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O S C ONTRIBUTOS DOS A CTORES PARA A F IXAÇÃO DO P ROJECTO O FICIAL

4 O P ROJECTO O FICIAL DO G OVERNO P ORTUGUÊS

4.3 O S C ONTRIBUTOS DOS A CTORES PARA A F IXAÇÃO DO P ROJECTO O FICIAL

Interessa agora determinar o contributo pessoal e, bem assim, da «comissão» para a fixação do texto do projecto de Concordata.

SS/AP [Santa Sé/Anteprojecto] – Preâmbulo, § 1 – Sua Santidade o Sumo Pontífice Pio XI e Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, concordes no desejo de regular de mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e o maior bem da Igreja e do Estado,

GP/PO [Governo Português/Projecto Oficial] – Idem – Sua Santidade o Sumo Pontífice Pio XI, e Sua Excelência, o Presidente da República Portuguesa, dispostos a regular por mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja e do Estado.

A fórmula encontrada por Mário de Figueiredo e Oliveira Salazar, na sessão de trabalho de 12 de Abril de 1937, já depois da primeira reunião da «comissão» será aquela que irá ser entregue à Santa Sé, no dia 14 de Julho, e as alterações nesta alínea são apenas de redacção.

SS/AP – Preâmbulo, § 2 – resolveram concluir entre si uma solene Convenção, que reconheça e garanta a liberdade e direitos da Igreja, e salvaguarde os legítimos interesses da Nação Portuguesa inclusivamente no que respeita às Missões Católicas e ao Padroado do Oriente, e defina a cooperação da Igreja e do Estado no concernente ao bem da colectividade, mantendo cada um na sua ordem a própria independência e competência.

GP/PO – Idem – Resolveram concluir entre si uma solene convenção que reconheça e garanta a liberdade da Igreja e salvaguarde os legítimos interesses da Nação Portuguesa, inclusivamente no que respeita às Missões Católicas e ao Padroado do Oriente.

Quando Salazar analisa o anteprojecto dá-se conta que no preâmbulo a Santa Sé fala, quanto ao objectivo da Concordata, na salvaguarda dos seus direitos enquanto menciona a garantia dos interesses da Nação portuguesa (19 de Março). Depois pondera se é de deixar passar a expressão «a própria independência», tendendo a preferir a eliminação de toda esta frase. Nas notas que Teixeira de Sampaio extrai da reunião da «comissão», a 5 de Abril, dirá que ele próprio fez um «reparo quanto a direitos por um lado e interesses por outro». Entendia ainda que era melhor traduzir «ordine» por «esfera», em lugar de «ordem».

Na referida reunião chega-se praticamente à redacção da fórmula proposta oficialmente à Santa Sé. Por um lado, eliminou-se a palavra «direitos»,

1º) Por parecer inútil, depois de se reconhecer a liberdade da Igreja, falar dos seus direitos: reconhecimento da liberdade pressupõe o dos direitos por que se efectiva;

2º) Porque ou com essa palavra se querem referir os direitos que resultam da Concordata e então é ainda inútil por o sentido da Concordata ser reconhecê-los, ou se querem referir

direitos independentes da Concordata e então não é a Concordata o lugar próprio para se afirmarem, já que... existem independentemente dela.

Isto não significa que o Estado Português não admita a existência de um direito superior a ele, pois que ele mesmo se afirma ligado pelo direito (Constituição art. 4 e art. 6º nº 1)631.

Foi ainda retirada a frase «e defina a cooperação da Igreja e do Estado no concernente ao bem da colectividade, mantendo cada um na sua ordem a própria independência e competência» por se considerar que «não há necessidade de afirmar o sentido da Concordata», e que «declarações de princípio são sempre perigosas, senão para quem contrata, para quem critica e pretende prejudicar com o desenvolvimento lógico de princípios abstractos». Até porque, no entender de Oliveira Salazar, as introduções das concordatas são habitualmente mais resumidas.

Pensou-se ainda suprimir, aparentemente por sugestão de Mário de Figueiredo, a referência às missões e ao Padroado português, por se considerar «desnecessária em face do que a respeito na Concordata se dispõe e porque poderia fazer crer que esta Concordata é a única fonte das prerrogativas do Estado Português sobre a matéria e não é esse o seu ponto de vista» – o que não chegou a fazer-se.

SS/AP – Preâmbulo, § 3 – Para tal efeito Sua Santidade nomeou Seu Plenipotenciário... e o Senhor Presidente da República Portuguesa....

Os quais, trocados os seus respectivos plenos poderes e achados em boa e devida forma, acordaram nos seguintes artigos:

GP/PO – Idem – Para tal efeito, Sua Santidade nomeou Seu Plenipotenciário... e o Senhor Presidente da República Portuguesa....

os quais, trocados os seus respectivos plenos poderes e achados em boa e devida forma, acordaram nos artigos seguintes:

O texto deste parágrafo não sofre quaisquer alterações.

631

Art. 4º – A Nação Portuguesa constituiu um Estado independente, cuja soberania só reconhece como limites, na ordem interna, a moral e o direito; e, na internacional, os que derivem das convenções ou tratados livremente celebrados ou do direito consuetudinário livremente aceite […].

Art. 6º – Incumbe ao Estado:

1º Promover a unidade moral e estabelecer a ordem jurídica da Nação, definindo e fazendo respeitar os direitos e garantias resultantes da natureza ou da lei, em favor dos indivíduos, das famílias, das autarquias locais e das corporações morais e económicas.

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4.3.1PERSONALIDADE JURÍDICA DA IGREJA CATÓLICA

SS/AP Artigo 1º, § 1 – A República portuguesa reconhece e assegura a existência e a personalidade jurídica à Igreja Católica em Portugal com a sua hierarquia e disciplina, aos seus institutos e às suas associações e organizações.

GP/PO – artigo 1º, § 1 – A República Portuguesa reconhece a personalidade jurídica à Igreja Católica, representada pela Santa Sé.

Embora numa anotação de Cerejeira à primeira fórmula da Santa Sé este considerasse que a norma estava implícita no artigo 45º da Constituição portuguesa de 1933632, a verdade é que no artigo 1º, parágrafo 1, do anteprojecto e do projecto de Concordata se reconhece apenas a liberdade de culto e organização das religiões – e não à Igreja Católica em particular, e menos ainda à Santa Sé. Salazar entende que a declaração de que o Estado português assegura a existência e reconhece a Igreja Católica, a sua hierarquia e a sua disciplina e os seus institutos, associações ou organizações é, não só redundante e não conforme à Constituição, como tem ainda «o inconveniente de se poder supor que traduz qualquer compromisso de "manter materialmente" a Igreja». Rejeita também a inclusão dos institutos para conformar o texto do projecto ao da Constituição. Considera, todavia, quanto à personalidade jurídica, que «reconhecê-la expressamente à Igreja parece que não pode ser discutido». Teixeira de Sampaio refere também: «Existência, não poderia supor-se que envolve ideia de qualquer auxílio material para subsistência?». Diz ainda que se a própria Constituição lhe reconhece a personalidade jurídica, então deveria fazer-se uma referência expressa à Constituição que corroborasse o princípio». Na reunião de 5 de Abril foi acordado que se eliminaria este parágrafo e se reconheceria a personalidade jurídica da Igreja Católica em Portugal como sujeito de direito interno noutro lugar do articulado. No entanto, Mário de Figueiredo, encarregado de redigir a segunda fórmula de acordo com a votação, vai mantê-lo, justificando em nota as suas razões: apesar de na revisão se ter resolvido eliminar um artigo considerado redundante, entendeu que não se afastava do «pensamento votado», pondo no lugar desse um outro em que se fazia o dito reconhecimento. «É certo que não havia necessidade de afirmar expressamente o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica (Santa Sé), pois o próprio facto da Concordata a pressupõe; mas também não há

632

«É livre o culto público e particular de todas as religiões, podendo as mesmas organizar-se livremente de harmonia com as normas da sua hierarquia e disciplina, constituindo por essa forma associações ou organizações a que o Estado reconhece existência civil e personalidade jurídica.»

inconveniente e parece útil ao desenvolvimento lógico do pensamento»633. Esta sua alteração vingará no projecto oficial.

O núncio Ciriaci, quando envia o projecto oficial do Governo à Santa Sé, dirá que aqui, ao contrário do que era mencionado anteriormente, «faz-se o reconhecimento explícito da personalidade jurídica da Igreja representada pela Santa Sé, o que, dada a mentalidade nacionalista e regalista que tem continuamente dominado em matéria religiosa, representa um grande progresso». Cerejeira ter-lhe-á dito «que tal artigo representa uma modificação para melhor do projecto e que esta era a primeira Concordata a usar uma fórmula tão explícita»634.

4.3.2ELEVAÇÃO DA LEGAÇÃO A NUNCIATURA

SS/AP – artigo 1º, § 2 – A fim de assegurar as relações amigáveis entre a Santa Sé e a República Portuguesa, da maneira historicamente tradicional, um núncio apostólico continuará a residir em Portugal e um embaixador da República será nomeado junto da Santa Sé.

GP/PO – artigo 1º, § 2 – As relações amigáveis com a Santa Sé serão asseguradas na forma tradicional por que historicamente se exprimiam, devendo um núncio apostólico representar a Santa Sé em Portugal e um embaixador da República representar Portugal junto da Santa Sé.

O Presidente do Conselho vai concordar com o conteúdo deste parágrafo, pois a Constituição previa já a reciprocidade da representação diplomática. No entanto, discorda da fórmula adoptada duvidando que se possa dizer «historicamente tradicional» (19 de Março de 1937). Na opinião de Teixeira de Sampaio, «o mais exacto seria dizer que continuaria a residir em Portugal um núncio da maneira tradicional (o que envolve a ideia do cardinalato no termo da missão) e o governo português acreditaria um embaixador junto da Santa Sé». Embora com uma formulação, diferente esta ideia será incorporada no projecto oficial. Quando a comissão procede ao estudo do projecto, parece chegar-se a acordo quanto ao facto do privilégio cardinalício da Nunciatura em Portugal dever ser referido no artigo, o que não viria a concretizar-se.

633

Espólio Mário de Figueiredo, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. 634

Cit. em Relatório (impresso) da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Agosto de 1937. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, Pos. 398 P.O., Fasc. 158, s.f.

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4.3.3.LIVRE EXERCÍCIO DO CULTO

SS/AP – artigo 2º, § 1 – É garantido à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade: na esfera da sua competência poderá exercitar os actos do seu poder de ordem e de jurisdição sem qualquer impedimento.

GP/PO – artigo 2º, § 1 – É garantido à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade: na esfera da sua competência, tem a faculdade de praticar os actos do seu poder de ordem e jurisdição sem qualquer impedimento.

Quanto a este artigo Salazar anota que só a Concordata alemã estabelece limites à autonomia da Igreja «nos termos do direito comum»635. O Presidente do Conselho interroga- se se não se deve fazer o mesmo na Concordata portuguesa, embora considere a fórmula agora proposta pela Santa Sé mais perfeita do que a das outras concordatas: na italiana, fala-se em «livre exercício do poder espiritual»636; na austríaca, usa-se a expressão «livre exercício do seu poder espiritual»637; a polaca, utiliza a fórmula «livre exercício do seu poder espiritual e da sua jurisdição eclesiástica»638. Teixeira de Sampaio considera que as fórmulas consagradas nas outras concordatas são mais claras e diz não saber o que significa «poder de ordem», o que não vai ter qualquer repercussão na redacção do artigo. De acordo com a votação da «comissão», a 5 e 17 de Abril de 1937, apenas se substitui a expressão «poderá exercitar os actos» por «tem a faculdade de praticar os actos», chegando-se assim, logo na segunda fórmula, à redacção definitiva do projecto oficial.

4.3.4LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO

SS/AP – artigo 2º, § 2 – A Igreja Católica pode livremente promulgar leis, decretos e quaisquer determinações pertencentes ao seu governo espiritual.

GP/PO – artigo 2º, § 2 – Para tanto, a Santa Sé pode livremente publicar quaisquer determinações relativas ao seu governo e, em tudo quanto se refere ao seu Ministério pastoral, comunicar e corresponder-se com os prelados, clero e todos os católicos de Portugal, assim como estes com a Santa Sé, não carecendo de prévia aprovação do Estado, para se publicarem e correrem, dentro do País, as bulas e quaisquer instruções e determinações.

635

Alemanha, art. 13º – As paróquias, as associações paroquiais e diocesanas, as sés episcopais, os paços episcopais e os capítulos, as ordens e congregações religiosas, bem como as instituições, fundações e os bens que estão sob a administração da Igreja, podem manter ou adquirir, respectivamente, competência jurídica no domínio civil segundo às disposições gerais do direito civil. Mantêm-se corporações de direito público tal como até agora; outros direitos semelhantes podem ser concedidos nos limites do direito comum.

636

Itália, art. 1º - A Itália, de acordo com o Art. I do tratado, assegura à Igreja Católica o livre exercício do seu poder espiritual, o livre e público exercício do culto e da jurisdição em matéria eclesiástica em conformidade com as normas da presente Concordata.

637

Áustria, art. 1º, § 1 – A República da Áustria assegura e garante a Igreja Católica nos seus diferentes ritos o livro exercício do seu poder espiritual e o livre e publico exercício do culto.

638

Polónia, art. 1º - A Igreja católica, sem distinção de ritos, gozará de uma liberdade completa na República da Polónia. O Estado polaco garante à Igreja a liberdade de exercer a sua autoridade eclesiástica e a sua jurisdição bem como a liberdade de administrar os seus negócios e os seus bens, de acordo com as leis divinas e a lei católica.

Nas suas notas, Oliveira Salazar manifesta-se contra à referência a leis e decretos, preferindo «uma fórmula genérica que tudo abarque», pois a «referência expressa a leis e decretos dará ao público ignorante a impressão de dois poderes a legislar». A «comissão» delibera que a redacção deverá abarcar não só liberdade de comunicação da Santa Sé com clero e fiéis, como também o inverso. As duas observações serão adoptadas no projecto oficial. Segundo Ciriaci, o disposto no anteprojecto está contido neste segundo parágrafo e no anterior639.

SS/AP – artigo 2º, § 3 – A Santa Sé goza da plena liberdade de comunicar e corresponder-se com os prelados, o clero e todos os católicos de Portugal, sem qualquer ingerência do poder público; assim como os prelados e demais autoridades diocesanas, com o clero e os fiéis, dentro do seu ministério pastoral, não carecendo da prévia aprovação do Estado, para se publicarem e correrem dentro do País, as bulas, pastorais e quaisquer instruções e determinações.

GP/PO – artigo 2º, § 3 – Nas mesmas condições, gozam desta faculdade os bispos e demais autoridades diocesanas em relação ao seu clero e fiéis.

A este propósito, Oliveira Salazar começa por dizer que se deverá eliminar a frase «sem qualquer ingerência do poder público», porque «não é necessária» e «dá a impressão de desconfiança e hostilidade ao Estado, e na realidade das coisas não é absolutamente exacta, porque na forma de transmissão natural (correio, teleg., etc.) o poder público intervém». Teixeira de Sampaio, por seu turno, considera que a referência à não ingerência do poder público é mais do que «em princípio pode ser admitido a um poder estrangeiro», considerando que pode até ser um «precedente mau em relação às potências no seu trato com os seus súbditos em Portugal».

O Presidente do Conselho, lembrando que o «Decreto Moura Pinto» ressalvava os abusos ou delitos, considera «não ser necessária esta reserva». Nota ainda a diferença entre a fórmula adoptada para a comunicação da Santa Sé com os prelados, e vice-versa, relativamente à comunicação dos bispos com os fiéis, e vice-versa. Neste último caso faz-se referência a tudo quanto se refere ao seu ministério pastoral. Teixeira de Sampaio dá também conta desta variação e sugere que o limite estabelecido relativamente aos bispos – liberdade mas apenas no que se refere ao seu ministério pastoral – se estenda à Igreja Católica na generalidade. Esta observação vem a ser incorporada no projecto oficial (embora no artigo 2º, § 2).

639

Cit. em Relatório (impresso) da Sagrada Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Agosto de 1937. ASV, AES – Portogallo, IV Periodo, pos. 398 P.O., Fasc. 158, s.f.