclesiásticos que, não obstante a proibição do Bispo próprio, continuem a exercer as funções de que estejam suspensos ou destituídos, é aplicável o art. 189º, n. 1 do Código Penal.

A aplicação do Código Penal pelas autoridades civis na punição aos eclesiásticos suspensos ou destituídos surge pela primeira vez em 1934, no projecto da autoria do Cardeal Patriarca. No projecto do padre António Durão, elaborado uns meses antes do de Cerejeira, falava-se apenas na cooperação das autoridades para «coagir os eclesiásticos suspensos ou destituídos das suas funções a acatarem essa suspensão ou destituição». A Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, em conformidade com as observações da Secretaria de Estado e as sugestões do núncio470, eliminou a referência ao Código Penal português, já que este não parecia aplicável: «todo o jurado ou testemunha que não comparecer em juízo, tendo-se-lhe feito a necessária intimação, terá a pena de prisão e multa de um mês» (artigo 189º).

A Santa Sé vai ainda transferir este parágrafo para o artigo 9º, § 4, assim modificado: «A autoridade civil prestará apoio à autoridade eclesiástica no caso dos eclesiásticos que, não obstante a proibição dos superiores competentes, continuarem a exercer as funções de que foram suspensos ou destituídos». Trata-se de uma redacção semelhante à da Concordata polaca471.

Artigo 2º, § 6a – Os bispos residenciais, reitores de seminários, párocos e superiores religiosos residentes em Portugal deverão ser cidadãos portugueses.

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«Algumas observações e modificações da Secretaria de Estado, incorporando as sugestões do Núncio». In «Portogallo – Progetto di Concordato – Relazione», Relatório da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Janeiro de 1935. ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157. 470 «Algumas observações e modificações da Secretaria de Estado, incorporando as sugestões do Núncio». In «Portogallo – Progetto di Concordato – Relazione», Relatório da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Janeiro de 1935. ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157. 471

Polónia, art. 4º – As autoridades civis prestarão o seu apoio à execução das decisões e dos decretos eclesiásticos: a) em caso de destituição de um eclesiástico, da sua privação dum benefício da Igreja, depois da promulgação de um decreto canónico relativo à destituição ou privação supracitadas ou em caso de defesa do uso do hábito eclesiástico.

Esta disposição foi introduzida pela primeira vez no projecto de Cerejeira. A Secretaria de Estado afirmaria que a nacionalidade portuguesa dos superiores religiosos residentes em Portugal constituía uma das concessões da Santa Sé ao Estado português, mas modificou ainda a sua redacção para que esta exigência fosse relevada caso houvesse acordo entre as partes. Esta alteração acabará por não constar do projecto entregue ao Governo português.

Artigo 2º, § 6b – Antes de proceder à nomeação de qualquer Arcebispo e Bispo residencial, ou de coadjutor cum iure successionis, salvo o que está disposto na esfera do Padroado e do Semi- Padroado, a Santa Sé comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português, a fim de saber se não há contra ela objecções de carácter político geral, devendo tal diligência manter-se rigorosamente reservada até à sua nomeação pela Santa Sé, e tendo-se o silêncio do Governo, após quinze dias da dita comunicação, como significativo de que nada tem a opor.

Já António Correia de Santa Maria, Trindade Coelho, Monsenhor José de Castro e o padre António Durão haviam previsto que ao Governo seria conferido o direito de pré- notificação quanto à nomeação dos bispos, embora, em qualquer dos casos, com redacções distintas. A fórmula do jesuíta é a que mais se aproxima da de Cerejeira: além do direito de objecção, afirma, tal como este, que, comunicado o nome da pessoa escolhida e se não houver resposta no prazo de quinze dias, «a Santa Sé entenderá não existirem tais objecções». Do mesmo modo, previa que estas diligências fossem realizadas em segredo. Monsenhor Colonna considerou que o prazo deveria ser alargado para trinta dias e que se devia dizer claramente que este direito não é sinónimo de um direito de veto. Colonna considerará que se deve conceder ao Estado português, nos casos das dioceses das colónias e dos territórios sob o regime de Padroado, o direito de apresentação472. Porém, a fórmula apresentada pela Santa Sé ao Governo português vai ser a proposta por Cerejeira, apenas com ligeiras alterações de redacção.

Artigo 3º, § 1

É assegurado à Igreja Católica o livre exercício de todas as funções do culto, particular ou público, as quais poderão ser realizadas em qualquer hora e lugar, sem dependência de licença da autoridade pública.

A liberdade do culto católico vai ser afirmada em todos os projectos que antecederam o do Cardeal Patriarca, embora utilizando formulações diferentes. Cabe aqui salientar que o projecto de Trindade Coelho é o que mais diverge de todos os outros, pois acrescenta a

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referência explícita à liberdade de «administração dos sacramentos»473. Esta última afirmação não vai ser retomada, nem por Durão, nem por Cerejeira, nem sequer existia no projecto de António Correia de Santa Maria. A versão do Cardeal Patriarca foi aprovada pela Santa Sé, não tendo sido sequer discutida pelos diversos intervenientes na sua apreciação.

Artigo 3º, § 2

O toque dos sinos é parte integrante da manifestação do culto, competindo à hierarquia eclesiástica regular o seu uso.

Esta matéria foi introduzida pela primeira vez por Cerejeira e terá o acordo da Santa Sé.

Artigo 3º, § 3

A República Portuguesa reconhece os seguintes dias festivos estabelecidos pela Igreja: todos os domingos, o dia primeiro do ano, o dia da Epifania (6 de Janeiro) o dia da Ascensão, o dia do Corpo de Deus, o dia dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo (29 de Junho) o dia da Assunção (15 de Agosto) o dia de Todos os Santos (1 de Novembro) o dia da Imaculada Conceição (8 de Dezembro) o dia de Natal (25 de Dezembro).

O reconhecimento dos dias festivos estabelecidos pela Igreja Católica é comum ao projecto do padre António Durão e a forma adoptada por Cerejeira é exactamente a mesma. Monsenhor Colonna vai assinalar a ausência do dia de S. José (19 de Março) 474, o que será incorporado no texto entregue a Salazar.

Artigo 3º, § 4 – Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto de culto católico pode ser destinado pelo Estado a outro fim.

Esta norma só encontra paralelo na formulação do padre António Durão. Monsenhor Colonna, considerando que «pode ser vantajoso para a igreja permutar um convento por uma caserna», sugere que se acrescente «sem o prévio consentimento da autoridade eclesiástica»475, o que não seria adoptado no texto proposto pela Santa Sé.

Artigo 3º, § 5 – É garantida a prestação de socorros espirituais nos hospitais, asilos, prisões e estabelecimentos similares do Estado e das autarquias locais, que poderão ter capela e serviços privativos para este efeito, sendo livre o acesso ao pároco do lugar ou sacerdote encarregado pela competente autoridade eclesiástica destes serviços.

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Projecto de Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé. ANTT, AOS/CO/NE-29 A (pt. 2, fls. 47- 60)

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«Umilissima Osservazioni». AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, s.f. 475

A assistência religiosa aos hospitais, asilos, prisões e outros estabelecimentos públicos de beneficência foi considerada logo no primeiro projecto de Concordata, mas apenas o de Cerejeira fazia referência ao livre acesso do pároco aos referidos estabelecimentos. No restante, o conteúdo do projecto do Cardeal Patriarca476 é igual ao do projecto do padre António Durão, embora a redacção tenha sido simplificada. Quando apreciado por Monsenhor Colonna, este rejeita a expressão «socorros espirituais» por considerar que tal formulação remete para uma assistência in extremis, quando a ideia seria a de «assistência permanente». Defende ainda que o acesso do pároco deve ser garantido tanto no que se refere à capela como a todo o estabelecimento estatal477. A redacção entregue ao Governo português vai ser, no entanto, a proposta por Cerejeira.

Artigo 4º, § 1 – A Igreja Católica é reconhecida em Portugal como sociedade de direito público, podendo organizar-se livremente em harmonia com as normas de sua hierarquia e disciplina.

Embora com outra forma, quer o reconhecimento da Igreja Católica como sociedade de direito público, quer a sua liberdade de organização já tinham sido referidas no projecto do padre António Durão.

De acordo com a Santa Sé, o Cardeal Patriarca teme que «a frase “qual sociedade de direito público” possa não ser bem entendida pela mentalidade portuguesa», sugerindo a sua eliminação e em alternativa a seguinte norma: «A Igreja Católica poderá organizar-se livremente em Portugal em harmonia com as normas de sua hierarquia e disciplina». Colonna concordará com esta modificação, que considera ser conforme ao Direito Canónico478. Este novo texto obtém o acordo dos cardeais da Sagrada Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários.

Artigo 4º, § 2 – Às instituições e associações assim organizadas, que, segundo o Direito Canónico, gozam de personalidade jurídica, é reconhecida pelo Estado existência civil e personalidade jurídica – como bispados, cabidos, paróquias, seminários, confrarias, congregações, institutos e outras organizações canónicas e legalmente constituídas.

António de Santa Maria, Trindade Coelho e António Durão falam do reconhecimento da «personalidade jurídica» às instituições e organizações da Igreja Católica. O Cardeal Rossi – aliás, como mais tarde Oliveira Salazar – irá considerar que este parágrafo repete a norma

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ASV, AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, fl. 10-17v. 477

«Umilissima Osservazioni». AES – Portogallo, Concordato, pos. 398 (2), Fasc. 157, s.f. 478

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do artigo 1º. No entanto, ainda que com ligeiras alterações (entre outras, a palavra «bispados» é substituída por «dioceses»), a fórmula redigida por Cerejeira é aprovada pela Santa Sé.

Artigo 4º, § 3 – A constituição, modificação e extinção no foro civil das instituições e