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A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 A pesquisa em Sociolinguística: o estudo da variação

A Sociolinguística como um campo distinto da Dialetologia foi lançada através do estudo da variação linguística em áreas urbanas. Enquanto a Dialetologia estuda a distribuição geográfica de variação linguística, a Sociolinguística se concentra em outras fontes de variação, entre elas a classe social.

Para Beline (2011, p. 125), de uma perspectiva variacionista quantitativa, “a Sociolinguística ocupa-se em desvendar como a heterogeneidade se organiza” e, de uma perspectiva dialetológica, “a Sociolinguística pode se ocupar mais em estabelecer as fronteiras entre os diferentes falares de uma mesma língua.”

Estudos no campo da Sociolinguística normalmente coletam uma amostra da população e entrevistam-na, avaliando a realização de certas variáveis sociolinguísticas. Para Beline (2011, p. 135), “fazer análises quantitativas de dados linguísticos é a palavra de ordem da Sociolinguística Variacionista”.

O porquê das análises quantitativas numa pesquisa sobre variação é explicado por Guy e Zilles (2007, p. 73), que dizem que “a variação linguística, entendida como alternância entre dois ou mais elementos linguísticos, por sua natureza, não pode ser adequadamente descrita e analisada em termos categóricos ou estritamente qualitativos.” E justificam que a dimensão da importância da variação para o entendimento de questões como prestígio e estigma, comunidade de fala, identidade e solidariedade ao grupo local pode ser demonstrada pelo uso de métodos estatísticos.

Mollica (2008, p. 27), tratando do papel das variáveis não linguísticas (nível de instrução, idade, sexo, classe social etc.) sobre o fenômeno da variação, afirma que elas “não agem isoladamente, mas operam num conjunto complexo de correlações que inibem ou favorecem o emprego de formas variantes semanticamente equivalentes.” No caso da variável nível de instrução, a autora diz que falantes de maior escolaridade “tendem a lançar mão de estruturas de maior prestígio.” Assim também pensa Votre (2008, p. 51), que alega que “[a escola] atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em curso nas comunidades.” Nesse sentido, o autor defende que a variável escolaridade (ou nível de escolarização) é um mecanismo de promoção ou de resistência às mudanças.

Como se disse, o estudo das variações linguísticas se dá, normalmente, através de entrevistas gravadas. Entretanto, quando se busca analisar a variação de formas linguísticas

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numa perspectiva diacrônica, em se tratando de períodos mais remotos – dos anos 1960 para trás –, o único caminho para fazê-lo é através da análise de textos escritos, entre as quais a literatura e os textos teatrais (PRETI, 2011, p. 325) e as cartas pessoais (ANDRADE, 2011, p. 113). Estas têm o grande mérito de, por se tratar de uma correspondência entre duas pessoas, trazerem marcas de tratamento dispensado ao destinatário, favorecendo o estudo das variações entre os pronomes de 2ª PESS, dentre as quais a que nos interessa nesta pesquisa, que é a variação te/lhe.

Esse estudo de sincronias passadas não é tarefa fácil, pois a escassez de amostras do vernáculo representa um grande obstáculo, tanto que Labov (1994, p. 11) afirma que “a Linguística Histórica pode ser pensada como a arte de fazer o melhor uso dos maus dados”.12 Labov chama de maus dados os documentos históricos que, de alguma forma, mostram o modo como a língua era usada em determinada época porque são ricos por um lado, mas empobrecidos por outro, pois

Documentos históricos sobrevivem por acaso, não por intenção, e a seleção que está disponível é o produto de uma série imprevisível de acidentes históricos. As formas linguísticas em tais documentos são frequentemente distintas do vernáculo dos autores e, em vez disso, refletem esforços de captar um dialeto normativo que nunca foi a língua nativa de nenhum falante. Como resultado, muitos documentos são marcados com os efeitos da hipercorreção, da mistura de dialetos e de erros do escriba. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa)13

Acrescente-se a isso a dificuldade de se conhecerem, através dos documentos sobreviventes, aspectos sociais dos autores (escribas) e a estrutura social da comunidade nas quais eles estavam inseridos. Acerca disso, Labov comenta:

Embora saibamos o que foi escrito, não sabemos nada acerca do que foi entendido e não estamos em condição nenhuma de desenvolver experimentos controlados sobre a compreensão transdialetal. Nosso conhecimento do que era distintivo e do que não era é severamente limitada, uma vez que não podemos usar o conhecimento dos falantes nativos para diferenciar variantes distintivas de não distintivas. (LABOV, 1994, p. 11 – tradução nossa).14

Apesar de tais dificuldades, documentos históricos têm sido amplamente utilizados em pesquisas sociolinguísticas de caráter diacrônico, pois, como se disse acima, são

12No original: “Historical linguistics can then be thought of as the art of making the best use of bad data”.

(tradução nossa)

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No original: “Historical documents survive by chance, not by design, and the selection that is available is the product of an unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative dialect that never was any speaker’s native language. As a result, many documents are marked with the effects of hypercorrection, dialect mixture, and scribal error.”

14No original: “Though we know what was written, we know nothing about what was understood, and we are in

no position to perform controlled experiments on the crossdialectal comprehension. Our knowledge of what was distinctive and what was not is severely limited, since we cannot use the knowledge of native speakers to differentiate nondistinctive from distinctive variants.”

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as únicas formas que se têm de se conhecer determinado estágio de uma língua de uma época mais remota.